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Memória Libertária

Documentos e Memórias da História do Movimento Libertário, Anarquista e Anarcosindicalista em Portugal

Documentos e Memórias da História do Movimento Libertário, Anarquista e Anarcosindicalista em Portugal

Memória Libertária

21
Jun24

Há cem anos em Silves. Os disparos da GNR contra a população desarmada


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Há cem anos em Silves - depois de uma greve de mais de mês e meio dos corticeiros, que tiveram que mandar os filhos para outras localidades, entregues aos cuidados de outros operários, quando celebravam o regresso dos seus familiares - a multidão foi dispersada a tiro pela GNR. Houve um morto, o corticeiro Francisco Gonçalves, pai de 6 filhos, e mais de uma dezena de feridos.
"A Batalha" o grande diário operário, porta-voz da CGT anarco-sindicalista, que integrava o sindicato dos corticeiros de Silves, publica, dois dias depois, em manchete a toda a primeira página: "República atascada em sangue!
Um crime mais bárbaro, mais repugnante e ignomioso do que o dos Olivais!
Na cidade de Silves, a guarda republicana, comandada pelo tenente Vinhas, recebe a tiro os filhos dos grevistas corticeiros que regressavam aos seus lares, assassinando um operário, pai de seis filhos, ferindo muitos operários e crianças e, entre elas, uma no rosto e outra numa orelha!
Eis o trágico resultado da política de incitamento ao crime feita pelo ministro do interior.
Sr. Ministro: mande condecorar os assassinos!"
Era o tempo de um sindicalismo de combate, revolucionário, que nada tem a ver com as atuais burocracias sindicais, meras correias de transmissão dos partidos políticos (nomeadamente do PCP) que se aproveitam dos sindicatos para dar trabalho à sua máfia política e os sujeitar às estratégias partidárias - e que, por isso, pouco mais são do que cadáveres adiados.
Fica a 1º página de "A Batalha", de 24 de junho de 1924, com a verdadeira crónica de mais um episódio negro da República contra o movimento operário organizado na CGT anarcosindicalista e que fez de Silves uma das localidades no Algarve e no país com maior peso na luta contra o fascismo.
 
03
Abr23

O sapateiro bejense Artur Modesto: um autodidata sempre presente na luta contra o fascismo


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Artur Modesto em casa de Acácio Tomás Aquino, c. 1980

Artur Modesto, foi um militante anarcossindicalista do Baixo-Alentejo, sapateiro de profissão. Nasceu em Beja  a 27 de maio de 1897 e morreu em Lisboa a 3 de abril de 1985.

Cunhado de Acácio Tomás de Aquino, um dos principais organizadores do 18 de janeiro de 1934, residiu em Lisboa, na Ajuda, a partir dos anos 30, colaborando com as organizações libertárias clandestinas, nomeadamente no âmbito da Federação de Solidariedade para com os Presos e Perseguidos por Questões Sociais. Depois de 1974 colaborou em várias tarefas para a edição do jornal “ A Batalha” e integrou o grupo anarquista Fanal, da zona de Belém-Ajuda.

Inicialmente esteve filiado  no Sindicato dos Sapateiros de Beja, pertencendo a várias direções e comissões do sindicato. Foi um dos fundadores das Juventudes Sindicalistas de Beja, do seu órgão na imprensa (o jornal O Rebelde) e da União dos Sindicatos Operários de Beja.

Em 1928 veio para Lisboa, integrando o Sindicato Único da Indústria de Calçado, Couro e Peles até 1933, ano da sua destruição pela ditadura fascista.

Durante o fascismo exerceu funções clandestinas na FARP, Aliança Libertária de Lisboa e na CGT.

Conseguiu não ser preso após a sublevação do 18 de janeiro de 1934, contando no seu currículo de militante apenas uma prisão, em Novembro de 1918, ainda em Beja, aquando da greve geral decretada pela União Operária Nacional.

Apesar de ter apenas a 2º classe, Artur Modesto tinha uma grande cultura, mercê da leitura e do convívio com militantes com um nível superior de estudos e uma sensibilidade e gentileza marcantes.

Toda a vida escreveu poesia e no final da vida, após Abril de 1974, viu dois dos seus livros serem editados pela Editora Sementeira. "Páginas do meu Caderno", em 1978 e "Alfarrábio Poético", em 1984.

Manteve também até final da vida uma ligação constante ao jornal A Batalha, onde, até poder, foi uma presença assídua. Manteve também colaboração com a revista “A Ideia”.

Relacionado: https://colectivolibertarioevora.wordpress.com/2013/03/21/dia-mundial-da-poesia-dois-poemas-do-anarquista-alentejano-artur-modesto/

27
Fev23

Manuel Joaquim de Sousa (1883-1944)


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Manuel Joaquim de Sousa foi um destacado militante anarquista e dirigente sindical. Sapateiro, natural do Porto, foi o primeiro secretário-geral da CGT, tendo também dirigido o diário "A Batalha" durante algum tempo. Participa na criação da Aliança Libertária, já durante o período fascista, sendo preso. Está na prisão quando se dá o levantamento do 18 de janeiro de 1934 contra a fascização dos sindicatos.
 
Manuel Joaquim de Sousa nasceu a 24 de Novembro de 1883 na freguesia de Paranhos, Porto. Depois de escassos meses de escola primária, as necessidades económicas da família atiraram-no, ainda criança, para o mundo do trabalho e da exploração. Servente de carpinteiro e de alfaiate, aos 12 anos começou a trabalhar de sapateiro, o que viria a ser a sua profissão.
Desde muito novo interessado pelas leituras, é atraído pelos ambientes anarquistas nortenhos do fim do século 19 e faz a sua aprendizagem militante nas associações de classe dos sapateiros portuenses. Carlos Nobre, Benjamim Relido e, sobretudo, Serafim Lucena, são então homens de grande projecção do anarquismo. Com eles se forma Manuel Joaquim, bem como na actividade editorial e militante do jornal O Despertar.
Por volta de 1908 participa no Grupo de Propaganda Libertária onde publica um folheto intitulado O primeiro de Maio e as suas Origens - grupo que em seguida se transforma no Cómité de Propaganda Sindicalista do Porto, peça importante na construção do sindicalismo revolucionário.
Toma parte activa no 1.° e no 2.° Congresso Sindicalista. Neste último, em 1911, são constituídas duas Uniões Operárias, a de Lisboa e a do Porto, sendo Manuel Joaquim de Sousa escolhido para secretário-geral da última.
Participa do jornal anarquista A Vida e impulsiona a actividade do Centro e Biblioteca de Estudos Sociais, verdadeiro foco de irradiação cultural e doutrinária do anarquismo nortenho. Publica então um livro intitulado O Sindicalismo e a Acção Directa. Em 1914 representa a organização sindicalista do norte no Congresso Operário de Tomar, onde nasce a União Operária Nacional, a primeira central sindical portuguesa, de orientação nitidamente sindicalista revolucionária. Tomou também parte na delegação portuguesa ao Congresso Cóntra a Guerra, em 1915, no Ferrol, a qual foi presa e expulsa para Portugal.
Tempos depois passou a viver em Lisboa e no ano de 1919 participa do Congresso de Coimbra onde a UON dá lugar à CGT. Manuel Joaquim de Sousa foi redactor das bases da Confederação, bem como da tese "Relações Internacionais". Eleito secretário-geral do primeiro Comité Confederal, ocupou esse cargo durante três anos, até ao Congresso da Covilhã. Anos de intensa fermentação revolucionária, o entusiasmo suscitado pela revolução russa, as lutas na Alemanha, na Hungria, na Itália; e, em Portugal, as greves de grandes proporções dos ferroviários, dos correios e telégrafos, do professorado, do funcionalismo, da construção civil, da metalurgia, e outros movimentos proletários. Sousa propõe a criação e redige as bases da Liga Operária de Expropriação Económica, que, seria paralelamente à C.G.T. e no plano consumidor, o organismo económico da Revolução.
Ainda neste período, e como anarco-sindicalista, Manuel Joaquim de Sousa critica publicamente as posições e actividades dos maximalistas e do Partido Comunista numa série de artigos intitulados "A boa paz", publicados por A Batalha, de que era, ao tempo, director. Em 1925 representa a sua Federação do Calçado no Congresso de Santarém.
Preso após o 7 de Fevereiro de 1928, é forçado, como todos os outros, a uma semi-clandestinidade. Participa então na criação da Aliança Libertária, e entra no seu comité executivo de Lisboa. Por estas actividades, é de novo preso, em 1933, encontrando-se na cadeia na altura do 18 de Janeiro do ano seguinte.
Doente, mas sempre mantendo o contacto com os companheiros inteira-se das suas actividades clandestinas. Morreu em Lisboa, a 27 de Fevereiro de 1944.
Os seus livros "O Sindicalismo em Portugal", com várias edições,  e "Os últimos tempos da acção sindical livre e do anarquismo militante (1926-1938)", publicado originalmente pelo jornal "Voz Anarquista", são dos melhores documentos desses tempos, passados mas não esquecidos. Foi um militante dos mais produtivos, dos mais coerentes, um lutador que dignificou a causa dos libertários.
 
