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Memória Libertária

Documentos e Memórias da História do Movimento Libertário, Anarquista e Anarcosindicalista em Portugal

Documentos e Memórias da História do Movimento Libertário, Anarquista e Anarcosindicalista em Portugal

Memória Libertária

28
Out22

Carta/comunicado de José Correia Pires e José Rodrigues Reboredo aos seus camaradas da OLP, ao deixarem o Tarrafal em 1945 , sobre a unidade entre os anarquistas


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Ficha prisional de José Correia Pires 

https://digitarq.arquivos.pt/viewer?id=4285647

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José Correia Pires foi libertado do Tarrafal 8 anos depois de ali ter chegado, sem julgamento. Em fevereiro de 1945, quando as autoridades carcerárias o informaram de que ia ser libertado em breve, com o seu também companheiro libertário José Rodrigues Reboredo (que esteve cerca de 3,5 anos no Tarrafal depois de uma vida de exilio, que o levou a Espanha e a França, onde conheceu os campos de concentração do fascismo), decidiram escrever uma carta de despedida aos seus companheiros da Organização Libertária do Campo do Tarrafal.

Nesta carta, que faz parte do espólio deixado pelo também libertário e tarrafalista António Gato Pinto, Correia Pires e Rodrigues Reboredo apelam à unidade de "sindicalistas, anarco-sindicalistas e anarquistas" para preservarem intacta a CGT, fundamental para "o triunfo dos sublimes ideais de emancipação humana por que lutamos", e  impedindo que ela e "A Batalha"  fossem "tomadas" pelos comunistas que, na altura, depois da reorganização partidária de 1940/41 e do fim da II Guerra Mundial gozavam de prestígio e apoio. Para os autores da missiva "separados os sindicalistas dos anarquistas ou os anarquistas dos sindicalistas, o nosso Movimento será absorvido pelos comunistas, pois todas as suas propostas de unidade e colaboração, por mais amigos e sinceros que se mostrem, não visam mais que um fim: o desaparecimento do nosso Movimento, para os comunistas estabelecerem o seu predomínio."

Para isso é fundamental a união e o companheirismo entre os libertários, mesmo que com opiniões diversas, uma vez que "desde (há) longos anos que combatemos juntos pela mesma causa, desde há muito tempo que o nosso sangue se verte na rua em conjunto, nas barricadas e em todos os locais de luta, morrendo lado a lado, varados pelas mesmas balas assassinas das hostes mercenárias da Burguesia ou abatidos traiçoeiramente pelas febres e outras doenças do clima tropical e doentio das regiões inóspitas da África, de Timor ou do maldito Tarrafal, mil vezes maldito pelas vítimas produzidas entre os nossos camaradas" referem os dois anarquistas no momento de deixarem o Tarrafal.

É essa carta/comunicado que a seguir se publica no dia em se assinalam os 46 anos da morte de José Correia Pires.

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(1945), "A todos os componentes da Organização Libertária do Campo do Tarrafal", Fundação Mário Soares / António Gato Pinto, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_160528 .  Cópia manuscrita de comunicado de José Rodrigues Reboredo e de José Correia Pires aos membros da Organização Libertária do Campo do Tarrafal, no momento da sua saída do campo. Fevereiro de 1945. 3 páginas.

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A todos os componentes da organização Libertária do Campo do Tarrafal

Prezados camaradas:

É costume  corrente quando mudamos de localidade ou de país, despedirmo-nos dos nossos parentes, dos nossos amigos e todas as pessoas, enfim a quem nos sentimos ligados por laços de família, de amizade ou de companheirismo.

Ora, se é certo que há costumes que tendem a desaparecer por erróneos ou caricatos, o dever de cortesia, é crença nossa, perdurará pelas idades fora, porque tem um fundo humano, constitui uma prova dos instintos de sociabilidade do homem e, por consequência, corresponde  a uma necessidade social.

Sendo assim, nós, ao deixarmos o Tarrafal faltaríamos a um dos mais elementares preceitos de civilidade, se não cumpríssemos o dever de nos despedirmos de todo os camaradas que compõem a nossa organização, aqui no campo.

É esse, pois, o motivo porque resolvemos dirigir-vos as presentes linhas como motivo da nossa despedida.

