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Memória Libertária

Documentos e Memórias da História do Movimento Libertário, Anarquista e Anarcosindicalista em Portugal

Documentos e Memórias da História do Movimento Libertário, Anarquista e Anarcosindicalista em Portugal

Memória Libertária

26
Nov23

Um dó li tá: Que fique com o 25 de novembro quem quiser. E já agora com o 11 de março também.


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Assinalou-se ontem a passagem de mais um aniversário do 25 de Novembro, a data que marcou o golpe de direita que, em Portugal, em 1975, pôs fim ao chamado PREC (processo revolucionário em curso). Esquerda e direita engalfinharam-se por causa da data: para uns foi a correção do caminho aberto pelo 25 de Abril de 1974 (sectores de direita e alguns sectores do PS); para outros foi o fim do próprio 25 de Abril (extrema-direita); para outros ainda foi o fim do processo revolucionário (PC e BE) ou apenas mais um momento, como outros, posteriores ao 25 de Abril, sem grande significado só por si (alguns sectores do PS). Uns glorificam a data como se a partir dela tudo se tivesse alterado, outros maldizem-na, como se antes a situação de quem trabalha e vive do seu trabalho tivesse sido muito diferente. Uns e outros mentem.

Para os anarquistas foi mais uma luta entre os vários sectores políticos que se começaram a digladiar logo a partir do dia 25 de Abril de 1974, mesmo quando a revolução popular, saída do golpe de estado, estava no seu auge e que cronologicamente podemos situar entre os últimos dias de Abril de 1974 e o chamado golpe da maioria silenciosa, a 28 de setembro do mesmo ano. A partir daí o controlo partidário do movimento popular, por parte de alguns grupos de esquerda, tornou-se evidente, matando a espontaneidade popular, a autoorganização e a realização criativa que tinham animado os primeiros meses da revolução, e cristalizando-se a partir do 11 de março de 1975, momento a partir do qual, com Vasco Gonçalves como primeiro ministro, o PCP e a CGTP “normalizaram” a contestação com um conjunto de medidas legais e administrativas, como a Lei da Unicidade Sindical, que mataram definitivamente o movimento popular.

O 25 de Novembro de 1975 surgiu, assim, como uma resposta da direita politica e militar à ocupação das estruturas do Estado por parte da esquerda, sobretudo por militantes afetos ao PCP e ao movimento sindical por ele controlado, embora em nenhum momento tenha existido o risco de retorno á situação anterior ao 25 de Abril de 1974.

O assunto foi tratado na revista anarquista “Acção Directa”, de janeiro de 1976, num longo artigo de abertura intitulado  “Carta Aberta aos Senhores Políticos de Esquerda”, acusados de deturparem “a emancipação dos trabalhadores arranjando-lhes novos capatazes, novos dirigentes e novos polícias”, em vez de os ajudarem a libertarem-se de “todas as tutelas, politicas inclusive”.

Na parte final do artigo pode ler-se:

“(…) Tal como o capitalista, também o político profissional (criação leninista) é parasita do trabalho socialmente útil. O político profissional não só vive à custa dos contribuintes do partido, isto é, recebe a côngrua dos fiéis, como também é um obstáculo à emancipação dos dirigidos, tanto em relação à estrutura do partido como do Estado. Mas aqui não nos ocupamos apenas dos profissionalizados. E como para se ser político não é necessário apresentar diploma ou dar provas seja do que for, ao contrário de qualquer actividade profissional, muita gente se habilita a pôr a pata em cima dos outros ainda que para tal tenha que suportar o peso de alguns.

Neste jogo de poder e submissão, arrogância e subserviência (se não masoquismo), tendes deturpado, senhores da esquerda, a emancipação dos trabalhadores arranjando-lhes novos capatazes, novos dirigentes e novos polícias.

E os que trabalham, em lugar de repetir, começassem a pensar em algumas das vossas frases, senhores políticos profissionais, como por exemplo: “quem não trabalha não come?”

Infelizmente ainda não tendes motivo para sustos. A emancipação dos homens concretos de todas as tutelas, politicas inclusive, é de facto um trabalho longo e difícil e requer dos próprios revolucionários a abdicação de tendências paternalistas, que não são mais do que o reflexo da vaidade do chefe rodeado de súbditos obedientes. A submissão é o contrário da emancipação, como a manipulação é sempre um processo reaccionário.