Fontes: E. Rodrigues (1982). A oposição Libertária em Portugal. 1939-1974. Lisboa. Sementeira.
 

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30
Jan23

Manuel Firmo, uma vida de combatente anarquista: da resistência ao fascismo em Portugal à guerra civil espanhola, dos campos de concentração franceses ao Tarrafal


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Manuel Firmo durante a Guerra Civil Espanhola

Na madrugada de 30 de Janeiro (de 2005) faleceu no seu domicílio, em Barcelona, o último (tanto quanto sabemos) militante libertário que combateu na Guerra Civil da vizinha Espanha, de 1936 a 1939, e o último também dos que padeceram no campo de concentração do Tarrafal.

Manuel Firmo, o mais velho de três irmãos – todos libertários – nasceu no Barreiro a 9 de Setembro de 1909, filho dum maquinista do Caminho de Ferro do Sul e Sueste. O pai foi transferido para Faro em 1914 e foi nesta cidade que Manuel frequentou a instrução primária.

 Regressado com a família ao Barreiro em Dezembro de 1918 começou a trabalhar numa fábrica de cortiça com doze anos incompletos. Despedido em consequência duma greve, foi sucessivamente servente de pedreiro, contínuo nos escritórios da CUF (donde foi despedido por se recusar a denunciar dois colegas) e novamente operário da indústria corticeira.

 Desejoso de melhorar os seus conhecimentos frequentou a biblioteca da Associação dos Corticeiros e, posteriormente, a do Sindicato dos Ferroviários. Fez exame de admissão às Oficinas Gerais do Caminho de Ferro do Sul e Sueste onde aprendeu o ofício de serralheiro. Aprendeu Esperanto e iniciou a sua militância anarco-sindicalista.

Em 1936, estando em risco iminente de ser preso pela polícia política em virtude da sua actividade militante, fugiu para Espanha. Detido por entrada ilegal, foi libertado ao cabo de algumas semanas por intervenção do antigo presidente da República Bernardino Machado, então exilado em Madrid.

 Para esta cidade se dirigiu e um mês depois deu-se o golpe militar fascista de 18 de Julho. Manuel Firmo incorporou-se nas milícias da CNT e foi enviado para a frente, em Somossierra. Dadas as más condições de alojamento, vestuário e alimentação combinadas com o frio rigoroso desse primeiro inverno adoeceu com pneumonia, numa época em que não existiam ainda antibióticos. A gravidade da situação determinou a sua evacuação, primeiro para Madrid e depois para Valência, onde convalesceu.

Com a incorporação das milícias no exército regular da República, Manuel Firmo, dadas as suas habilitações profissionais, foi integrado na aviação republicana como sargento mecânico.

O avanço nacionalista levou à evacuação da força aérea para Barcelona e, posteriormente, à retirada do exército governamental para a fronteira pirenáica, no que foi acompanhado por muitos milhares de civis.

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Manuel Firmo no Campo de Concentração de Gurs (França)

Ao entrar em França foi internado, como a maior parte dos refugiados, em campos de concentração sem as mínimas condições de alojamento, higiene ou alimentação. Passou pelos ignominiosos campos de Argelés-sur-Mer e de Gurs, sendo requisitado para trabalhar numa fábrica de material aeronáutico após a entrada da França em guerra com a Alemanha. À capitulação seguiu-se o reenvio para o campo concentração e ulterior incorporação em companhias de trabalho com características de companhias disciplinares.

Ao ter conhecimento de que se projectava o envio para a Alemanha duma força de trabalho composta de refugiados espanhóis, Manuel Firmo decidiu fugir de França e regressar a Portugal. Detido na fronteira, passou longos meses em prisões metropolitanas (Aljube, Caxias, Peniche) sendo finalmente enviado para o campo de concentração do Tarrafal, sem sombra de processo judicial.

 Finda a II Guerra Mundial foi libertado ao fim de 53 meses de encarceramento. Sendo-lhe muito difícil encontrar trabalho em Portugal, ao fim de dois anos emigrou para Angola onde esteve colocado inicialmente numa empresa de exploração de sisal e, mais tarde, na Companhia dos Caminhos de Ferro de Benguela. Aí se lhe juntaram os dois irmãos.

Regressou a Portugal e, decorridos dois anos, partiu para Barcelona onde reside a família da esposa, aí permanecendo até à sua morte.

Enquanto a saúde lho permitiu vinha a Portugal todos os anos, nas férias estivais. Nessa altura costumava frequentar o C.E.L., participando nas suas actividades e, nomeadamente, proferindo aí algumas palestras.

Manuel Firmo era um homem culto, autodidacta, que escrevia com elegância. Deixou-nos um livro autobiográfico, "Nas Trevas da Longa Noite, da Guerra de Espanha ao Campo do Tarrafal", editado por Publicações Europa-América.

A sua colaboração em A Batalha, encontra-se reunido «Caderno d' A Batalha» – Em torno da Guerra Civil Espanhola – publicado em 2003. Deixa ainda outra obra que não chegou a ser editada por haver adoecido e não poder acompanhar a sua revisão.

Mas o que sempre mais nos impressionou nele foi a extrema correcção e delicadeza, a atitude tolerante e bondosa, o bom senso, a simplicidade e a sua cultura.

Para a esposa Josefa, que o acompanhou nos momentos dificeis do exílio, também ela internada num campo de refugiados em França, que sofreu a separação dos longos anos de prisão e o acompanhou indefectivelmente em Portugal, Angola e Espanha, nomeadamente nos últimos anos de doença e invalidez, vai a manifestação do nosso pesar, bem como para o seu irmão, cunhada e sobrinhos, familiares da esposa e amigos mais íntimos.

O Colectivo Redactorial de A Batalha, nº 209 (Março, 2005)

Relacionado: http://utopia.pt/edicoes/Binder19.pdf

https://pt.wikipedia.org/wiki/Manuel_Firmo

https://rastrosderostros.wordpress.com/2014/12/13/manuel-firmo-sindicalista-anarquista-y-esperantista/

https://estudossobrecomunismo2.wordpress.com/2005/02/05/morte-de-manuel-firmo-sindicalista-anarquista-e-esperantista/

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07
Jan23

Jaime Rebelo: "morte de um velho e prestigioso militante", noticiava a "Voz Anarquista" em Janeiro de 1975


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A 7 de Janeiro de 1975, poucos meses depois do 25 de Abril de 1974, morria Jaime Rebelo, velho lutador anarquista, evocado no poema do Homem da Boca Cerrada, de Jaime Cortesão.

Nesse mesmo mês saía o primeiro número do jornal Voz Anarquista, com Francisco Quintal como director e sede em Almada, que noticiou deste modo a morte do velho militante, combatente pelos ideais anarquistas quer em Portugal, no seio da CGT anarcosindicalista, quer em Espanha, ao lado da CNT no decurso da Guerra Civil e da Revolução Espanholas:

"O nosso regozijo pela saída de «Voz Anarquista», mais um jornal acrata que, neste mundo capitalista e autoritário, vem propagar a Ideia generosa e bela, e lutra pela sua vitória, entre as massas guiadas por tantos maus pastores, acaba de ser ensombrado pela morte do nosso amigo e camarada Jaime Rebelo. Lutador pelo Ideal libertário e militante da antiga e gloriosa Confederação Geral do Trabalho, desde muito novo, a vida deste nosso já saudoso companheiro caracterizou-se sempre por um grande espírito de actividade e combatividade, dentrso de uma atmosfera de bom senso, de rectidão, sempre atento à honestidade de processos na luta, à coerência com as afirmações feitas. Natural de Setúbal fez parte de uma familia de pescadores, mestres de traineiras, que se não limitarem à vida profissional apenas animados pelo espírito de lucro. Os Rebelos fioram animadores portentosos da causa de deefsa do proletariado setubalense, juntamente com uma pleiade de trabalhadores, de terra e do mar, que deram à cidade de Setúbal a fama tradicional de cidade revolucionária, até ser conhecida pela Barcelona portuguesa. Através desta propícia atmosfera de são revolucionarismo e em variados actos de vida sindical e de um jornalismo local que se caracterizou pelo seu espírito libertário, nasceu a possibilidade, única no plano local, da criação em Setúbal da Casa dos Pescadores, organismo multiforme que não se limitou a ser um órgão de reivindicações de classe, mas veio a ser uma Central Sindical, aberta a todos os trabalhadores e, pelo sucesso criado, visitada por personalidades cultas, não só do País, mas de fora. A Casa dos Pescadores era exemplo de associativismo, era centro de numerosas reivindicações, e era escola e era museu. Jaime Rebelo dedicou-se desde sempre a esta memorável instituição, ali se formando o melhor que um homem culto pode adquirir: uma cultura humanista, uma consciência de vida social, libertadora da individualidade própria.

