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Memória Libertária

Documentos e Memórias da História do Movimento Libertário, Anarquista e Anarcosindicalista em Portugal

Documentos e Memórias da História do Movimento Libertário, Anarquista e Anarcosindicalista em Portugal

Memória Libertária

23
Fev23

"A Batalha": de diário sindicalista revolucionário à clandestinidade e, depois, à transformação em jornal de "expressão anarquista"


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A 23 de fevereiro de 1919 era publicado o 1º numero do jornal sindicalista revolucionário "A Batalha", tornando-se posteriormente o orgão da CGT, anarcosindicalista, publicando-se diariamente. Sofreu sucessivas proibições e uma forte repressão que levou ao seu encerramento em 26 de maio de 1927, depois da destruição das suas instalações.
Reapareceu em 1930, como semanário, sendo suspenso, proibido pelo governo, ao fim de 13 números.
Começou depois a publicar-se de forma clandestina até Dezembro de 1949.
Reaparece depois do 25 de Abril de 1974 (em Setembro desse ano) pela mão de um conjunto de antigos e novos militantes libertários, tendo Emidio Santana como director.
O investigador do movimento anarquista João Freire traçava assim, na revista A Ideia (outono de 2019) o percuso deste "jornal centenário & com muita história":
"(...) O movimento operário de então fugia dos partidos, dos caudilhos, das eleições e dos debates parlamentares “como o diabo da cruz”. O partido socialista de Fontana e de Antero não lograra enquadrar os operários e os assalariados do campo naquele modelo de social-democracia que vingara na Alemanha, na Grã-Bretanha ou na Bélgica, entre outros países mais adiantados. O “bolchevismo” ainda estava para nascer entre nós. E a República logo desiludira as massas laboriosas com o seu “decreto burla” igualando liberalmente a greve e o lock-out, com o espingardeamento dos conserveiros de Setúbal e a desatenção às reivindicações dos trabalhadores rurais alentejanos.
Para os militantes da causa operária, além da multiplicidade de órgãos de imprensa sindicais e de grupos anarquistas ou das actividades realizadas nas (ou a partir das) suas sedes, urgia a criação de um grande veículo informativo e propagandístico das suas insatisfações, realizações e objectivos. Já o haviam tentado em 1908 com o diário A Greve, mas que muito pouco durara. Após a queda da Monarquia, o tipógrafo Alexandre Vieira conseguira pôr de pé o semanário O Sindicalista, que se aguentou razoavelmente bem, apesar das perseguições a que foi sujeito, sobretudo a partir de 1913 com o governo de Afonso Costa.
Os anos da guerra foram difíceis para o movimento sindical mas, fazendo das fraquezas forças, foi a partir daí que a acção colectiva dos trabalhadores se reacendeu, as organizações se multiplicaram, os efectivos aderentes incharam e as perspectivas de uma nova época – de Revolução Social – insuflaram de ânimo muitos activistas, também embalados pelo exemplo vindo da Rússia, que aqui ia chegando.
Foi num momento único e particularmente convergente de vontades e ideias que, a 23 de Fevereiro de 1919, saiu à rua o primeiro número de 'A Batalha', subtitulado de «diário da manhã, porta-voz da organização operária portuguesa», sob a chefia redactorial do mesmo Alexandre Vieira e referido como «diário de grande tiragem e expansão».

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Jornal A Batalha, cabeçalho desenhado por Perfeito de Carvalho.