Mas vós tendes escolhido sempre o caminho mais fácil ao vos tornardes chefes verborosos de rebanhos submissos e ao mirardes a razão da vossa vaidade do alto das tribunas políticas, como quem confirma que estamos num país de Marialvas.

Aquilo que verificámos antes de 25 de Novembro não foram acções revolucionárias de trabalhadores, mas processos de massificação, em que as “massas” se concentravam em manifestações ou faziam greves simplesmente para mudarem de dono. E como quem apregoa o sabonete PALMOLIVE, porque disseram ser o melhor, assim se repetiram publicitariamente alguns nomes ilustres em certas concentrações. As práticas irracionais, como as massificações, foram utilizadas por todos os demagogos e no Congresso de Roma de 1921, Mussolini contava já com 310.000 operários inscritos. Desligados duma luta concreta, os massificados aceitam passivamente que os conduzam.  Assim, com todo um fraseado ideo-religioso se preparava, contra um pretenso fascismo de direita, um fascismo de esquerda, de tipo peronista, com sindicalistas armados. Faltou apenas uma figura carismática, um duce, um Estaline ou um Perón.

Não, senhores políticos de esquerda, não é isto que nós, anarquistas, entendemos por revolução."

19
Jul23

Gabriel Morato: do PCP às fileiras do anarquismo


Gabriel Morato foi uma das figuras marcantes do anarquismo em Portugal após o 25 de Abril de 1974. Embora polémico e controverso, teve um papel relevante nas organizações, debates e publicações que marcaram o anarquismo português nas últimas décadas do século XX. 

João Gabriel de Oliveira Morato Pereira (1940-2005) foi um activista e militante anti-fascista e anti-capitalista muito activo a partir do início dos anos 60 do século passado e até à sua morte. Filiado no PCP desde muito novo, foi preso em 1965 durante 15 meses (21/1/1965-16/4/66) “por actividades contra a segurança do Estado” . Passou pelas cadeias do Aljube, Caxias e Peniche (1), tendo sido torturado durante a fase dos interrogatórios e obrigado a manter-se na “posição de estátua” durante horas a fio, alternando com a tortura do sono durante onze dias. À medida que o interrogavam, os agentes da PIDE troçavam dele por ser coxo e se meter em altas cavalarias. E quando, no último dia de tortura, desfaleceu e caiu na quase total inconsciência, foi rodeado pelos esbirros que se “divertiam” a atirá-lo de uns para os outros.

Aquando da prisão, era estudante do Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras (ISCEF) e integrava o cargo de secretário-geral da Reunião Inter-Associações (RIA) de Lisboa. Saiu em liberdade já em 1966 tendo-se, pouco depois, desvinculado do PCP e aproximado de outros grupos de estudantes dissidentes, na sua maioria maoistas, que surgiram em força, depois da cisão sino-soviética, nas universidades portuguesas. Informado no final da década de que a polícia o procurava e que tinha contra si um mandado de captura, exila-se em Paris onde conhece e contacta com as ideias e a militância anarquista.

Regressa a Portugal logo a seguir ao 25 de abril de 1974 e, com alguns companheiros que também tinham estado exilados em Paris, como António Mota e Júlio Carrapato, estreita relações com os grupos libertários existentes em torno dos jornais A Batalha e Voz Anarquista. Está intimamente ligado à criação da Associação de Grupos Autónomos Anarquistas, ao grupo “Os Revoltados” e à revista Acção Directa. Participa em inúmeras convocatórias para acções de rua (manifestação e comicio de solidariedade com os trabalhadores espanhóis a 3 de março e 19 de julho de 1975, manifestação do 1º de maio de 1977, na Praça da Figueira, etc.), múltiplos encontros anarquistas e nas mais variadas acções de divulgação dos ideais libertários. Manterá sempre fortes contactos internacionais com o movimento anarquista sobretudo em Espanha e em França. Participa em reuniões da Internacional de Federações Anarquistas (IFA) e da Federação Anarquista Ibérica (FAI) e é um dos fundadores da Secção Portuguesa da Associação Internacional de Trabalhadores (AIT-SP) em finais dos anos 90.

Morre em Lisboa, devido a problemas de saúde, a 19 de Julho de 2005, a escassos dias de completar os 65 anos.

