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Memória Libertária

Documentos e Memórias da História do Movimento Libertário, Anarquista e Anarcosindicalista em Portugal

Documentos e Memórias da História do Movimento Libertário, Anarquista e Anarcosindicalista em Portugal

Memória Libertária

07
Jan23

Jaime Rebelo: "morte de um velho e prestigioso militante", noticiava a "Voz Anarquista" em Janeiro de 1975


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A 7 de Janeiro de 1975, poucos meses depois do 25 de Abril de 1974, morria Jaime Rebelo, velho lutador anarquista, evocado no poema do Homem da Boca Cerrada, de Jaime Cortesão.

Nesse mesmo mês saía o primeiro número do jornal Voz Anarquista, com Francisco Quintal como director e sede em Almada, que noticiou deste modo a morte do velho militante, combatente pelos ideais anarquistas quer em Portugal, no seio da CGT anarcosindicalista, quer em Espanha, ao lado da CNT no decurso da Guerra Civil e da Revolução Espanholas:

"O nosso regozijo pela saída de «Voz Anarquista», mais um jornal acrata que, neste mundo capitalista e autoritário, vem propagar a Ideia generosa e bela, e lutra pela sua vitória, entre as massas guiadas por tantos maus pastores, acaba de ser ensombrado pela morte do nosso amigo e camarada Jaime Rebelo. Lutador pelo Ideal libertário e militante da antiga e gloriosa Confederação Geral do Trabalho, desde muito novo, a vida deste nosso já saudoso companheiro caracterizou-se sempre por um grande espírito de actividade e combatividade, dentrso de uma atmosfera de bom senso, de rectidão, sempre atento à honestidade de processos na luta, à coerência com as afirmações feitas. Natural de Setúbal fez parte de uma familia de pescadores, mestres de traineiras, que se não limitarem à vida profissional apenas animados pelo espírito de lucro. Os Rebelos fioram animadores portentosos da causa de deefsa do proletariado setubalense, juntamente com uma pleiade de trabalhadores, de terra e do mar, que deram à cidade de Setúbal a fama tradicional de cidade revolucionária, até ser conhecida pela Barcelona portuguesa. Através desta propícia atmosfera de são revolucionarismo e em variados actos de vida sindical e de um jornalismo local que se caracterizou pelo seu espírito libertário, nasceu a possibilidade, única no plano local, da criação em Setúbal da Casa dos Pescadores, organismo multiforme que não se limitou a ser um órgão de reivindicações de classe, mas veio a ser uma Central Sindical, aberta a todos os trabalhadores e, pelo sucesso criado, visitada por personalidades cultas, não só do País, mas de fora. A Casa dos Pescadores era exemplo de associativismo, era centro de numerosas reivindicações, e era escola e era museu. Jaime Rebelo dedicou-se desde sempre a esta memorável instituição, ali se formando o melhor que um homem culto pode adquirir: uma cultura humanista, uma consciência de vida social, libertadora da individualidade própria.

Veio, porém, o momento que a todos os lados chegou, em que toda esta obra digna de todos os aplausos, sossobrou, varrida pelo vendaval da Ditadura iniciada em 28 de Maio de 1926 e que veio a durar meio século. Os bandidos da ditadura Salazarista prenderam, assassinaram, deportaram os melhores elementos e a Casa dos Pescadores fechada e o seu edoficio vendido por pequena quantia a um oficial da armada, que era capitão do porto, até que após o 25 de Abril voltou à posse dos trabalhadores.

Jaime Rebelo ultrapassou o meio local em que era militante acatado pro todos, e a sua acção estendeu-se, no seio da C.G.T., a todo o país, e, mais trade, a Espanha, durante a Guerra Civil, onde praticou actos de indiscutível valor. Além das prisões protuguesas e da deportação, Jaime Rebelo veio, na hora da derrotam a conhecer is campos de concentração de refugiados em França, em companhia da sua companheira espanhola Eloise Gutierres, com quem veio mais tarde a unir-se, falecida já sua legítima esposa Miquelina.

Este nosso inesquecível companheiro, nascido em Setúbal, em 22-12-1900, faleceu em Lisboa na madrugada do dia 7 de Janeiro de 1975. O funeral realizou-se em Setúbal, no dia 8, e constituiu uma manifetsação de pesar digna da sua personalidade inconfundível, Era filho de Gonçalo Rebelo e de Leopoldina Amélia.

Revisor do jornal «República», desde 1 de Março de 1968 e ultimamente do nosso colega «A Batalha», tornou-se sempre digno, como é próprio dos autênticos libertários, do apreço de quantos com ele trabalharam."