Ocorre lembrar que o desenho gráfico do cabeçalho de A Batalha foi desenhado pelo tipógrafo Francisco Perfeito de Carvalho, um patusco estroina que (segundo contam seus contemporâneos) tendo sido designado pela CGT para ir representá-la a um congresso da Internacional Sindical Vermelha, em Moscovo, gastou boa parte do dinheiro então recebido… em Paris! E quando no Congresso Operário de 1922, na Covilhã, deu conta
dessa missão mas os delegados o pressionavam para que apresentasse o devido relatório, em papel, ele terá respondido/perguntado se queriam que o escrevesse… em verso!?
Até Maio de 1927, produzir diariamente um jornal de 4 a 8 páginas em grande formato, com base no voluntariado de quase toda a redacção, de uma parte do quadro de compositores tipográficos e da integralidade dos seus correspondentes e difusores da província, foi uma obra homérica, pode dizer-se. Chegou a afirmar-se que A Batalha atingira o terceiro posto nacional em termos de tiragem, atrás d’ O Século e do Diário de Notícias. É duvidoso que assim tenha sido, à luz do que investigou Jacinto Baptista para o seu inesquecível livro 'Surgindo vem ao longe a nova aurora…' (Bertrand, 1977) e das memórias deixadas por Manuel Joaquim de Sousa em 'Últimos Tempos de Acção Sindical Livre e do Anarquismo Militante' (Antígona, 1989). Mas, em qualquer caso, foi sempre de vários milhares – talvez dez mil, em média, quando o habitual para os “semanários de ideias” era de uns três mil – o número de exemplares postos diariamente em circulação. E nenhum outro dos seus confrades da imprensa sofreu tão largas perseguições do poder político como A Batalha, através de suspensões administrativas e de outras manobras de intromissão governamental na liberdade de opinião republicana!...
A partir de 1923, o descanso semanal dos tipógrafos ao domingo era aproveitado para que, às segundas-feiras, saísse um «Suplemento Literário e Ilustrado», composto ao longo da semana precedente e – como as edições normais – impresso em casa comercial alheia situada na Rua da Atalaia, no mesmo bairro da Calçada do Combro onde (no imponente palácio dos condes de Castro Marim e Olhão, dito do Correio Geral, que foi tomado de aluguer) funcionava a redacção do jornal e uma parte significativa dos organismos sindicalistas então existentes na capital. Mas, para se ter uma ideia do espírito militante reinante, bastará dizer que um jornalista profissional como Pinto Quartim e que ali colaborava activamente nas horas de folga, escrevia directamente os seus artigos ao componedor, o aparelho manual onde então se fazia a composição tipográfica a chumbo, na ausência das modernas e semi-automáticas máquinas “Linotype”.
Diga-se, num parêntesis, que questões laborais deste tipo – porém, dentro das conflituosas relações entre patrões e assalariados – foram as que originaram em 1927 uma cena cómica e tumultuosa entre o conceituado tipógrafo Alexandre Vieira e o cultivado dr. Fidelino de Figueiredo, então director da Biblioteca Nacional, sita ao Chiado. A uma ofensa verbal deste último, respondeu o primeiro com dois murros, levando uma chapada de resposta que lhe despejou os óculos e feriu no nariz, tudo terminando com o balanceamento do tinteiro de bronze pousado na secretária à cabeça do chefe e a chegada em força do pessoal de segurança da instituição!
Mas continuemos. O sucesso editorial do diário foi tão grande que, em breve, a sua actividade se alargou à publicação de alguns livros e brochuras (por exemplo, a colecção A Novela Vermelha) e, em 1925, à edição quinzenal de uma boa revista-magazine, intitulada Renovação. Tanto este último título como o «Suplemento» podem hoje ser visitados on line (no site http://ric.slhi.pt/)