(1) Gabriel Morato esteve preso em Peniche apenas na fase final da pena e por pouco mais de um mês – entre 11/3/66 e a sua libertação a 16/4/66, como refere a lista de presos da Fortaleza de Peniche (http://www.urap.pt/attachments/article/530/ListaPresosPoliticosFortalezaPeniche_16MAR2014.pdf). Estranhamente o nome que figura no Memorial aos Presos de Peniche é o de João Morato Pereira, ocultando o nome porque sempre foi conhecido: Gabriel (conf. http://www.museunacionalresistencialiberdade-peniche.gov.pt/pt/memorial-4/)

* Maioria dos dados extraídos da biografia de Gabriel Morato escrita por Júlio Carrapato:  https://colectivolibertarioevora.wordpress.com/2016/06/23/sejamos-optimistas-deixemos-o-pessimismo-para-melhores-tempos-texto-de-julio-carrapato-sobre-gabriel-morato/

(fotos cedidas pela Sofia, filha do Gabriel.)

No Museu do Aljube
À mesa de trabalho
Numa manifestação de rua com companheiros
Proposta assinada pelo Gabriel para a constituição da Associação Acção Directa que pretendia alargar o espaço organizativo em torno da revista, que até ali era editada pelo Grupo “Os Revoltados” (1977? Documento do Arquivo de Portal Anarquista)

aqui: https://colectivolibertarioevora.wordpress.com/2021/11/02/gabriel-morato-1940-2005/
04
Fev23

4 de fevereiro de 1977: manifestação anarquista no Rossio pela libertação do português João Freire, preso em Barcelona numa reunião da FAI


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Arquivo Portal Anarquista

Em Janeiro de 1977, quando em Espanha o movimento anarquista e anarcosindicalista se tentava reorganizar, depois da morte de Franco, já na chamada "transição", uma reunião da FAI, em Barcelona, foi interrompida pela polícia e os participantes presos. Entre eles, em representação da FARP (Federação Anarquista da Região Portuguesa), estava João Freire (1), que conta detalhadamente este episódio no seu livro autobiográfico "Pessoa Comum no seu tempo", (pgs. 453-459).

Informados da prisão de João Freire, alguns dos grupos constituintes da FARP defenderam que deviam tomar posição sobre esta prisão e comvocaram um protesto público, no Rossio, para 4 de Fevereiro, quase uma semana depois das prisões, que tinham acontecido no domingo anterior, 30 de janeiro.

A convocatória da manifestação refere que "ao contrário do que os órgãos de informação têm propalado, foi preso no passado domingo um anarquista português: João Freire, ex-exilado em França do regime salazarista. Simultaneamente, é encarcerado em toda a Espanha um elevado número daqueles que se opõem à paz podre do Sr. Suarez e dos seus avalizadores ocidentais".

E acrescenta: "Nós, que não somos discretos nem tememos as repercussões políticas dos escândalos diplomáticos, não abdicamos de nos solidarizarmos com o nosso companheiro e com as demais vítimas da repressão".

Conclui ainda o comunicado. "Assim, apelamos a todos os revolucionários a participarem num movimento de solidariedade, o mais amplo possível, que se inicia hoje às 19 horas, com uma manifestação no Rossio.

PELA LIBERTAÇÃO DE JOÃO FREIRE E DE TODOS OS PRESOS ENCARCERADOS NAS MASMORRAS ESPANHOLAS!

NÃO ÀS PSEUDO-LIBERALIZAÇÕES, SIM À REVOLUÇÃO SOCIAL!"

Assinam a convocatória os grupos anarquistas Acção Directa, A Ferro e Fogo, Lanterna Negra, Os Solidários, Liberdade, Núcleo de Intervenção Anarquista e Indivíduos Anarquistas.

Sobre a manifestação (em que não esteve presente) também se referiu João Freire no livro atrás citado, diminuindo a dimensão da solidariedade então manifestada e reduzindo-a a uma caricatura. Para a manifestação não foi pedida autorização e, na verdade, esteve presente um grande contigente da polícia, tendo havido confrontos com alguns manifestantes, bem mais do que "a meia dúzia" referida por João Freire, na passagem que dedicou a esta manifestação na sua autobiografia.