Veio, porém, o momento que a todos os lados chegou, em que toda esta obra digna de todos os aplausos, sossobrou, varrida pelo vendaval da Ditadura iniciada em 28 de Maio de 1926 e que veio a durar meio século. Os bandidos da ditadura Salazarista prenderam, assassinaram, deportaram os melhores elementos e a Casa dos Pescadores fechada e o seu edoficio vendido por pequena quantia a um oficial da armada, que era capitão do porto, até que após o 25 de Abril voltou à posse dos trabalhadores.

Jaime Rebelo ultrapassou o meio local em que era militante acatado pro todos, e a sua acção estendeu-se, no seio da C.G.T., a todo o país, e, mais trade, a Espanha, durante a Guerra Civil, onde praticou actos de indiscutível valor. Além das prisões protuguesas e da deportação, Jaime Rebelo veio, na hora da derrotam a conhecer is campos de concentração de refugiados em França, em companhia da sua companheira espanhola Eloise Gutierres, com quem veio mais tarde a unir-se, falecida já sua legítima esposa Miquelina.

Este nosso inesquecível companheiro, nascido em Setúbal, em 22-12-1900, faleceu em Lisboa na madrugada do dia 7 de Janeiro de 1975. O funeral realizou-se em Setúbal, no dia 8, e constituiu uma manifetsação de pesar digna da sua personalidade inconfundível, Era filho de Gonçalo Rebelo e de Leopoldina Amélia.

Revisor do jornal «República», desde 1 de Março de 1968 e ultimamente do nosso colega «A Batalha», tornou-se sempre digno, como é próprio dos autênticos libertários, do apreço de quantos com ele trabalharam."

Relacionado: https://memorialibertaria.blogs.sapo.pt/jaime-rebelo-o-anarquista-da-boca-13020

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30
Nov22

Acácio Tomás de Aquino (1899-1998): O testemunho anarquista da violência das prisões atlânticas do fascismo


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Acácio Tomás de Aquino (Lisboa, Alcântara, 9 de Novembro de 1899 - Lisboa, 30 de Novembro de 1998), militou nas Juventudes Sindicalistas e depois na Confederação Geral do Trabalho, tendo colaborado também  no jornal "A Batalha" e participado na preparação do 18 de Janeiro de 1934. Preso e deportado primeiro para Angra do Heroísmo, esteve depois 13 anos no Campo de Concentração do Tarrafal, em Cabo Verde.

Acácio Tomás de Aquino nasceu, em Lisboa, no bairro de Alcântara, a 9 de Novembro de 1899 e aí morreu a 30 de Novembro de 1998.  Exerceu várias profissões: operário da construção civil, trabalhador da Câmara Municipal de Lisboa, de 1918 a 1922, e ferroviário, de 1926 até à sua prisão, em 1933.

Foi militante anarco-sindicalista da Confederação-Geral do Trabalho, filiado nos Sindicatos dos Metalúrgicos, dos Trabalhadores do Município e da Construção Civil, entre 1919 e 1933.Foi, ainda, secretário da Federação dos Sindicatos da Construção Civil e da Confederação Geral do Trabalho.

Foi colaborador da imprensa operária e sindical, nos jornais A Batalha e O Construtor. Membro do comité da CGT organizador da greve geral de 18 de Janeiro de 1934, foi preso a 11 de Dezembro de 1933, sob acusação de ter entregue bombas a outro activista na Estação do Rossio, estando, por isso preso quando se deu a greve geral .

Foi condenado a 12 anos de degredo em prisão, pelo Tribunal Militar Especial, no dia 9 de Março de 1934. A 8 de Setembro desse ano seguiu primeiro para Angra do Heroísmo, sendo transferido para o Tarrafal, Cabo Verde, a 23 de Outubro de 1936. Teve um papel preponderante na Organização Libertária Prisional, que agrupava os presos libertários que se encontravam no Tarrafal. Regressou a Portugal a 10 de Novembro de 1949, mas só alcançou a liberdade total, a 22 de Novembro de 1952.

Depois do 25 de Abril de 1974, colaborou com diversas organizações e jornais libertários, sobretudo no jornal A Batalha, que ajudou a renascer, e publica um dos livros mais importantes sobre a vivência dos presos quer em Angra do Heroísmo, quer no Tarrafal, com inúmeros documentos daquela época “O Segredo das Prisões Atlânticas, em que relata também as divergências entre os anarquistas e os comunistas, transcrevendo correspondência entre a Organização Comunista Prisional e a Organização Libertária Prisional, em que critica os comunistas, nomeadamente, Bento Gonçalves, Secretário- geral do Partido Comunista Português, entre outros, acusando-os de colaboracionismo.

Pertenceu à cooperativa editora de A Batalha, ao Centro de Estudos Libertários, ao Grupo Fanal, federado na FARP, e também à URAP, a União dos Resistentes Antifascistas Portugueses, colaborando empenhadamente na trasladação para Portugal dos restos mortais dos antifascistas portugueses mortos no Tarrafal.

No 1º de Maio de 1974 desfilou com o seu companheiro, também ex-militante da CGT,  José Francisco, na Avenida Almirante Reis, na primeira grande manifestação após o 25 de Abril, erguendo a bandeira da Secção de Belém do Sindicato Único Metalúrgico, vermelha listada-a-preto, que tinha guardada e escondida durante todos aqueles anos. Aos dois companheiros, Acácio Tomás de Aquino e José Fransciiso, rapidamente se juntaram dezenas de companheiros nessa primeira e imponente manifestação do 1º de Maio,

Para além de “ O Segredo das Prisões Atlânticas, Lisboa, A Regra do Jogo, 1978”, colaborou também no livro colectivo “O 18 de Janeiro e Alguns Antecedentes, Lisboa, A Regra do Jogo, 1978", repondo a verdade história sobre a greve geral contra a fascização dos sindicatos.

Ver: "Quatro Itinerários Anarquistas - Botelho, Quintal, Santana e Aquino -, de João Freire, edições A Batalha, 2019.

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22
Nov22

Custódio da Costa (1904-1980): o militante escolhido para dar o sinal do início do 18 de janeiro em Lisboa


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Custódio da Costa, o militante anarcosindicalista escolhido para dar o sinal do 18 de janeiro de 1934, em Lisboa, morreu a 22 de Novembro de 1980, há precisamente 42 anos

Custódio da Costa, natural de Esgueira, Aveiro, onde nasceu a 10/1/1904. foi militante anarcossindicalista, padeiro de profissão (em particular na marinha mercante), filiado no Sindicato dos Manipuladores de Pão, integrado na CGT, e esteve envolvido na organização do movimento insurrecional de janeiro de 1934 contra o Estado Novo. Estava incumbido  de fazer explodir uma bomba no Miradouro da Senhora do Monte, na Graça, em Lisboa, às 3 horas da manhã do dia 18 de Janeiro de 1934, sinal combinado para fazer eclodir o movimento contra a fascização dos sindicatos. Não o fez por decisão do Comité Nacional da CGT, uma vez que no dia anterior um atentado comunista contra a linha férrea na Póva de Santa Iria tinha posto a polícia de sobreaviso. Durante todo o dia são mandados telegramas e outra forma de avisos para vários pontos do país informando que o movimento tinha sido suspenso. No entanto, há levantamentos operários em localidades como Almada, Silves e Marinha Grande.

Preso e condenado, foi degredado para os Açores e, de seguida, para o campo de concentração do Tarrafal, onde ficou até novembro de 1949.

Da ficha da Pide consta que foi “preso em 4/2/934. Transportou e entregou a Romão Duarte ingredientes para o fabrico de bombas e ainda transportou da Cova da Piedade para Lisboa cerca de 80 bombas que foram distribuídas a vários indivíduos, indo algumas para a Marinha Grande.”