Com isto, a editorial d’A Batalha angariou a participação graciosa de várias boas plumas, artistas gráficos e intelectuais, já que ali o único colaborador remunerado era o director, por desempenhar a função em exclusividade, e que, por prurido anti-autoritário, era apenas chamado de redactor-principal. Mas personalidades significativas do meio cultural da época como Ferreira de Castro, Assis Esperança, Eduardo Frias, Sá Pereira, Nogueira de Brito, Bento Faria, Manuel Ribeiro, Carvalhão Duarte, Francine Benoit, Rocha Martins, Arnaldo Brazão, Tomás da Fonseca, Cristiano Lima, Jaime Brasil, Julião Quintinha, Ladislau Batalha, Mário Domingues, Adelaide Cabette, Adolfo Lima, Vitorino Nemésio, Roberto Nobre ou Stuart Carvalhaes deixaram o seu nome ali gravado, contribuindo para a qualidade e reputação destas produções. 
Como todas as obras colectivas do labor humano, nem tudo foi sempre isento de querelas e conflitos intestinos. Críticas pessoais e políticas subiram por vezes até às páginas do jornal. O confronto ideológico entre anarquistas e comunistas tornou-se estrutural. E, frequentemente, houve atritos e dificuldades entre a redacção do diário e os órgãos de topo da Confederação Geral do Trabalho, de que era o “órgão oficial” na imprensa.
Já sob a Ditadura Militar e na sequência do levantamento armado de Fevereiro de 1927, a polícia política (e parece que também energúmenos seus adjuntos) desembarca em força na redacção do jornal num dia de maio seguinte, prende quem lá está e destrói mobiliário e material tipográfico. O jornal é suspenso sine die e, legalmente, só reaparecerá fugazmente em 1930 como semanário e já sem a referência da sua ligação à CGT. Mas o militantismo anarco-sindicalista sempre se empenhou em prosseguir a sua publicação, de modo clandestino. Assim aconteceu em séries sucessivas em 1934, em 1935-37 e em 1947-49. E foram várias as tipografias secretas que funcionaram para o imprimir (no Pote d’Água, na Ramada, na Rua Carvalho Araújo, na Damasceno Monteiro, numa furna de Monsanto, etc.), sempre com camaradas tipógrafos a arriscarem a sua liberdade para que fosse feito, chegando a sua inventiva à construção de prelos em madeira (para o ruído não alertar a vizinhança) e ao requinte técnico de terem conseguido uma impressão a duas cores, naturalmente o preto e o vermelho.
Após o 25 de Abril de 1974, Emídio Santana, que já fora seu responsável nos anos 30, assume claramente a iniciativa da sua republicação legal e regular, que tem prosseguido até hoje (vai no nº 283 desta VI série, creio), embora com periodicidades oscilando entre o quinzenal e o trimestral, e tiragens modestas, semelhantes às de outros jornais de pequenas minorias políticas. Inicialmente assumiu-se formalmente, no frontispício, como «Jornal sindicalista revolucionário», que em Agosto de 1975 alterou para “Jornal anarco-sindicalista”, uma designação que deixou de ostentar em Agosto de 1983, mas sempre mantendo até hoje a menção de «Antigo órgão da CGT». Em Fevereiro de 1989, na retoma de publicação depois do falecimento do seu carismático director, passou a ser «Jornal de expressão anarquista».
Apesar da dimensão grupal-associativa que a existência d’A Batalha sempre implicou, vale a pena registar os nomes dos seus sucessivos responsáveis editoriais, cuja importância bem se compreende: Alexandre Vieira, Manuel Joaquim de Sousa, Manuel da Silva Campos, José da Silva Santos Arranha, Mário dos Santos Castelhano, Emídio Santana, José Maria Carvalho Ferreira, Moisés Silva Ramos, Maria Magos Jorge, João Santiago e António da Cruz. " (João Freire, A BATALHA UM JORNAL CENTENÁRIO & COM MUITA HISTÓRIA, A Ideia, Outono de 2019, pgs. 150-154)
 