"(...) Na FARP, as atitudes divergiram (como seria de esperar) (2). Enquanto a maior parte, preocupada, acatou sem qualquer dificuldade esta orientação, o grupo "Acção Directa" queria passar imediatamente à "agitação de rua". E foi contrafeitos que se retiveram durante alguns dias, parece que dando uma espécie de ultimato ("o mais tardar na sexta-feira..."). Assim, quando eu já sobrevoava a meseta ibérica a caminho de casa, eles estavam distribuindo panfletos na Cidade Universitária sobre o "Anarquista português preso em Espanha" e convocando uma manifestação de protesto para o fim da tarde na Praça da Figueira (sic). Disseram-me camaradas que a observaram (mas não se envolveram nela) que foi mais um triste espectáculo, com a praça cheia de polícias e meia dúzia de jovens excitados pelos slogans bombásticos do Gabriel Mourato (do tipo "Morte ao Estado e a quem o apoiar! Morte à polícia!", completamente isolados e recebendo dichotes ríspidos e mesmo ameaças dos passantes e de grupos de "retornados" que ali estacionavam ("Vão mas é lá para a Rússia...") e o "líder" espumando raiva e impotência por todos os poros!"   - João Freire, "Pessoa Comum no seu tempo", (pg. 459).

Um relato pouco preciso do que aconteceu, mas que dá conta do ambiente que já se vivia na FARP (a Acção Directa e outros grupos abandonaram mesmo a organização durante este ano) e que haveria de agravar-se com a participação de João Freire no Congresso Anarquista de Carrara, um ano depois, de que o grupo Acção Directa se dessolidarizou e criticou de forma pública e violenta as decisões ali tomadas, nomeadamente acerca da violência revolucionária, tendo a FARP sido dissolvida oficialmente em Novembro de 1979.

1) João Freire, sociólogo, professor universitário reformado. Frequentou o Colégio Militar, oficial da Armada, desertou em 1968 da guerra colonial, depois exilado político em França. Fundador da revista "A Ideia" e da FARP. Investigador sobre o anarquismo e as lutas sociais na 1ª República. Ex-anarquista. Publicou como testemunho deste afastamento dos ideais anarquistas o livro Um projecto libertário, sereno e racional (Lisboa, Colibri, 2018).

2) Segundo João Freire, o advogado que seguia o seu caso, "Joaquim Pires de Lima, com escritório em Cascais", teria aconselhado a "não levantar "burburinho público" durante uma semana, para a hipótese de as coisas se resolverem pelo melhor,; se eu não fosse libertado nesse prazo, podia então pensar-se que eu estava judicialmente em má posição (sob alguma acusação grave) e dever-se-ia agir por outros meios".

Freire, João " "Pessoa Comum no seu tempo - Memórias de um médio burguês de Lisboa na segunda metade do século XX", Edições Afrontamento, Lisboa, 2007.

 

15
Jan23

Intervenção do Grupo Acção Directa no Comício da Voz do Operário (15/1/1977)


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A propósito dos 46 anos do Comício Anarquista na Voz do Operário, convocado pela FARP/FAI, disponibilizamos aqui a intervenção do Grupo Acção Directa nessa sessão pública, traçando um quadro daquele que era o panorama político e social do país naquela altura. A intervenção foi posteriormente publicada como suplemento ao nº 8 da revista.

 

14
Dez22

A vida e morte da FARP-FAI (1975-1979)


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Voz Anarquista, nº11, Janeiro de 1976

No dia 14 de Dezembro de 1975 é constituída em Almada a FARP- FAI (Federação Anarquista da Região Portuguesa, filiada na Federação Anarquista Ibérica) reunindo diversos grupos anarquistas entre os quais os grupos editores da revista «A Ideia» e da «Voz Anarquista» a que se viriam a somar no ano seguinte (1976) outros grupos e companheiros  entre os quais o grupo ligado à revista «Acção Directa», que nos nºs 7 de Novembro/Dezembro de 1976 e 8 de Janeiro/Fevereiro de 1977 exibe, na contra-capa, a indicação: "Revista editada pelo Grupo Anarquista “Acção Directa” federado na FARP-FAI".

Entre as actividades que a FARP desenvolveu ressalta o comício anarquista na Voz do Operário em 15 de Janeiro de 1977 e a participação na realização de duas conferência libertárias em Outubro de 1977 e em Fevereiro de 1978 na sede de A Batalha, em Lisboa