Certamente que poderíamos cumprir este dever indo pessoalmente junto de cada camarada.

Mas todos vós sabeis o que se passa aqui, no campo, quando estamos para sairmos. Em primeiro lugar não sabemos o dia nem a hora a que somos chamados e, quando nos chamam, não nos permitem mais falas com quer que seja. Em segundo lugar, uma despedida antecipada, não só perde o seu verdadeiro significado, como arrisca-nos a cair no rídiculo se a nossa saída se não realizar por qualquer motivo imprevisto.

Ponderadas, pois, todas estas circunstâncias optámos, antes, por dirigir-vos algumas linhas por escrito, como afirmação do nosso sincero espírito de solidariedade para com todos vós, linhas em que sintetizamos alguns pontos do nosso pensamento, neste momento de separação das nossas pessoas.

Ao deixarmos este maldito Tarrafal, mil vezes maldito pelos imensos sofrimentos nele padecidos por todos os nossos camaradas, alguns dos quais aqui encontraram a negra morte – camaradas para os quais vai, neste instante da nossa partida, a nossa mais comovida homenagem -, nós queremos que vós nitidamente saibais que, não obstante a diferença de critérios, talvez, entre nós existentes quanto a alguns problemas da nossa organização, não obstante, porventura, (d)a diferença de ideias que entre nós possa haver quanto à solução do problema social e humano, nós partimos deste campo mantendo para convosco a máxima estima e consideração, sentindo-nos ligados pelos laços da mais fraternal camaradagem, estabelecida e mantida sobre a égide da C.G.T. e da Organização Específica, Organismos, certamente, que todos nós desejamos ver fortes e engrandecidos, com uma extensão cada vez maior e mais rica em resultados concernentes ao triunfo dos sublimes ideais de emancipação humana por que lutamos.

Falamos assim porque estamos absolutamente convencidos de que todos desejamos atingir o mesmo fim: realizarmos a transformação social e estabelecermos um sistema de vida que assegure à classe trabalhadora, a todos os homens, a garantia dos direitos que lhe são devidos por direito próprio e condição natural.

Porque pensamos desta forma, entendemos que era nosso dever neste momento de separação (decerto breve) dar-vos conta da nossa incondicional solidariedade hoje, e amanhã, lá fora, em qualquer parte [em] que nos encontremos, dentro dos organismos acima indicados.

Podeis estar certos que encontrareis sempre em nós o melhor dos desejos, a maior boa vontade e o máximo interesse de contribuir, tanto quanto possível, para a união da família Libertária. Entendemos sempre e continuamos a manter o mesmo critério de que todas as opiniões são respeitáveis, todos os juízos devem ser tomados em consideração e todas as ideias devem ser ouvidas dentro das nossas organizações.

O que é necessário é que respeitando-se precisamente este princípio, cada um respeite a opinião dos demais e haja a maior elevação possível na exposição das ideias e conceitos, buscando-se uma solução conciliadora, sempre que surjam critérios diferentes acerca dos problemas em causa.

Dentro desta orientação, possivelmente, (que) chegaremos em todas as ocasiões a um bom e franco entendimento e observar-se-á a harmonia e a confiança necessárias para continuarmos a lutar juntos contra o inimigo comum.

Permiti-nos, camaradas, dizer-vos com toda a sinceridade: qualquer rompimento entre nós representaria um perigo gravíssimo para o nosso Movimento. Seria a destruição de todo o labor realizado com tanto sacrifício, através de longos anos dos nossos camaradas, seria a perda de milhares de esforços que foi necessário despender para levar a cabo a nossa organização.

A desunião entre nós não pode produzir mais que o enfraquecimento imediato da nossa querida C.G.T., ocasionando que, no futuro, essa seja tomada pelos nossos adversários.

Haja em vista, camaradas, o que se passou em França com o Movimento Operário que, fracionando-se, tinha três C.G.T.!

Sindicalistas neutros, anarco-sindicalistas e anarquistas, todos unidos e lutando dentro de uma só C.G.T., representam uma força poderosa no nosso país – a única que pode garantir confiança às massas -, podem fazer-se respeitar pelas outras correntes, impedindo que estas se apoderem da C.G.T., e podem vantajosamente sustentar a luta contra a burguesia.