Foi condenado pelo Tribunal Militar Especial em 8/3/1935 a “12 anos de degredo numa das colónias c/ prisão” e multa de 20.000$00. Em 8/9/934 segue para Angra do Heroísmo, sendo transferido para Cabo Verde em 23/10/36. Em 6/8/49 foi-lhe concedida a liberdade condicional pelo prazo de 3 anos com as seguintes condições: “1º Fixação da residência em Cabo Verde, sem prejuízo da vinda à Metrópole, mediante autorização da entidade fiscalizadora; 2º Não frequentar meios ou locais especialmente procurados por elementos suspeitos ou perturbadores da ordem pública; 3º Não acompanhar pessoas suspeitas ou de má conduta, designadamente antigos companheiros que tenham estado ligados a actividades subversivas; 4º Aceitar a protecção e indicações de uma instituição do Patronato ou de pessoa encarregada de o exercer”.

Foi “solto condicionalmente em 1/4/49, pelo prazo de 3 anos e com residência fixada em Cabo Verde, sem prejuízo da vinda à Metrópole, mediante autorização da entidade fiscalizadora” (Director do Tarrafal e a PIDE). Desembarca em Lisboa a 10/11/949, devendo apresentar-se todos os meses, no dia 11, no Piquete da PIDE.

Foi-lhe concedida a liberdade definitiva por sentença de 24/10/952. No total, entre prisão e liberdade condicional, esteve debaixo do jugo das autoridades fascistas durante 18 anos.

Depois da sua libertação, colaborou com Emidio Santana e outros libertários na Associação dos Inquilinos Lisbonenses, uma das associações onde estes mantiveram uma forte influência durante um longo período, sobretudo durante as décadas de 60 e 70.

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Custódio da Costa no jardim da sede de A Batalha, na Rua Angelina Vidal, em Lisboa, c.1975

Após o 25 de Abril de 1974, colaborou dedicadamente na reaparição do jornal “A Batalha” e do movimento libertário, tendo durante vários anos assegurado o funcionamento das instalações deste jornal, que servia também de sede a vários outros grupos e actividade do Movimento Libertário (da Rua Angelina Vidal à Av.Alvares Cabral).

Participou também no depoimento colectivo de antigos tarrafalistas, editado pela Regra do Jogo, em 1978, "O 18 de janeiro de 1934 e alguns antecedentes" , em que antigos responsáveis pelo movimento do 18 de janeiro (Acácio Tomáz de Aquino, Américo Martins, Custódio da Costa, José Francisco, Marcelino Mesquita e Emidio Santana que o coligiu) repunham a verdade histórica, depois das tentativas de apropriação e adulteramento que sobre ele o PCP fazia, tentando chamar a si a organização de um movimento que, na altura, classificou como "anarqueirada".

Custódio da Costa morreu em Lisboa a 20 de novembro de 1980.

referências: https://colectivolibertarioevora.wordpress.com/2015/01/18/entrevista-custodio-da-costa-o-anarquista-encarregue-de-dar-o-sinal-para-o-18-de-janeiro-de-1934-em-lisboa/

http://mosca-servidor.xdi.uevora.pt/arquivo/?p=collections/findingaid&id=56&q=

https://silenciosememorias.blogspot.com/2020/01/2269-custodio-da-costa-i-greve-geral-de.html

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07
Nov22

A greve dos lanifícios da Covilhã, em 1941: a última grande greve influenciada pelos militantes anarco-sindicalistas da CGT


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A greve dos trabalhadores dos lanifícios da Covilhã, em 1941, já depois de destruídos os sindicatos livres e com uma parte grande dos activistas sindicais  presos, fosse no Tarrafal ou noutras prisões do fascismo, foi a última grande greve influenciada e participada  por elementos anarco-sindicalistas  da antiga CGT.

A greve iniciou-se a 5 de novembro e teve como causa imediata a carestia de vida e os racionamentos provocados pela II Guerra Mundial.

Ferreira de Castro, o escritor anarquista, antigo colaborador de "A Batalha", proibida pelo regime fascista, escolhe a greve de 1941 e o ambiente social e operário da industria têxtil como a matéria-prima para construir o seu romance “A lã e a Neve”, cuja 1ª edição é publicada em 1947.

Descrevendo os momentos mais marcantes desta greve,  o Jornal do Fundão de 4/11/2021 refere que:

"Naquele dia 5 de Novembro de 1941, pelas 8 horas da manhã, cerca de cinco mil operários dos lanifícios da Covilhã e arredores iniciavam uma greve e punham-se em marcha a caminho do Pelourinho.  O comandante Ramos Paulo, da GNR da Covilhã, está no largo do município às 8,30h da manhã e pouco depois (como escreveu no relatório enviado ao ministro do interior) vê “uma grande multidão de operários de ambos os sexos a vir pela rua Direita em grande algazarra e atitude hostil…”  Já havia patrulhas policiais desde manhã cedo nas imediações das fábricas, junto às ribeiras da Carpinteira e da Goldra.

Com a lei do Estado Novo, Salazar proibira a greve e a oposição política, controlava os sindicatos numa estrutura nacional e encarava a paralisação do trabalho como um crime a punir severamente, o que abafava as tensões sociais e as reivindicações dos operários. A miséria vai-se agravando e, naquele mês de Novembro de 1941, a tampa salta com estrondo na cidade-fábrica onde laboravam mais de 130 empresas de lanifícios.

O escritor Ferreira de Castro, no seu livro “A Lã e a Neve” havia de escrever depois que “os operários viviam em casebres insalubres: homens de faces ocultas nas golas dos velhos sobretudos, mulheres embrulhadas nos xailes escuros e garotos de 12, 14 anos vestidos com remendadas roupas”.

 Os operários vinham reclamando aumentos de salário e, no mês anterior, uma comissão de operários das maiores fábricas apresentou ao sindicato um pedido para que houvesse um aumento de salários… Sem respostas, na noite de 4 de Novembro vão ao sindicato algumas centenas de trabalhadores que se mantiveram concentrados enquanto a comissão voltava a falar com a direcção do sindicato… Perdida a confiança na intermediação do sindicato, terá ficado ali combinado a greve para o dia seguinte.

As fábricas são patrulhadas e uma dezena e meia de operários são presos e levados para os calabouços que ficam na base do edifício dos paços do concelho (levados depois para cadeia política de Caxias). É para o Pelourinho que se dirige  “uma enorme multidão de mulheres e crianças, seguidas de perto pelos homens” exigindo a libertação dos presos. Chegam reforços policiais e um pelotão militar do quartel de Caçadores 2. Alguns feridos são levados para o hospital e um dos operários fica com uma perna amputada.

É a vigilância das fábricas e dos edifícios públicos. Uma equipa da PVDE, incluindo o subdirector Pessoa Amorim, deslocou-se para a Covilhã e começa a fazer interrogatórios.  Alguns operários influentes são convocados para demoverem os grevistas. O trabalho é retomado no dia 8 de Novembro, com promessas de que a situação seria remediada…

Porém, nada foi remediado e a 6 de Dezembro as fábricas voltam a parar.   Face a nova greve, o próprio Grémio dos Industriais de Lanifícios reúne em assembleia geral e, perante as “perturbações graves da vida social e económica da Covilhã”, envia a Salazar um telegrama a favor de uma melhoria salarial. Mas nada muda.

O governador civil, António Pinto Castelo Branco, manda a seguir publicar um comunicado ameaçando com pena de prisão e degredo aos grevistas. Os industriais são intimados a apresentarem listas de operários presentes e ausentes. Nem todos retomam o trabalho, mas a greve dilui-se.

O Notícias da Covilhã, dois meses mais tarde, refere-se à penúria que alastra na cidade e aos “bandos famélicos cobertos de farrapos”, apelando a  uma união das instituições de beneficência para “dar comida a quem tem fome e vestir os desenrpoupados”…

Só em 1943, viria a verificar-se uma aumento salarial, com um novo contrato colectivo para os lanifícios. Em 1946  as greves nos lanifícios  voltarão a agitar a Covilhã, com muitas dezenas de presos, incluindo mulheres, mas a ditadura acabaria por resistir e endurecer ainda mais a repressão.  Os alvos da “PVDE – Polícia de Vigilância e Defesa do Estado” (em 1945 passa para PIDE e em 1969 para DGS – Direcção-Geral de Segurança), não eram só as organizações políticas forçadas à clandestinidade, mas também o próprio movimento operário, no qual o salazarismo procurava extinguir qualquer cultura de protesto e acção colectiva, enraizada na Covilhã.