A FARP existe até 1979, com uma existência atribulada e diversas dissensões internas, em que a mais grave terá sido a polémica entre o grupo ligado à revista "Acção Directa" e os grupo “Os Iguais”, que editava a  revista "A Ideia", a propósito do III Congresso Anarquista, em Carrara (Itália). Em Março de 1978 o  grupo editor da “Acção Directa” envia aos órgãos de comunicação social um comunicado assinado por António Mota em que se distancia do III Congresso Anarquista realizado  pela Internacional de Federações Anarquistas (IFA) entre os dias 23 e 27 de março, em Carrara, onde esteve presente uma delegação portuguesa. No nº 10, a Revista “A Ideia” (de que alguns elementos tinham estado em Carrara) publica o comunicado e, a seguir, num texto intitulado “Polémica” considera que com este texto, tal como com um artigo publicado no nº 11 da revista “Acção Directa” “'Alguns aspectos essenciais da acção dos Anarquistas'”, o grupo "Acção Directa" distancia-se do pensamento defendido pelos membros de “A Ideia”,  e enveredam por “posições - mais restritivas dentro do panorama libertário - dos anarquistas INDIVIDUALISTAS”. Também a "Voz Anarquista", sem publicar o comunicado da “Acção Directa”, critica esta tomada de posição e escreve que a IFA só representa os grupos que a ela queiram aderir e não a totalidade do movimento anarquista.

Desgastada com as polémicas internas e não dando resposta às necessidades organizativas com que o movimento se depara (em junho de 1976 já se havia constituído a ALAS, juntando os companheiros que se movimentavam em torno do anarcosindicalismo e do jornal “A Batalha”, havendo mesmo a 7 de Dezembro de 1978 nova reunião na sede de “A Batalha” para discutir a necessidade de uma nova organização anarquista. “Empreendamos um caminho que afirme as nossas ideias em resposta a uma civilização em crise”, afirma a convocatória do encontro), a FARP suspende a sua actividade em plenário realizado em Almada a 17 de Novembro de 1979.

25
Out22

Algumas capas da revista "Acção Directa" entre 1975 e 1979


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A revista Acção Directa foi uma das publicações anarquistas mais relevantes em Portugal a seguir ao 25 de Abril de 1974. Paralelamente com "A Batalha", a "Voz Anarquista" e "A Ideia" constituiu, nesses primeiro anos após a revolta militar, um dos pólos aglutinadores dos anarquistas, sobretudo dos mais jovens e daqueles que, embora tendo militado noutras áreas políticas, se foram aproximando do anarquismo. Pugnava por um anarquismo militante e pelo comunismo libertário, embora o individualismo e a propaganda pelo acto perpassassem também muito pelas suas páginas, tal como o anti-militarismo e a denúncia da "mentira democrática".

Inicialmente constituiu-se como boletim da Associação de Grupos Autónomos Anarquistas, assumindo a partir do 2º número a denominação de “Acção Directa”. No entanto, logo  a partir do 3º número, de Janeiro de 1976 autonomiza-se, identificando-se apenas como revista anarquista e pelo comunismo libertário.

Nos nºs 7 de Novembro/Dezembro de 1976 e 8 deJaneiro/Fevereiro de 1977 exibe, na contra-capa, a indicação: "Revista editada pelo Grupo Anarquista “Acção Directa” federado na FARP-FAI", referência que já não ostenta no nº9.

Durante a sua primeira série teve como director (e proprietário) António Mota e a sua sede no Largo dos Bombeiros Voluntários, 121-1º drt, em Cacilhas, onde funcionava e funciona, o Centro de Cultura Libertária. A revista, com pelo menos duas séries, foi publicada até depois do ano 2000.

Seria útil que a colecção no seu todo fosse estudada e eventualmente digitalizada dada a relevância de muitos dos textos que nela foram publicados, a maioria originais de elementos da redacção ou traduções de textos importantes que ainda não tinham tido uma versão em português.

Na Biblioteca Nacional existem algumas edições da "Acção Directa", tal como na Hemeroteca de Lisboa: 

Exemplares disponíveis na Biblioteca Nacional

(1ª serie) Nº 1 - 17 (Jul. 1975-Jul./Ag. 1998 ?)

(2ª serie) nº 1-2 (Jun.-Ag. 1999)

Nº 3 (Nov. 1999) –Nº 7 (Jun. 2000)

Nº 8 (Esp. Verão)

Nº 9 (Out. 2000) – Nº 15 (Out. 2001)

Nº 16 (Dez. 2001)

Nº 17 (Jan. 2002)

Nº 18 (Abr. 2002) –  Nº 19 (Jun. 2002)

Nº 20 (Ag. 2002) –  Nº 22 (Dez. 2002)

Nº 23 (Fev. 2003) –  Nº 24 (Mar. 2003)

Nº 25 (Jun. 2003)

Nº 26 (Jul. 2003)

Nº 27 (Out. 2003)

Nº 28 (Dez. 2003) - Nº 39 (Jul. 2006)