Separados os sindicalistas dos anarquistas ou os anarquistas dos sindicalistas, o nosso Movimento será absorvido pelos comunistas, pois todas as suas propostas de unidade e colaboração, por mais amigos e sinceros que se mostrem, não visam mais que um fim: o desaparecimento do nosso Movimento, para os comunistas estabelecerem o seu predomínio.

É este, camaradas, o panorama que se oferece neste momento à nossa Organização Confederal.

Através desta simples anunciação se pode ver o enormíssimo perigo que representa uma rutura no nosso Movimento – o Movimento Libertário –, ou seja dentro da C.G.T., mal já agravado com a criação da célebre Comissão Inter-sindical e outras dissenções anteriores.

Em face de tudo isto, camaradas, afigura-se-nos que devemos congregar todos os esforços para que esse perigo desapareça. É preciso conjugarmos todas as nossas energias para que os nossos adversários não possam amanhã apoderar-se da C.G.T. e do nosso jornal “A Batalha”, valendo-se da nossa desunião. Alerta, camaradas. Alerta, que o adversário é activo, tenaz e inteligente. Não é de estranhar que ele busque os meios para estabelecer um choque entre nós. Dividir para reinar! Eis a máxima de todos que pretendem vencer para estabelecerem o seu reinado.

Pensemos, pois, seriamente na responsabilidade que pesa sobre os nossos ombros, se contribuíssemos, porventura, para uma cisão entre nós.

Desde longos anos que combatemos juntos pela mesma causa, desde há muito tempo que o nosso sangue se verte na rua em conjunto, nas barricadas e em todos os locais de luta, morrendo lado a lado, varados pelas mesmas balas assassinas das hostes mercenárias da Burguesia ou abatidos traiçoeiramente pelas febres e outras doenças do clima tropical e doentio das regiões inóspitas da África, de Timor ou do maldito Tarrafal, mil vezes maldito pelas vítimas produzidas entre os nossos camaradas.

Pois bem! Evitemos romper essa união consagrada por tantos anos de luta em conjunto, essa união cimentada sobre tantas dores e tanto sangue vertido! Continuemos irmanados e identifiquemos mais, se é possível, ainda os nossos propósitos de união. Dentro da C.G.T. há lugar para todos desenvolverem a sua actividade e darem expansão ao seu saber e à sua capacidade construtiva e revolucionária. Que é necessário dar mais amplitude à C.G.T.  para que ela possa estar à altura das circunstâncias? Nisso estamos todos de acordo. Unamo-nos, pois, para que isso se faça, para que a C.G.T. viva e se torne cada vez maior, realizando a missão histórica que lhe cabe na obra de transformação económica-social da classe trabalhadora no nosso país. É este o nosso pensamento, neste momento, camaradas. E fiéis a ele, partimos de aqui absolutamente convictos de que amanhã, dentro da C.G.T., não surgirão quaisquer motivos que nos possam separar, tanto na luta pela realização dos nossos ideais, como na luta contra o sistema capitalista.

Partimos de aqui desejosos de contribuir o mais possível para a nossa união. Não alimentamos quaisquer ressentimentos que, porventura, possam impedir a mais estreita e leal colaboração entre todos nós em relação aos futuros trabalhos dentro do nosso Movimento.

São estes, camaradas, os propósitos que nos animam ao sairmos de aqui e que vos fazer conhecer neste momento da nossa despedida do Tarrafal. Recebei, camaradas, as nossas mais fraternais saudações, vossos e da causa, Tarrafal Fevereiro 1945

a) José R. R. e J. C P

(Actualizados vocabulário e pontuação do texto)

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Ficha prisional de José Rodrigues Reboredo

https://digitarq.arquivos.pt/viewer?id=4293448

 

25
Out22

(1979) Um comunicado anarquista a propósito do assassinato pela GNR de dois trabalhadores agrícolas em Montemor-o-Novo


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No dia 27 de setembro de 1979,  dois trabalhadores agrícolas, Casquinha, de 17 anos, e "Caravela",  de 57 anos, foram mortos pela GNR durante a entrega de uma reserva que fora retirada à Cooperativa Bento Gonçalves, na Herdade Vale do Nobre, no Escoural, Montemor-o-Novo. De todos os quadrantes situados à esquerda o crime da GNR foi alvo de crítica e de denúncia.