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Último número de A Batalha clandestina, dezembro de 1949

Na mesma edição da revista A Ideia, é publicado um texto de Emidio Santana com o historial de A Batalha e das várias e sucessivas séries do jornal: 
 
"DA HISTÓRIA D’ A BATALHA, segundo Emídio Santana 
Existe no Arquivo Histórico-Social da BNP (AHS 5500 Ms 1496) um impresso dactilografado não assinado mas que se sabe ser da autoria do então director do jornal A Batalha, Emídio Santana, e com o seguinte título «A vida do jornal sindicalista “A Batalha” na fase de clandestinidade durante o período do salazarismo, 1927-1974». O texto está localizado de Lisboa e tem duas datas (12 e 17 de Setembro de 1980).
Trata-se duma breve síntese da vida do jornal, desde o seu nascimento em 1919 até à data do texto, Setembro de 1980, porventura para ser divulgada junto da imprensa, de agências noticiosas ou em folha autónoma.
Destacam-se nele as violências policiais a que o jornal foi sujeito e as dificuldades impostas por que passou desde os primeiros anos, ainda durante o período republicano, muito agravadas depois, durante o período da ditadura e do autodesignado Estado Novo. Para publicação, normalizou-se a citação do título das publicações referidas no texto, passando-as de redondo para itálico e de caixa alta para caixa baixa,
desfizeram-se alguns parágrafos para melhor agrupar o texto e corrigiram-se alguns erros evidentes (concordâncias, pontuação, falta dalguma palavra) de modo a tornar o texto mais acessível ao leitor de hoje. Um agradecimento é devido a Paulo Guimarães pela descoberta e selecção do documento.
"A Batalha, jornal diário e órgão da Confederação Geral do Trabalho começou a publicar-se em Lisboa a 23 de Fevereiro de 1919, sob a direcção de Alexandre Vieira, e continuou a publicarse diariamente, sem interrupção, apenas com acidentes de apreensão policial ou assaltos da mesma polícia à sua redacção, até ao n.º 2556, de 26 de Maio de 1927, data em que foi interditado pelo governo militar e as suas instalações destruídas pela polícia. Era ao tempo seu director Mário Castelhano e editor Silvino Noronha. No ano da sua suspensão publicaram-se quatro (4) números do Boletim Operário, editados pelo Comité Confederal da CGT.
Para suprir a sua falta e contornando a arbitrariedade do governo iniciou-se no Porto, a 29 de Setembro de 1929, o semanário A Vanguarda Operária, editado pela Delegação Confederal do Norte, embora já numa certa clandestinidade, como órgão dos Trabalhadores Portugueses,
tendo como director Zacarias de Lima e depois José Augusto de Castro, e como Administrador Francisco Ferrão.
Em Setembro de 1930 reaparece A Batalha como semanário, autorizado legalmente, assim identificada: II Série, como órgão da Comissão Interfederal de Defesa dos Trabalhadores, designação pública sob a qual se ocultava a CGT.
Editor: Alberto Dias e Administrador: Domingos Afonso Ribeiro. Redacção na Calçada Castelo Branco Saraiva, nº 42, e impresso na Rua da Atalaia, n.º 114, onde sempre fora impresso quando jornal diário. Começou a publicar-se em 13 de Setembro de 1930 e publicaram-se 13 números,