Exemplares disponíveis na Hemeroteca de Lisboa

Nº 1 (Jul de 1975)

N.º 2 (Out. 1975)-n.º 6 (Ag./Set. 1976)

N.º 8 (Jan./Fev. 1977)-s. 2, n.º 39 (Jul. 2006)

https://porbase.bnportugal.gov.pt/ipac20/ipac.jsp?session=166W7B3M28754.91872&profile=porbase&uri=link=3100027~!7197074~!3100024~!3100022&aspect=basic_search&menu=search&ri=4&source=~!bnp&term=Ac%C3%A7%C3%A3o+directa+%3A+revista+anarquista&index=ALTITLE

http://catalogolx.cm-lisboa.pt/ipac20/ipac.jsp?session=1R6670267K9N2.139934&profile=rbml&source=~!rbml&view=subscriptionsummary&uri=full=3100024~!19588~!2&ri=4&aspect=subtab11&menu=search&ipp=20&spp=20&staffonly=&term=Ac%C3%A7%C3%A3o+Directa&index=.GW&uindex=&aspect=subtab11&menu=search&ri=4

http://catalogolx.cm-lisboa.pt/ipac20/ipac.jsp?session=1R6670267K9N2.139934&profile=rbml&source=~!rbml&view=subscriptionsummary&uri=full=3100024~!9744~!1&ri=4&aspect=subtab11&menu=search&ipp=20&spp=20&staffonly=&term=Ac%C3%A7%C3%A3o+Directa&index=.GW&uindex=&aspect=subtab11&menu=search&ri=4

 

18
Fev22

(Polémica) Trasladação dos mortos no Tarrafal: os velhos anarquistas consideraram que “se cumpriu o prometido aos companheiros que morreram” apesar das críticas ao aproveitamento comunista e ao frentismo anti-fascista


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A 18 de Fevereiro de 1978, quase quatro anos depois do 25 de Abril de 1974, foram trasladados para Portugal os corpos dos 32 portugueses mortos no Campo de Concentração do Tarrafal. Um grupo de anarquistas sobreviventes do Tarrafal, com destaque para Acácio Tomás Aquino, estiveram no centro desta homenagem aos antigos combatentes antifascistas, que mobilizou milhares de portugueses que acompanharam as urnas desde a Sociedade de Belas Artes, onde estiveram em câmara ardente, até ao cemitério do Alto de São João, em Lisboa. No entanto, a forma como a trasladação foi conduzida, o aproveitamento feito pelo PCP e a subalternização dos anarquistas mortos no Tarrafal, "recuperados" como instrumentos e símbolos da democracia foram criticados por outros sectores libertários, nomeadamente por elementos das gerações mais novas, que não tinham sentido na carne a violência de prisões como o Tarrafal.

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O relato desse dia e da emoção sentida pelos velhos militantes está bem patente no artigo publicado na edição de Março do jornal “Voz Anarquista” e assinado por José Francisco, um dos militantes anarquistas, dirigente da CGT,  ligados à preparação do 18 de janeiro de 1934. O longo título do artigo, de primeira página, não podia ser mais eloquente: “A homenagem prestada aos caídos no Campo de Concentração e Morte Lenta do Tarrafal não foi uma manifestação formalista – a sinceridade foi visível em todos os aspectos, naquele povo que acompanhava as urnas, emocionado e palpitando em uníssono na condenação de um passado maldito”.

Escreve depois José Francisco:

“Dando cumprimento ao voto da Organização Libertária Prisional, feito no Tarrafal, conforme “A Batalha” noticiou pelo Acácio Tomás de Aquino, voto feito em 1945, os restos mortais dos 32 revolucionários anti-fascistas, caídos e enterrados no Campo da Morte Lenta, vieram para Lisboa com honras nacionais prestadas pelo Governo de Cabo Verde. Desembarcados no aeroporto, ali ficaram para depois serem colocados em Câmara Ardente, na Sociedade Nacional de Belas Artes, onde deram entrada no passado dia 17 de Fevereiro. Foi comovente a saída das urnas da carreta funerária para a sala em que ficaram em velada até ao dia seguinte.

Companheiros que conseguiram vencer todas as violências físicas e morais, e regressar vivos do Tarrafal, aguentando até este grande dia, transportavam ao colo as pequenas urnas.

Mulheres e homens de todas as idades, que ladeavam a porta de entrada, choravam, não resistindo à comoção daquele acto.