Relacionado: https://memorialibertaria.blogs.sapo.pt/jaime-rebelo-o-anarquista-da-boca-13020

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21
Out21

Jaime Rebelo, o anarquista da boca cerrada


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A 22 de Dezembro de 1900 nascia em Setúbal o anarcosindicalista e resistente antifascista Jaime Rebelo. Pescador e marítimo de profissão, ainda jovem aderiu à Confederação Geral do Trabalho (CGT), da qual foi um dos principais responsáveis em Setúbal. Viveu a maior parte da sua vida em Cacilhas. Como militante anarco-sindicalista foi um dos animadores, com Francisco Rodrigues Franco, da Associação de Classe dos Trabalhadores do Mar de Setúbal, mais conhecida por  “Casa dos Pescadores”, que foi encerrada na sequência do golpe de Estado de 28 de Maio de 1926 e da qual conseguiu salvar documentação importante.

Em 1931, em consequência da chamada “Greve dos 92 dias” , foi preso e torturado pela PIDE. Durante os interrogatórios, cortou a língua para evitar falar e denunciar os companheiros. Há duas versões: uma, com os próprios dentes; outra, entre dois interrogatórios, com uma lâmina que trazia escondida no tacão dos sapatos. Sabendo deste facto, o escritor Jaime Cortesão dedica-lhe um dos seus poemas mais belos (ver mais abaixo) – o Romance do Homem da Boca Cerrada. Este poema circula clandestinamente durante toda a ditadura salazarista e foi publicado em 1937 no jornal comunista “Avante”, que procurava, nessa altura, forçar uma política de Frente Popular.

Uma vez em liberdade e vitima de perseguições constantes emigrou para Espanha. Ali filiou-se na CNT anarcosindicalista e durante a Revolução Espanhola fez parte das milícias confederais e comandou uma unidade que combateu na frente meridional. Com o triunfo fascista em Espanha, foi para França, voltando depois a Portugal onde continuou a lutar contra a ditadura do Estado Novo, ganhando a vida a partir de 1968 como revisor do jornal “A República”, ao lado do também anarquista Francisco Quintal.

Depois do 25 de Abril presidiu à primeira Assembleia Geral da restituída “Casa dos Pescadores” e participou na constituição da Cooperativa Editora de “A Batalha”, antigo jornal diário da CGT. Membro activo do Movimento Libertário Português (MLP) participou na criação do jornal “A Voz Anarquista”, editado pelo Centro de Cultura Libertária de Almada. Jaime Rebelo morreu a 7 de Janeiro de 1975. O historiador César de Oliveira dedicou-lhe um estudo “Jaime Rebelo: um homem para além do tempo”, publicado em Março de 1995 na revista História. No bairro de São Julião, em Setúbal, há uma avenida com o seu nome.

 Romance do Homem da Boca Cerrada

– Quem é esse homem sombrio
Duro rosto, claro olhar,
Que cerra os dentes e a boca
Como quem não quer falar?
– Esse é o Jaime Rebelo,
Pescador, homem do mar,
Se quisesse abrir a boca,
Tinha muito que contar.

Ora ouvireis, camaradas,
Uma história de pasmar.

Passava já de ano e dia
E outro vinha de passar,
E o Rebelo não cansava
De dar guerra ao Salazar.
De dia tinha o mar alto,
De noite, luta bravia,
Pois só ama a Liberdade,
Quem dá guerra à tirania.
Passava já de ano e dia…
Mas um dia, por traição,
Caiu nas mãos dos esbirros
E foi levado à prisão.

Algemas de aço nos pulsos,
Vá de insultos ao entrar,
Palavra puxa palavra,
Começaram de falar
– Quanto sabes, seja a bem,
Seja a mal, hás de contá-lo,
– Não sou traidor, nem perjuro;
Sou homem de fé: não falo!
– Fala: ou terás o degredo,
Ou morte a fio de espada.
– Mais vale morrer com honra,
Do que vida deshonrada!

– A ver se falas ou não,
Quando posto na tortura.
– Que importam duros tormentos,
Quando a vontade é mais dura?!

Geme o peso atado ao potro
Já tinha o corpo a sangrar,
Já tinha os membros torcidos
E os tormentos a apertar,
Então o Jaime Rebelo,
Louco de dor, a arquejar,
Juntou as últimas forças
Para não ter que falar.
– Antes que fale emudeça! –
Pôs-se a gritar com voz rouca,
E, cerce, duma dentada,
Cortou a língua na boca.

A turba vil dos esbirros
Ficou na frente, assombrada,
Já da boca não saia
Mais que espuma ensanguentada!

Salazar, cuidas que o Povo
Te suporta, quando cala?
Ninguém te condena mais
Que aquela boca sem fala!

Fantasma da sua dor,
Ainda hoje custa a vê-lo;
A angústia daquelas horas
Não deixa o Jaime Rebelo.
Pescador que se fez homem
Ao vento livre do Mar,
Traz sempre aquela visão
Na sombra dura do olhar,
Sempre de boca apertada,
Como quem não quer falar.

Jaime Cortesão

aqui: https://colectivolibertarioevora.wordpress.com/2012/12/18/memoria-libertaria-jaime-rebelo/