Entre os operários presos e levados para Caxias, a polícia do regime procurava ligações a organizações políticas, mas não as encontrou. Os 15 operários quase todos jovens estiveram sete semanas em Caxias, com passagens pela sede da PIDE e pela prisão do Aljube. Um deles, Felisberto Fernandes, casado, com 28 anos de idade e analfabeto, após mais um interrogatório, viria a morrer no hospital de S. José.

Após anos e anos de controlo e repressão laboral em todo o país, o operariado da Covilhã, põe fim à resignação e surpreende o regime. “É o que vai desencadear os movimentos grevistas até 1946. Os operários dos lanifícios estiveram na vanguarda” – conclui o historiador António Rodrigues Assunção." (aqui)

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“E, então, pôs-se a olhar para os outros homens, vestidos de negro, que passavam na sua frente, caras que lhe eram familiares, operários da Aldeia do Carvalho, e da Covilhã, que ele conhecia da hora da saída das fábricas, dos diálogos no Pelourinho, das próprias ruas onde habitavam. À medida que iam passando, ele evocava as ideias, as embrionárias ansiedades que tinha ouvido a cada um deles, desde que deixara o cajado de pastor e viera trabalhar para as fábricas. E cada vez ele se sentia mais confortado, mais confortado cada vez, por verificar que quase todos os que passavam na sua frente pensavam como Marreta e como ele próprio pensava agora.

Viu Tramagal, Ricardo e João Ribeiro a descerem a calçada – e juntando-se a eles, Ricardo disse-lhe:

- No sábado à noite, vamos fazer uma reunião, aqui, na Covilhã, em casa do Ildefonso. Precisamos de continuar...Compreendes? Precisamos de continuar...Não faltes!

- Lá irei – respondeu. E voltou a sentir-se menos abandonado do que quando vira, momentos antes, enterrar Marreta e muito menos do que quando há anos, entrara para a fábrica. Parecia-lhe que uma secreta força, que ele desconhecia quando viera para ali, partia dos outros para ele e dele para os outros – ligando-os a todos e dando-lhes, com novas energias, uma nova esperança. Ao chegarem ao começo da Rua Azedo Gneco, onde ele vivia, Horácio despediu-se.

Mesmo ao andar sozinho na viela solitária, parecia-lhe que não ia sozinho." (*)

(*) Castro, Ferreira de, "A Lã e a Neve", citado por Cátia Sofia Ferreira Teixeira, na Dissertação de Mestrado em História Contemporânea "As greves dos operários de lanifícios da Covilhã no Inverno de 1941 -O início da agitação operária em Portugal durante a Segunda Guerra Mundial", FCSH, Lisboa, Novembro de 2012

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Nesta greve é preso, entre outros operários, Felisberto Fernandes Berto, conhecido como "O Boga", a 7 de novembro, dois dias depois da paralização ter começado. Felisberto morrerá dias depois, ainda detido, no Hospital de S. José, em Lisboa.

Tendo nascido em S. Martinho, concelho da Covilhã a 18 de setembro de 1913, filho de António Fernandes Berto e Maria dos Santos da Piedade, operário têxtil, toma parte ativa nas greves das fábricas de lanifícios, participando, designadamente, na invasão da Fábrica Alçada, no dia 5 de novembro de 1941, pelas 14 horas, concretizada por uma multidão de operários e operárias.
Inicialmente, a exigência de melhoria salarial estava restrita a um sector da indústria de lanifícios – o sector de estambres – mas rapidamente alastra à totalidade do operariado da região.
Dez operários foram presos à saída da Fábrica Alçada. Os restantes serão presos como consequência de denúncias e um outro, nas manifestações de rua.
Segundo a PVDE, que destaca para a Covilhã o inspetor José Maria Branquinho, para proceder aos interrogatórios, na invasão da Fábrica Alçada destacam-se Gilberto Duarte, que então estava a prestar serviço militar e que será levado a julgamento no tribunal Militar Especial, e Felisberto Fernandes Berto.
Este operário foi entregue à PVDE pela PSP da Covilhã em 7 de novembro de 1941 e enviado para o Depósito de Presos de Caxias, sendo transferido, logo no dia 18, para a Cadeia do Aljube. Regressou a Caxias no dia seguinte e, no dia 1 de dezembro baixou ao Hospital de S. José, falecendo no Hospital do Desterro no dia 20 de dezembro de 1941, alegadamente com uma úlcera. Tinha 28 anos de idade. (aqui)

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aqui


 

28
Out22

Carta/comunicado de José Correia Pires e José Rodrigues Reboredo aos seus camaradas da OLP, ao deixarem o Tarrafal em 1945 , sobre a unidade entre os anarquistas


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Ficha prisional de José Correia Pires 

https://digitarq.arquivos.pt/viewer?id=4285647

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José Correia Pires foi libertado do Tarrafal 8 anos depois de ali ter chegado, sem julgamento. Em fevereiro de 1945, quando as autoridades carcerárias o informaram de que ia ser libertado em breve, com o seu também companheiro libertário José Rodrigues Reboredo (que esteve cerca de 3,5 anos no Tarrafal depois de uma vida de exilio, que o levou a Espanha e a França, onde conheceu os campos de concentração do fascismo), decidiram escrever uma carta de despedida aos seus companheiros da Organização Libertária do Campo do Tarrafal.

Nesta carta, que faz parte do espólio deixado pelo também libertário e tarrafalista António Gato Pinto, Correia Pires e Rodrigues Reboredo apelam à unidade de "sindicalistas, anarco-sindicalistas e anarquistas" para preservarem intacta a CGT, fundamental para "o triunfo dos sublimes ideais de emancipação humana por que lutamos", e  impedindo que ela e "A Batalha"  fossem "tomadas" pelos comunistas que, na altura, depois da reorganização partidária de 1940/41 e do fim da II Guerra Mundial gozavam de prestígio e apoio. Para os autores da missiva "separados os sindicalistas dos anarquistas ou os anarquistas dos sindicalistas, o nosso Movimento será absorvido pelos comunistas, pois todas as suas propostas de unidade e colaboração, por mais amigos e sinceros que se mostrem, não visam mais que um fim: o desaparecimento do nosso Movimento, para os comunistas estabelecerem o seu predomínio."

Para isso é fundamental a união e o companheirismo entre os libertários, mesmo que com opiniões diversas, uma vez que "desde (há) longos anos que combatemos juntos pela mesma causa, desde há muito tempo que o nosso sangue se verte na rua em conjunto, nas barricadas e em todos os locais de luta, morrendo lado a lado, varados pelas mesmas balas assassinas das hostes mercenárias da Burguesia ou abatidos traiçoeiramente pelas febres e outras doenças do clima tropical e doentio das regiões inóspitas da África, de Timor ou do maldito Tarrafal, mil vezes maldito pelas vítimas produzidas entre os nossos camaradas" referem os dois anarquistas no momento de deixarem o Tarrafal.

É essa carta/comunicado que a seguir se publica no dia em se assinalam os 46 anos da morte de José Correia Pires.

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(1945), "A todos os componentes da Organização Libertária do Campo do Tarrafal", Fundação Mário Soares / António Gato Pinto, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_160528 .  Cópia manuscrita de comunicado de José Rodrigues Reboredo e de José Correia Pires aos membros da Organização Libertária do Campo do Tarrafal, no momento da sua saída do campo. Fevereiro de 1945. 3 páginas.

*

A todos os componentes da organização Libertária do Campo do Tarrafal

Prezados camaradas:

É costume  corrente quando mudamos de localidade ou de país, despedirmo-nos dos nossos parentes, dos nossos amigos e todas as pessoas, enfim a quem nos sentimos ligados por laços de família, de amizade ou de companheirismo.

Ora, se é certo que há costumes que tendem a desaparecer por erróneos ou caricatos, o dever de cortesia, é crença nossa, perdurará pelas idades fora, porque tem um fundo humano, constitui uma prova dos instintos de sociabilidade do homem e, por consequência, corresponde  a uma necessidade social.

Sendo assim, nós, ao deixarmos o Tarrafal faltaríamos a um dos mais elementares preceitos de civilidade, se não cumpríssemos o dever de nos despedirmos de todo os camaradas que compõem a nossa organização, aqui no campo.

É esse, pois, o motivo porque resolvemos dirigir-vos as presentes linhas como motivo da nossa despedida.

Certamente que poderíamos cumprir este dever indo pessoalmente junto de cada camarada.