Depositadas na sala, foi cada uma das urnas coberta com uma bandeira nacional. Coroas de flores já ali se encontravam, a marcar a homenagem de muitos que não puderam comparecer. Toda a noite se revezaram  os turnos de velada, não só dos tarrafalenses mas também de familiares e amigos, muitos amigos, velhos companheiros de luta dos 32 mortos do Tarrafal.

No dia 18, logo ao romper da manhã, começaram a afluir pessoas. Flores e mais flores. Cravos vermelhos, como o sangue derramado na luta anti-fascista. Verduras assinalando a esperança num Mundo melhor, pelo qual morreram tantos antifascistas não só no Tarrafal mas em outros pontos da África negra, principalmente em Angola e Timor, região esta onde se encontravam já deportados, muito antes do 28 de Maio de 1926. E não só esses, mas também os que morreram em Lisboa, e um pouco por todo o país, de norte a sul.

Eram 14 horas quando começaram os preparativos para a saída das urnas.

Frente à Sociedade Nacional de Belas Artes via-se já um mar de gente que a cada momento aumentava. Pedidos para deixarem livre a rua, a fim de facilitar a movimentação das carretas e dos carros de Bombeiros, eram atendidos com dificuldade.

Começam a sair as coroas de flores, em dois carros de bombeiros e um atrelado. As carretas funerárias transportavam flores em todos os sítios possíveis. Atrás do grandioso cortejo, mulheres e homens levavam mais coroas e palmas de flores, alguns com as coroas ao pescoço; cravos vermelhos eram aos milhares.

Às 15 h. o desfile inicia-se com aquela mole de gente que nem a chuva impediu que a Homenagem Nacional aos Mortos no Tarrafal atingisse o que nunca fora visto em Lisboa. Dizia uma mulher que nem o funeral do D. Carlos, nem no enterro do Presidente Sidónio Pais, vita tanta gente e tantas flores oferecidas pelo Povo de Portugal.

À medida que o cortejo passava, mais gente se incorporava nele. A chuva continuava e continuou sempre. Os que seguiam na rectaguarda tinham de marcar passo, para dar lugar aos que ladeavam ruas e avenidas.

A chegada ao cemitério do Alto de S. João, foi pelas 17,30 e já noite, ainda continuavam pessoas a chegar, sem poderem entrar no recinto. E lá ficaram os 32 anti-fascistas, mortos do Tarrafal, num Mausoléu, construído por subscrição pública, mausoléu coberto de flores em quantidade nunca vista em Lisboa (…)”

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Posições discordantes: Júlio Figueiras

No entanto, a forma como esta homenagem decorreu motivou protestos públicos de alguns sectores anarquistas, nomeadamente de Júlio Figueiras (pseudónimo de João Freire, de “A Ideia”) e do grupo “Acção Directa”.

Na mesma edição da “Voz Anarquista” (nº 29) em que José Francisco escreve o texto atrás citado, e na mesma 1ª página, o jornal publica, a menos de meia coluna, um pequeno texto de Júlio Figueiras intitulado: “Que desgosto!!!”

“Que os companheiros sobreviventes do Tarrafal, me perdõem, se não puderem compreender-me.

Foi com desgosto que segui a operação do partido comunista português que recuperou e capitalizou inteiramente em seu favor o sacrifício daqueles que sofreram e morreram no Campo do Tarrafal.

Foi com desgosto que vi tratados de «democratas» militantes operários que tão perseguidos haviam sido pela Democracia.

Foi com desgosto que vi cobertas com a bandeira do Estado Português as urnas de anarquistas que justamente pretenderam lutar contra esse mesmo Estado e implantar uma FRATERNIDADE UNIVERSAL.

Foi com desgosto que vos vi a vós no meio de tais companhias: ministros, militares, chefes de partidos.

Foi com desgosto que vi insensíveis e indiferentes a tudo isto, não poucos dos libertários que conheço.