Os anarquistas também juntaram a sua voz aos protestos e a revista "Acção Directa" publicou na sua edição nº 15, de novembro de 1979, um comunicado assinado por "um grupo de anarquistas" exortando os trabalhadores alentejanos a organizarem-se e a passarem à ofensiva, através da violência revolucionária, não se deixando anestesiar pelo discuros das cúpulas partidárias e sindicais.

04
Jan22

MORTOS NO TARRAFAL: COMUNICADO DA CGT E DA FARP (1938)


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Este documento é um “Manifesto” datilografado com carimbo da Confederação do Trabalho de Portugal (CGT) e da Federação Anarquista da Região Portuguesa (FARP), intitulado: “Quadro Negro do Campo de Concentração de Cabo Verde / A Semana Trágica / A lista Macabra dos Mortos que Reclamam Vingança”. O manifesto refere os nomes, profissões, localidade, idade dos prisioneiros – comunistas, socialistas e libertários – detidos e falecidos sem assistência médica, na Colónia Penal, permitida pelo capitão Manuel Martins dos Reis, apodado de «tarado», e do médico assistente Esmeraldo Prata, alcunhado «o chacal», entre 20/9/1937 e 29/10/1937. Este documento destaca os primeiros 7 mortos no  Campo do Tarrafal. No total, até 1954, passaram pelo Campo 340 presos políticos portugueses, dos quais 32 morreram ali. (através de Fernando Mariano Cardeira )

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“QUADRO NEGRO DO CAMPO DE CONCENTRAÇÃO DE CABO VERDE

A SEMANA TRÁGICA

A LISTA MACABRA DOS MORTOS QUE RECLAMAM VINGANÇA

1º – Pedro Matos Felipe, descarregador de Almada, 32 anos de idade, falecido em 20/9/37 (Libertário);

2º – Francisco José Pereira, marinheiro de Lisboa, 29 anos, falecido em 20/9/37 (Comunista);

3º Augusto Costa, vidreiro da Marinha Grande, 36 anos, falecido em 22/9/37 (Comunista);

4º – Francisco Domingos Quintas, cortador de Gaia, 48 anos de idade, falecido em 22/9/37 (Socialista);

5º – Rafael Tobias da Silva, relojoeiro de Lisboa, 27 anos, falecido em 22/9/37 (Comunista);

6º – Cândido Alves Barjas, marinheiro de Castro Verde, 27 anos, falecido em 24/9/37 (Comunista)

7º – Augusto Belchior, polidor de mármore do Porto, de 40 anos, falecido em 29/10/37 (Libertário)

Os primeiros seis camaradas faleceram, como se vê, de 20 a 24 de Setembro de 1937, e foram vítimas do criminoso abandono dos dirigentes da Colónia Penal, o ditador capitão Manuel Martins dos Reis, e o médico assistente Esmeraldo Prata.

ESTIVERAM MAIS DUM MÊS SEM ASSISTÊNCIA MÉDICA E SEM UM ÚNICO MEDICAMENTO, pois nem sequer havia um comprimido de quinino no acampamento.

Perto de duzentos homens estiveram à mercê do tempo durante a estação mais doentia de África (Agosto a Outubro). Exceptuando dois, foram todos atacados com febres de 40 a 41 graus, sendo simplesmente tratados a água, morrendo os 7 acima mencionados. O primeiro duma diarreia de sangue, sem tratamento, e os restantes quási todos da terrível perniciosa.

Está satisfeito o ódio dos carrascos desses presos indefesos, mas só em parte, porque o seu desejo era vê-los todos mortos.

É esta a bondade da civilização cristã tão enaltecida pela imprensa portuguesa e pelo doce Patriarca em todas as suas perlengas aos homens de boa vontade da grei, como o tardado Manuel Martins dos Reis e o chacal Esmeraldo Prata!

Estes santos acham, porém, tudo isto pouco, e por isso ainda querem implantar entre nós a odiosa pena capital.

PROLETARIADO PORTUGUÊS! É necessário pôr-se imediatamente um fim a estas atrocidades. Exigi sem demora a libertação dos presos, que se encontram em Cabo Verde e em todos os presídios do nosso país e colónias!

A C.G.T. e a F.A.R.P.”

Aqui: https://digitarq.arquivos.pt/viewer?id=3889674