interrompendo a sua publicação por interdição do governo.
III Série, já clandestina. O n.º 1 tem a data de Abril de 1934 e publicaram-se dois (2) números devido às numerosas prisões na repressão do 18 de Janeiro. Estes números tinham o fim de reconstruir o movimento fortemente atingido pelas prisões que decorreram nesta fase.
IV Série, Ano XVI, 1935. Os números 1, 2 e 3 desta série, relativos a Março, Abril e Junho, foram compostos e impressos numa tipografia montada no subsolo duma cave na Rua Carvalho Araújo, e a máquina era construída parte em madeira e outra parte, a mecânica, em ferro, no processo das máquinas de impressão rotativas. Por precaução a tipografia foi transferida para a Venda Nova, à saída de Benfica. Mas o n.º 4, da mesma série, ano XVII, não saiu numerado e destinava-se a assinalar o 1.º de Maio desse ano, 1936, e foi composto de emergência numa oficina de Campo de Ourique do companheiro Avelino.
IV Série, Ano XVIII, 1937. Os números 5, 6 e 7, correspondentes a Janeiro, Fevereiro e Abril eram impressos a preto. Os números 8, 9, 10 e 11 correspondentes, respectivamente, a Maio, Junho, Julho e Setembro saíram impressos a preto e o cabeçalho ou «en-têtes» a vermelho. Publicava-se com 4 páginas e no formato de 40 X 30 cm. Esta série foi composta e impressa numa furna de Monsanto com entrada pela Rua Feliciano de Sousa, a Alcântara, e acompanhou o período agudo da guerra de Espanha, o período de maior repressão fascista.
V Série, Ano XXIX, 1947. Publicaram-se 10 números até Agosto deste ano. Mesma série, Ano XXX, 1948. Os números 11 e 12 correspondem a Novembro e Dezembro deste ano. Mesma série, Ano XXXI, 1949. Os números 13, 14 e 15 correspondem a Janeiro, Fevereiro e Abril. Mesma série. Ano XXXI, 1949. Publicaram-se os números 16, 17, 18, 19, 20 e 21, respectivamente de Maio, Junho, Julho, Agosto, Novembro e Dezembro deste ano.
Durante a publicação de A Batalha como jornal diário registaram-se várias perseguições, atentados à sua liberdade de publicação e variadas violências registadas numa elementar estatística:
Prisão de toda a redacção, em 1919, 1920 e 1921... 3 vezes
Encerramento da redacção e tipografia, nos mesmos anos...3 vezes
Não se publicou por o seu quadro tipográfico e redactorial se ter solidarizado com greves de protesto... 2 vezes
Submetida ao regime de censura prévia... 7 vezes
Apreensão pela polícia...11 vezes
Atrasos de saída por acção policial... 4 vezes
Assaltos da polícia à redacção... 7 vezes
Suspensa por acção policial... 5 vezes
Buscas à sede... 3 vezes
Processo em tribunal... 2 vezes
Condenação em tribunal... 1 vez
A BATALHA APÓS O 25 DE ABRIL
Em Setembro de 1974, reaparece como quinzenário. Indicada como Ano 1, Quarta Série, n.º 1. Esta série corresponde à VI Série, posteriormente corrigida e [presentemente] no ano VI correspondente a esta fase. Publica-se no formato normal dos jornais. Normalmente a 4 páginas, com o cabeçalho tradicional, a vermelho. É director Emídio Santana e é redigido por um colectivo redactorial de vários componentes. Presentemente está no n.º 65." (Manuscrito de Emídio Santana, A Ideia, Outono de 2019, pgs. 155-158)
 