Foi, enfim, com desgosto que me senti impotente para lançar o grito desmistificador, de dor ou de revolta.” – escreve Júlio Figueiras

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Posições discordantes: Acção Directa

Também a revista “Acção Directa” volta a este tema na sua edição nº 11, de Abril/Maio, com um desenho, na primeira página, de um esqueleto  a ser transportado por uma carreta e com a legenda: “Morto do Tarrafal de regresso à Pátria-Mãe” e, na última página, com um artigo, não assinado, intitulado: “O Tarrafal e o culto dos mortos”, em que se pode ler:

“Concluíram-se há bem pouco tempo as celebrações organizadas à volta da trasladação dos mortos do Tarrafal para o cemitério do Alto de S. João, em Lisboa. Vem, pois, muito a propósito a publicação duma recolha de textos de Albert Libertad (publicados na mesma edição da revista, nota A.) sobre o culto dos mortos, na qual é salientada a importância deste culto na manutenção da ordem social. Porém, além dessa questão de fundo, este caso dos mortos do Tarrafal tem outras implicações devido à manobra de carácter  político que desde o início presidiu à dita trasladação. Com efeito, o objectivo desta era claro: arrastar os vivos para a luta política anti-fascista através da utilização de algumas dezenas de cadáveres de indivíduos que lutaram, foram perseguidos, torturados, deportados e finalmente liquidados pela Sociedade. Também é fácil perceber que quem terá lucrado mais com esta operação foram as várias organizações políticas situadas na chamada esquerda, sobretudo o Partido Comunista Português.

Não nos admira absolutamente nada que tais organizações, sendo de carácter religioso no sentido lato (sobretudo as de ideologia marxista), com os seus mártires, os seus guias, as suas bíblias, os seus líderes (vivos), os seus homens exemplares (mortos), se empenhem constantemente em criar nos seus adeptos e nas pessoas em geral uma mentalidade de tipo religioso, um respeito devoto pela autoridade dos seus chefes, uma crença absoluta na infalibilidade das suas previsões, na inexorabilidade da realização dos seus programas; que tendo como objectivo a conquista do poder, utilizem a carne morta como mais um meio de propaganda política.

O que já nos poderia espantar é que alguns indivíduos, anarquistas ou anarco-sindicalistas, que deveriam ser por temperamento e convicção, avessos a tais manobras, tenham alinhado com essas comemorações. Na nossa opinião, a única explicação desta atitude é alguns anarquistas acharem útil a participação no movimento anti-fascista, cujo objectivo é defender a democracia e as «liberdades constitucionais», isto é, manter a actual sociedade de exploração.

Ora, para nós a democracia não é essencialmente diferente do fascismo, dado que é apenas uma outra maneira, normalmente mais eficaz, de manter a opressão e o privilégio sociais.  A democracia, ao substituir o fascismo, tem, ao fim e ao cabo, assegurado que a pirâmide social, com a sal hierarquia do topo até à base, se mantenha no essencial, para além de uma ou outra convulsão mais profunda não prevista pelos democratas. Outra coisa não tem vindo a significar a institucionalização da democracia, a legislação das liberdades, a politização (partidarização) das mentalidades desde o 25 de Abril. Que resta do entusiasmo inicial, das liberdades reais adquiridas nos meses seguintes ao 25 de Abril, da apropriação bem real que nessa altura fizeram muitas pessoas dos meios que lhes faltavam para a realização dos seus desejos, para a satisfação das suas necessidades? Nada, a não ser apertar cada vez mais o cinto e defender a Constituição e as «liberdades» democráticas.

Se queremos de facto ser livres não podemos cair no engodo de defender a democracia, apresente-se ela com os rótulos que quiser: representativa, popular ou qualquer outro. A liberdade é incompatível com qualquer forma de organização hierárquica dos indivíduos, portanto incompatível com a democracia”.

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Presos anarquistas no Tarrafal. Da esquerda para a direita na 1ª fila sentados: José Ramos, Bernardo Casaleiro Pratas; Joaquim Duarte Ferreira e Américo Fernandes. Na 2ª fila em pé: Joaquim Pedro; Custódio Costa; José Ventura Paixão: José Ricardo do Vale; António Gato Pinto e Acácio Tomás de Aquino.

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Às vítimas do Tarrafal, por Acácio Tomás de Aquino

 

Oh excelsa poesia, chama imortal

Que de heróicos prodígios tu tens feito,

Poetisa a dor que sinto no meu peito

Que te darei um poema sem rival!

 

Dá-me de Camões, poeta genial,

A sua vocação, seu alto jeito,

P´ra escrever em verso bem perfeito,

Tudo o que se sofreu no Tarrafal!

 

Desde o baixo e vil roubo à agressão,

Do ódio figadal à vilania,

Do trabalho forçado à castração.

 

Da elevada firmeza à rebeldia

Tudo isso focaria, sem omissão,

Das mais intensas dores, à agonia.

 

Tarrafal, 9 de Setembro de 1943

(in O Segredo das Prisões Atlânticas, Regra do Jogo, 1978)