Mas todos vós sabeis o que se passa aqui, no campo, quando estamos para sairmos. Em primeiro lugar não sabemos o dia nem a hora a que somos chamados e, quando nos chamam, não nos permitem mais falas com quer que seja. Em segundo lugar, uma despedida antecipada, não só perde o seu verdadeiro significado, como arrisca-nos a cair no rídiculo se a nossa saída se não realizar por qualquer motivo imprevisto.

Ponderadas, pois, todas estas circunstâncias optámos, antes, por dirigir-vos algumas linhas por escrito, como afirmação do nosso sincero espírito de solidariedade para com todos vós, linhas em que sintetizamos alguns pontos do nosso pensamento, neste momento de separação das nossas pessoas.

Ao deixarmos este maldito Tarrafal, mil vezes maldito pelos imensos sofrimentos nele padecidos por todos os nossos camaradas, alguns dos quais aqui encontraram a negra morte – camaradas para os quais vai, neste instante da nossa partida, a nossa mais comovida homenagem -, nós queremos que vós nitidamente saibais que, não obstante a diferença de critérios, talvez, entre nós existentes quanto a alguns problemas da nossa organização, não obstante, porventura, (d)a diferença de ideias que entre nós possa haver quanto à solução do problema social e humano, nós partimos deste campo mantendo para convosco a máxima estima e consideração, sentindo-nos ligados pelos laços da mais fraternal camaradagem, estabelecida e mantida sobre a égide da C.G.T. e da Organização Específica, Organismos, certamente, que todos nós desejamos ver fortes e engrandecidos, com uma extensão cada vez maior e mais rica em resultados concernentes ao triunfo dos sublimes ideais de emancipação humana por que lutamos.

Falamos assim porque estamos absolutamente convencidos de que todos desejamos atingir o mesmo fim: realizarmos a transformação social e estabelecermos um sistema de vida que assegure à classe trabalhadora, a todos os homens, a garantia dos direitos que lhe são devidos por direito próprio e condição natural.

Porque pensamos desta forma, entendemos que era nosso dever neste momento de separação (decerto breve) dar-vos conta da nossa incondicional solidariedade hoje, e amanhã, lá fora, em qualquer parte [em] que nos encontremos, dentro dos organismos acima indicados.

Podeis estar certos que encontrareis sempre em nós o melhor dos desejos, a maior boa vontade e o máximo interesse de contribuir, tanto quanto possível, para a união da família Libertária. Entendemos sempre e continuamos a manter o mesmo critério de que todas as opiniões são respeitáveis, todos os juízos devem ser tomados em consideração e todas as ideias devem ser ouvidas dentro das nossas organizações.

O que é necessário é que respeitando-se precisamente este princípio, cada um respeite a opinião dos demais e haja a maior elevação possível na exposição das ideias e conceitos, buscando-se uma solução conciliadora, sempre que surjam critérios diferentes acerca dos problemas em causa.

Dentro desta orientação, possivelmente, (que) chegaremos em todas as ocasiões a um bom e franco entendimento e observar-se-á a harmonia e a confiança necessárias para continuarmos a lutar juntos contra o inimigo comum.

Permiti-nos, camaradas, dizer-vos com toda a sinceridade: qualquer rompimento entre nós representaria um perigo gravíssimo para o nosso Movimento. Seria a destruição de todo o labor realizado com tanto sacrifício, através de longos anos dos nossos camaradas, seria a perda de milhares de esforços que foi necessário despender para levar a cabo a nossa organização.

A desunião entre nós não pode produzir mais que o enfraquecimento imediato da nossa querida C.G.T., ocasionando que, no futuro, essa seja tomada pelos nossos adversários.

Haja em vista, camaradas, o que se passou em França com o Movimento Operário que, fracionando-se, tinha três C.G.T.!

Sindicalistas neutros, anarco-sindicalistas e anarquistas, todos unidos e lutando dentro de uma só C.G.T., representam uma força poderosa no nosso país – a única que pode garantir confiança às massas -, podem fazer-se respeitar pelas outras correntes, impedindo que estas se apoderem da C.G.T., e podem vantajosamente sustentar a luta contra a burguesia.

Separados os sindicalistas dos anarquistas ou os anarquistas dos sindicalistas, o nosso Movimento será absorvido pelos comunistas, pois todas as suas propostas de unidade e colaboração, por mais amigos e sinceros que se mostrem, não visam mais que um fim: o desaparecimento do nosso Movimento, para os comunistas estabelecerem o seu predomínio.

É este, camaradas, o panorama que se oferece neste momento à nossa Organização Confederal.

Através desta simples anunciação se pode ver o enormíssimo perigo que representa uma rutura no nosso Movimento – o Movimento Libertário –, ou seja dentro da C.G.T., mal já agravado com a criação da célebre Comissão Inter-sindical e outras dissenções anteriores.

Em face de tudo isto, camaradas, afigura-se-nos que devemos congregar todos os esforços para que esse perigo desapareça. É preciso conjugarmos todas as nossas energias para que os nossos adversários não possam amanhã apoderar-se da C.G.T. e do nosso jornal “A Batalha”, valendo-se da nossa desunião. Alerta, camaradas. Alerta, que o adversário é activo, tenaz e inteligente. Não é de estranhar que ele busque os meios para estabelecer um choque entre nós. Dividir para reinar! Eis a máxima de todos que pretendem vencer para estabelecerem o seu reinado.

Pensemos, pois, seriamente na responsabilidade que pesa sobre os nossos ombros, se contribuíssemos, porventura, para uma cisão entre nós.

Desde longos anos que combatemos juntos pela mesma causa, desde há muito tempo que o nosso sangue se verte na rua em conjunto, nas barricadas e em todos os locais de luta, morrendo lado a lado, varados pelas mesmas balas assassinas das hostes mercenárias da Burguesia ou abatidos traiçoeiramente pelas febres e outras doenças do clima tropical e doentio das regiões inóspitas da África, de Timor ou do maldito Tarrafal, mil vezes maldito pelas vítimas produzidas entre os nossos camaradas.

Pois bem! Evitemos romper essa união consagrada por tantos anos de luta em conjunto, essa união cimentada sobre tantas dores e tanto sangue vertido! Continuemos irmanados e identifiquemos mais, se é possível, ainda os nossos propósitos de união. Dentro da C.G.T. há lugar para todos desenvolverem a sua actividade e darem expansão ao seu saber e à sua capacidade construtiva e revolucionária. Que é necessário dar mais amplitude à C.G.T.  para que ela possa estar à altura das circunstâncias? Nisso estamos todos de acordo. Unamo-nos, pois, para que isso se faça, para que a C.G.T. viva e se torne cada vez maior, realizando a missão histórica que lhe cabe na obra de transformação económica-social da classe trabalhadora no nosso país. É este o nosso pensamento, neste momento, camaradas. E fiéis a ele, partimos de aqui absolutamente convictos de que amanhã, dentro da C.G.T., não surgirão quaisquer motivos que nos possam separar, tanto na luta pela realização dos nossos ideais, como na luta contra o sistema capitalista.

Partimos de aqui desejosos de contribuir o mais possível para a nossa união. Não alimentamos quaisquer ressentimentos que, porventura, possam impedir a mais estreita e leal colaboração entre todos nós em relação aos futuros trabalhos dentro do nosso Movimento.