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Nov22

José António Machado, corticeiro, tipógrafo, jornalista: um percurso exemplar de lutador anarquista por uma sociedade sem exploração nem opressão


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José António Machado (1915-1978), de origem operária, depois tipógrafo e jornalista, foi um dos militantes libertários que permitiram a existência de “A Batalha” clandestina, bem como de outra propaganda anarquista e anarco-sindicalista durante os tempos da ditadura.

Filho de Ana José Camacho Machado e de Artur António Machado, nasceu em 25 de Junho de 1915, no Barreiro. Começou a trabalhar aos 16 anos na indústria corticeira no Barreiro, vindo depois para Lisboa como aprendiz de tipógrafo na Imprensa Nacional.

Autodidacta, dedicou-se ao estudo e difusão do esperanto e dos ideais libertários. Fez parte do grupo anarquista do Barreiro “Terra e Liberdade”, que na altura publicava um jornal com o mesmo nome.

Embora muito jovem e aparentando alguma debilidade física (daí ser conhecido como o  “Machadinho”) integrou a organização anarco-sindicalista do Barreiro e fez parte do comité organizador das Juventudes Libertárias juntamente com Emídio Santana, que seria um dos responsáveis pelo atentado a António de Oliveira Salazar em 1937.

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Em Lisboa frequentou a Casa dos Marinheiros, onde funcionava o Grupo Editorial Argonauta, e trabalhava já na Imprensa Nacional de Lisboa, como aprendiz de tipógrafo,  quando  foi preso pela primeira vez pela PVDE, em 1934 (1933?), acusado de envolvimento na Aliança Libertária de Lisboa e de ter composto e impresso manifestos subversivos (e também os jornais A Batalha, órgão da CGT, proibido desde Maio de 1927, e O Libertário, porta-voz da Federação das Juventudes Libertárias) na tipografia clandestina que mantinha em casa.  Foi julgado e condenado em Tribunal Militar Especial, em 9/5/1934 a “uma pena de 10.800$00 de multa que não sendo paga no prazo legal será convertida em 18 meses de prisão correcional e perda de direitos políticos por 5 anos a partir da data em que atingir a maioridade” (na altura tinha 18 anos) . Da ficha policial, como motivo da prisão, consta apenas: Anarquista. 

Deu entrada no Aljube em 19/12/1934, sendo daqui transferido para Peniche em 19/2/1935 e, depois, para Angra do Heroísmo em  8/6/1935. Foi restituído à liberdade em 7/1/1936, tendo nessa data regressado a Lisboa. Em Peniche, foi o idealizador de O Libertário, um jornal manuscrito, que se fazia na prisão, revela Edgar Rodrigues,  “um esforço que se perdeu por ter boa parte dos jornais caído nas mãos da PIDE”

José António Machado foi preso novamente alguns meses depois em 22/7/1936, alegadamente por “por se referir publicamente e de forma desfavorável aos nacionalistas e Exército espanhóis, sendo libertado em agosto (1/8/1936)”.  Foi preso novamente em 8/10/1937, para “averiguações”, com a policia a tentar incriminá-lo como estando envolvido no atentado a Salazar. Recolheu “incomunicável a uma esquadra” e “transferido para a 1ª Esquadra em 27/4/1938. Baixou em 12/6/1938 ao Hospital de São José”.

Fugiu em 20/11/1938 do Hospital de Santo António dos Capuchos, tendo sido julgado à revelia em 11/11/39 e condenado a uma pena de 4 anos de prisão.

Durante este período, em liberdade, continua a apoiar as edições e a imprensa clandestina, sobretudo, A Batalha, dada a sua experiência como tipógrafo.

Perseguido pela polícia refugia-se em Coimbra onde começa a trabalhar no “Diário de Coimbra” onde assina com o nome de José Ferreira Graça, como a partir daí começa a ser conhecido. A própria ficha policial ostenta os dois nomes: José António Machado ou José Ferreira Graça.

É preso em Coimbra (*) , na redacção do “Diário de Coimbra” a 18/5/1942, com um mandato de captura emitido pelo Tribunal Militar Especial, “tendo recolhido aos calabouços da PSP naquela cidade”. Esteve preso no Aljube entre 21/5/1942 e transferido para Caxias em 4/6/1942 e posteriormente, a 5/12/1942 para Peniche.

Apesar de ter requerido novo julgamento - que acontece em 2/12/1942 e em que é absolvido -  a “volta” de José António Machado pelas prisões do fascismo não fica por aqui: em 30/11/1942 é transferido para o Aljube e em 16/12/1942 para Caxias. É posto em liberdade a 12/2/1943.

Em liberdade regressa a Lisboa, continuando a actividade jornalística, agora na  redacção do “Jornal do Comércio” – onde trabalhará até ao fim da vida, atingindo o cargo de chefe de redacção - e apoiando ao mesmo tempo as tipografias clandestinas libertárias, que se foram sucedendo no tempo em vários locais, fosse ao nível da escrita, fosse ao nível dos caracteres tipográficos a que tinha acesso no jornal em que trabalhava.