São estes, camaradas, os propósitos que nos animam ao sairmos de aqui e que vos fazer conhecer neste momento da nossa despedida do Tarrafal. Recebei, camaradas, as nossas mais fraternais saudações, vossos e da causa, Tarrafal Fevereiro 1945

a) José R. R. e J. C P

(Actualizados vocabulário e pontuação do texto)

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Ficha prisional de José Rodrigues Reboredo

https://digitarq.arquivos.pt/viewer?id=4293448

 

04
Fev22

A Confederação Geral do Trabalho (1919-1927)


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Título: A Confederação Geral do Trabalho (1919-1927)
Autor: Teodoro, José Miguel
Orientador: Ventura, António, 1953-
Palavras-chave: Confederação Geral do Trabalho - História
Sindicalismo - Portugal - 1919-1927
Sindicalismo revolucionário - Portugal - 1919-1927
Sindicatos - Portugal - séc.20
Teses de doutoramento - 2014
Data de Defesa: 2014

 

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Este documento dá conta dos resultados do trabalho de investigação sobre a Confederação Geral do Trabalho (CGT), o organismo de cúpula do sindicalismo português, nos anos de 1919 a 1927. Formada em 1919, no II Congresso Operário Nacional de Coimbra, foi determinada a sua dissolução pelas autoridades após a tentativa de golpe de estado de Fevereiro de 1927. Apresentam-se os antecedentes imediatos da organização, o modelo organizativo que adoptou, o funcionamento dos principais órgãos confederais e a relação com os organismos confederados, o essencial da vida interna destes e a sua participação na actividade confederal; identificam-se organismos, militantes e activistas de referência, a geografia do sindicalismo português, o papel determinante do jornal A Batalha, e os principais eventos, como os três congressos nacionais de sindicatos. Surpreende-se o ambiente social e laboral no país, as principais determinantes da acção sindical e confederal, a militância e a participação; mas também as insuficiências e dificuldades, a repressão e os seus efeitos, os grandes temas fracturantes – as Internacionais sindicalistas, a orientação do sindicalismo (libertário, à margem dos partidos políticos ou irmanado com o Partido Comunista), a táctica sindical e a capacidade e autosuficiência do sindicalismo, ou a participação da CGT em acções e estruturas frentistas unitárias defendidas pelos sindicalistas comunistas. Analisam-se pontos críticos da organização, como a escassez de recursos humanos e financeiros, a redução do efectivo sindicalizado, e apresentam-se momentos graves da organização – a atitude face ao “18 de Abril” e ao “28 de Maio”, o confronto interno entre militantes/activistas sindicais das sensibilidades anarquista e comunista, a expulsão de dirigentes sindicalistas comunistas da CGT em 1921, a saída de sindicatos importantes em 1925, a crise protagonizada por Santos Arranha e Manuel Joaquim de Sousa em 1926, que levou várias Federações a abandonar a organização, o “3-7 de Fevereiro de 1927”.

aqui

04
Fev22

A Batalha e o Suplemento Literário e Ilustrado (1923 - 1927)


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António Baião

Quando surgiram as primeiras notícias sobre a intenção da Comissão Administrativa de A Batalha criar um novo órgão de exposição doutrinária, em Novembro de 1923, a organização anarco-sindicalista encontrava-se diluída numa série de dilemas e contrariedades que enfraqueciam a posição dominante de que gozava no seio do movimento operário, desde a sua fundação em finais de 1919.

O contexto político, não lhe sendo naturalmente favorável, contribuiu para dificultar a acção da Confederação Geral do Trabalho (CGT) e do seu jornal diário. Entre a repressão aos comícios contra a ocupação do Ruhr e as greves em resposta ao encarecimento do pão, ou as perseguições e prisões arbitrárias de camponeses e operários (só o secretário-geral da CGT, José da Silva Santos Arranha, foi encarcerado três vezes), o ano de 1923 não foi propício ao sucesso da actividade propagandística da confederação. Também a sua vida interna agravou esta circunstância. Entre 1921 e o III Congresso Operário Nacional, em Outubro de 1922, a CGT confrontou-se com o abandono de inúmeros militantes e dirigentes que se aproximaram do comunismo, além de ter fomentado e participado activamente na discussão em torno da sua adesão à Associação Internacional dos Trabalhadores de Berlim ou à Internacional Sindical Vermelha (ISV), que contribuiu para a cisão do sindicalismo português e debilitação da sua base hegemónica. Como consequência da posição tomada pelo Conselho Confederal nesta questão, ao favorecer a entrada dos confederados na Internacional de Berlim e alegadamente obstruir o contraditório, que se iria reflectir no Manifesto dos 21, Arranha demitir-se-ia em Novembro de 1923 e, no mesmo mês, o Comité Confederal iria sofrer uma recomposição.

À expansão do primeiro triénio de vida da CGT, sucedia-se um período de menor vigor, com perda de números nas suas fileiras e que se reproduziu também no seu principal órgão na imprensa diária: a partir de 1923, eram cada vez mais as dificuldades em suportar a alegada tiragem diária de 18000 exemplares de A Batalha, o que levou a Comissão Administrativa do jornal a duplicar o preço de 10 para 20 centavos. O valor do jornal não era, porém, o único problema. A própria direcção ideológica não era suficientemente clara e o trabalho propagandístico era considerado defeituoso, pelo que o Conselho Confederal exigiu, em Novembro, que A Batalha assumisse uma orientação sindicalista revolucionária, de acordo com as deliberações do congresso operário do ano anterior, na Covilhã.

Foi neste contexto que nasceu o Suplemento literário e ilustrado de A Batalha, a 3 de Dezembro de 1923, publicado à segunda-feira para garantir a pausa dominical dos tipógrafos e redactores de A Batalha, e que propunha ser o "companheiro intelectual do operário" e levantar a propaganda da Ideia. A impressão era feita numa oficina gráfica na Rua da Atalaia e o preço de venda ao público era de 50 centavos, havendo uma modalidade de assinatura independente da do jornal diário. A segunda-feira era também passada a preparar a expedição postal para os assinantes, incluindo escolas, sindicatos e associações culturais ou recreativas. As suas oito páginas eram destinadas a reflexões teóricas em torno do anarquismo e a artigos de divulgação de cultura libertária. Dedicava, ainda, duas páginas às secções permanentes "O que todos devem saber", com diversas informações para a classe trabalhadora, e "Chico, Zeca & C.ª", destinado aos filhos dos operários. Se o diário A Batalha continuava a ser o espaço reservado ao combate dos trabalhadores e ao noticiário geral, o Suplemento completava a obra do jornal, através da elevação "intelectual, moral e artística" de todos os seus leitores. Gozava, contudo, de relativa autonomia em relação ao jornal, através de financiamento e orçamentação própria, apesar de ser formalmente dirigido pelo redactor principal de A Batalha, que acumulava a direcção do diário com a da nova revista.

À data da edição do primeiro número do Suplemento, foi o compositor tipográfico Carlos José de Sousa que desempenhou essas funções, depois de resistir à crise do mês anterior e após lhe ter sido negado o pedido de demissão pelo Conselho Confederal. Mas apesar da experiência acumulada na direcção de dois jornais de combate laboral (antes de A Batalha tinha exercido cargo semelhante no Avante), Sousa estava fragilizado por ter participado activamente em reuniões "extra-oficiais" com militantes do Partido Comunista Português (PCP), que tinham sido denunciadas pelo próprio Comité Confederal. A inquietação na cúpula da CGT e a sua reorganização interna levam a crer que seria a redacção de A Batalha quem dirigia realmente a nova publicação periódica, até porque tinha partido dela a vontade de iniciar uma revista cultural que colmatasse as lacunas do diário. Por esta razão, o Suplemento foi dirigido, ao que tudo indica, pelo chefe de redacção António Pinto Quartim, o jornalista mais experiente do colectivo responsável pela feitura do periódico.

O semanário alterou a sua designação logo no n.º 14, de 3 de Março de 1924, para Suplemento Semanal Ilustrado de A Batalha. As mudanças na composição editorial da revista não terminariam por aí, pois Carlos José de Sousa demitir-se-ia finalmente em Julho, debilitado pela quebra de confiança da cúpula da CGT e devido à incapacidade demonstrada em responder à instauração de regime censório e apreensões constantes de A Batalha, a partir de Maio, precisamente o mesmo mês em que os seus tipógrafos entraram em greve, reivindicando o pagamento de salários atrasados e incompletos. A alteração só se tornou efectiva em Outubro, quando o Conselho Confederal decidiu seguir a recomendação de Sousa e indicar o secretário-geral da CGT para as funções de direcção dos seus diversos órgãos de imprensa. Assim, o sapateiro Manuel da Silva Campos passou a dirigir o Suplemento a partir do n.º 46, de 13 de Outubro. Caiu a denominação de redactor principal, que é substituída pela figura do director, o que é menos uma formalidade do que se poderia pensar: como Campos admitiu em editorial do diário, a 7 de Outubro, seria menos activo nos trabalhos redactoriais que o seu antecessor, devido aos seus encargos no organismo confederal, pelo que garantiria uma maior independência à equipa de Quartim. Como consequência, o distanciamento de posições entre a Confederação Geral do Trabalho e A Batalha e o Suplemento tornar-se-iam mais evidentes nos meses que se seguiram.