Pertenceu ao “núcleo duro” que manteve a chama e a propaganda anarquistas durante os anos da ditadura, em conjunto com Emídio SantanaMoisés da Silva RamosAcácio Tomás AquinoCustódio da CostaFrancisco Quintal,  Lígia Oliveira, Luísa Adão e muitos outros, embora também, no plano legal, tenha subscrito diversos abaixo-assinados de protesto contra a ditadura. Segundo a sua biogradia inserida na página da Imprensa Nacional, José António Machado subscreveu "a representação «Os Intelectuais Portugueses Protestam» (novembro de 1946), juntamente com dezenas de figuras como Adolfo Casais Monteiro ou Miguel Torga, contra a censura; assinou uma exposição que pedia o arquivamento do processo aberto a Aquilino Ribeiro devido ao livro Quando os Lobos Uivam  (abril de 1959), enquanto redator-jornalista do Jornal do Comércio (1962); subscreveu, em 8 de novembro de 1966, juntamente com mais 117 personalidades, um abaixo-assinado onde se exigia a demissão de Salazar, a dissolução da Assembleia Nacional e a nomeação de um governo de transição; assinou como «José António Machado, jornalista» a representação dirigida aos Deputados e ao Presidente da Assembleia Nacional preparada por Mário Soares, António Macedo, Francisco Sousa Tavares, Francisco Lino Neto, Raúl Rego, Francisco Salgado Zenha, Urbano Tavares Rodrigues e Gustavo Soromenho, de 6 de novembro de 1967, contra a censura e ausência de liberdade de expressão; assinou o abaixo-assinado dirigido ao Presidente da República contra «os atos de arbitrária violência a coberto de pretextos inaceitáveis» sobre Luís de Sttau Monteiro, preso em Caxias por ser autor do livro Peças em um acto."

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Muito activo também no pós 25 de Abril de 1974, colaborou no reaparecimento de A Batalha legal.

José António Machado, conhecido nos círculos próximos, com amizade, como o “Machadinho”, depois de na clandestinidade ter sido o “Graça”, morreu a 18 de Março de 1978, na sequência de uma operação e após uma doença prolongada, no Hospital de Santa Maria, em Lisboa.

José Francisco, seu companheiro de militância, refere num artigo necrológico sobre José António Machado, publicado na "Voz Anarquista" (nº 30) que, pouco antes de morrer, ainda “era em sua casa que fazia a revisão e a paginação do jornal [A Batalha], no qual colaborou, desde a composição à impressão e desta à sua distribuição e afixação na rua, durante a clandestinidade”, acrescentando que “resistente até ao fim da sua vida, com 62 anos, foi a enterrar na terra onde tinha nascido – Barreiro”.

(*) Segundo informação recolhida por João Freire, a prisão ter-se-à dado depois do próprio José António Machado, farto dos anos de vida clandestina, a ocultar-se das autoridades e impossibilitado de manter os laços e os contactos habituais, se ter, ele próprio, "denunciado" à polícia, facilitando a sua detenção.

Fontes

Edgar Rodrigues, “A oposição libertária em Portugal”, Editora Sementeira, Lisboa, 1982 pag. 196

“José António Machado, um dos obreiros da Batalha clandestina” https://colectivolibertarioevora.wordpress.com/2016/09/29/memoria-libertaria-jose-antonio-machado-graca-um-dos-obreiros-d-a-batalha-clandestina/

José Francisco, “Morreu José António Machado, companheiro que foi um exemplo”, Jornal Voz anarquista, nº 30  .

Lista de presos de Peniche http://www.urap.pt/attachments/article/530/ListaPresosPoliticosFortalezaPeniche_16MAR2014.pdf

MACHADO, José António, https://imprensanacional.pt/history-heritage/machado-jose-antonio/

Transferido de Peniche para o Aljube https://digitarq.arquivos.pt/viewer?id=4368040

De Peniche segue para Angra do Heroismo.  https://digitarq.arquivos.pt/viewer?id=4368069

https://digitarq.arquivos.pt/viewer?id=4368069

Regressa a Lisboa https://digitarq.arquivos.pt/details?id=4363153

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