As convulsões internas no país permitiram identificar o posicionamento ideológico do Suplemento: ao mesmo tempo que se opunha à instauração de uma ditadura militar em Portugal, apoiando a organização de diversos comícios, e repudiava os assassinatos de filhos de corticeiros grevistas em Silves, iniciava uma campanha contra os atentados bombistas que assolaram Lisboa entre Julho e Outubro. Para o Conselho Confederal, porém, a propaganda continuava a ser incipiente e o trabalho da redacção de A Batalha foi censurado, principalmente pelo espaço noticioso que era atribuído à União dos Interesses Sociais, à qual a CGT decidiu não dar o seu apoio formal, e ao assumir uma "atenciosa expectativa" em relação ao governo da esquerda democrática, de José Domingues dos Santos. A clivagem entre A Batalha e o Comité Confederal, por um lado, e o Conselho Confederal, por outro, agravar-se-ia após o 18 de Abril, quando o Conselho repudiou a posição de Silva Campos, ao empurrar a CGT para uma frente unida das esquerdas contra os golpistas. Em Julho, demitiu-se das suas funções de director de A Batalha, depois do seu administrador, Artur Aleixo de Oliveira, referir que o Suplemento não tinha correspondido às necessidades de propaganda para as quais tinha sido criado. Foi substituído no mesmo mês pelo ex-secretário-geral Santos Arranha, que passava a coordenar toda a imprensa da CGT.

A partir do n.º 86, de 20 de Julho de 1925, era já o nome de Arranha que surgia no cabeçalho do Suplemento. O novo director exerceria as funções a tempo inteiro, pelas quais seria remunerado. A sua eleição teve o propósito de impor uma linha ideológica intransigente e de restringir a autonomia da redacção liderada por Quartim, eliminando os desvios que se tinham verificado nos dois anos anteriores, além de executar uma "acção defensiva, franca e aberta, contra as manobras divisionistas do proletariado" conduzidas pelo jornal A Internacional, órgão da esfera de influência da ISV e do PCP. O conflito interno na CGT entre a maioria anarquista e a minoria comunista, que em 1923 tinha sido alvo de intenso escrutínio, ter-se-ia agravado e Arranha foi o escolhido para resolver esta divergência na imprensa confederal.

Os meses seguintes foram ainda marcados por outras contrariedades que debilitaram a CGT, A Batalha, o Suplemento e a recém-criada Renovação. O IV Congresso Nacional Operário, em Setembro, marcou a saída definitiva da Federação Marítima da confederação, o que resultaria numa perda de militância significativa, que também foi o efeito provocado pela vaga de deportações e prisões arbitrárias de trabalhadores. A repressão aumentou e, logo em Outubro, as instalações no 2º andar do 38-A da Calçada do Combro foram assaltadas pelas forças policiais. Na sua imprensa, o perigo fascista e a ditadura das forças vivas eram analisados pelos seus articulistas, mas, a partir de Fevereiro de 1926, os destaques de primeira página destinaram-se a cobrir o escândalo financeiro do Banco Angola e Metrópole. Estas reportagens de Mário Domingues contribuíram para um provável aumento das vendas de A Batalha, sem contudo alcançar os 6000 exemplares de tiragem do ano anterior. Mas o favorecimento deste tipo de conteúdo noticioso desagradou ao Conselho Confederal, que pretendia que os órgãos da imprensa cegetista se focassem na propaganda activa da Ideia e da revolução proletária.

A orientação de A Batalha voltou a ser posta em causa pela cúpula da CGT, principalmente aquando da publicação de artigos intitulados "Problemas sindicais", em Maio de 1926, que foram considerados um meio para Arranha se intrometer nas questões de organização sindical, fora das suas competências enquanto director da imprensa. Em Agosto, o antigo director do diário Manuel Joaquim de Sousa deu uma entrevista ao Diário de Lisboa, referindo-se "às crescentes intrigas" que partiam da redacção e aos "deslizes crescentes de A Batalha", que só contribuíam para destabilizar a vida interna da organização confederal. Mas com o eclodir do 28 de Maio, as divergências entre Santos Arranha e Manuel Joaquim de Sousa tornaram-se mais evidentes e escalaram até a demissão do primeiro, depois de lhe ter sido atribuído a responsabilidade de definir a posição da CGT, perante o golpe militar, como expectante e neutral, quando o Comité Confederal tinha já dado indicações para que se proclamasse a greve geral revolucionária em A Batalha de dia 29.

Ao lado de Sousa encontravam-se a União Anarquista Portuguesa, as Juventudes Sindicalistas e o jornal O Anarquista, dirigido por Francisco Quintal e apoiado por alguns militantes que lhe eram próximos: Emídio Santana, Adriano Botelho e Germinal de Sousa, filho do ex-secretário-geral. Logo em Abril, o periódico lançou um ataque violento à orientação da imprensa cegetista, questionando se o Suplemento se tratava de um museu de variedades, no seguimento da publicação de um artigo de César Porto sobre a instrução soviética. Em Julho, as críticas estenderam-se à restante redacção, que apoiou Arranha no diferendo com a CGT. Em causa estavam os salários auferidos pelos "profissionais do jornalismo" de A Batalha e que a afastavam da sua direcção revolucionária. Dois dias depois, Ferreira de Castro, Jaime Brasil, Pinto Quartim e Eduardo Frias responderam a este "insulto soez", abandonando o Suplemento e restantes publicações periódicas. Só Castro regressaria, já em Setembro e sem Arranha na direcção. Foi substituído por Joaquim de Sousa a partir do n.º 144, aquele que seria o primeiro de dois directores interinos da revista.

Agosto terminou com a necessidade de composição de um novo Conselho Confederal que só tomou posse em Novembro. Até lá, A Batalha e a sua revista semanal foram geridas pela redacção neste período transitório, supondo-se que o director interino teria um papel de coordenação mais limitado. Ao contrário de Quartim, que ao que tudo indica não regressou aos escritórios na Calçada do Combro após a polémica em que se viu envolvido com O Anarquista, Mário Domingues, Alfredo Marques, Cristiano Lima e David de Carvalho mantiveram-se na redacção. Os "rapazes" tornaram-se os novos coordenadores do diário e do Suplemento. As primeiras alterações fizeram-se sentir logo no título do semanário, que do n.º 145 em diante, passou a designar-se Suplemento Literário Ilustrado de A Batalha.

Em plena ditadura militar, a CGT continuou focada na resolução do clima de crispação interna. A eleição do novo Conselho Confederal resultou no abandono das Federações do Livro e do Jornal, Metalúrgica, Mobiliária e Vinícola, conflito que nunca terá sido superado, mas apenas abafado pelo empreendimento reviralhista de Fevereiro de 1927. Para agravar a situação, o diário A Batalha passava por um grave crise financeira, apesar dos impressionantes 18000 escudos angariados em Novembro, após uma campanha de solidariedade. Apesar do diário apresentar contas deficitárias, a situação do Suplemento era bem diferente, apresentando um lucro de 6789$86 quando deixou de se editar.

Assim, o período de reformulação do Conselho Confederal e a reorientação da linha editorial de A Batalha tornaram a vida confederal insustentável. Os últimos meses de vida do diário e da revista revelavam isso mesmo: a direcção interina do jornal e do seu Suplemento voltou a mudar, quando Joaquim de Sousa foi substituído por Alberto Dias - à época secretário das Federações no novo Secretariado eleito - em Dezembro. Desempenhou essas funções durante a edição de apenas cinco números do Suplemento (n.ºs 159 a 163), quando deu o seu lugar ao ferroviário Mário Castelhano. Com a chegada do novo director, Carlos Maria Coelho abandonou o cargo de editor, depois de o ter exercido durante 163 números. Para acompanhar Castelhano nos derradeiros três números, foi nomeado Silvino Noronha. A nova equipa mandatada pela cúpula da CGT demorou-se pouco tempo no cargo, pois o Suplemento cessaria a publicação a partir do n.º 166, de 31 de Janeiro de 1927.

A repressão da revolta de Fevereiro de 1927 dirigiu as forças policiais para as instalações da CGT partilhadas com a redacção de A Batalha. Operários, tipógrafos e redactores foram encarcerados e o jornal foi proibido por decisão administrativa. O diário voltou a editar-se em Abril, mas o Suplemento tinha deixado de existir, apesar da vontade de Castelhano em retomar a sua publicação. A nova vida do jornal, porém, não seria longa e reduzida ficaria pelo assalto policial de 2 de Novembro ao palácio Marim-Olhão, que destruiu a tipografia, as instalações da Federação da Construção Civil e da secção editorial, apreendendo todo o acervo propagandístico e editorial da empresa. Nada mais restava à Batalha que sobreviver na clandestinidade, através do esforço e resiliência de militantes dedicados.

aqui

04
Fev22

O sindicalista José Santos Arranha (1891-1962)


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Santos Arranha foi uma figura cimeira na história do sindicalismo português, apesar de, por diversas vezes, ter estado envolto em polémica. Secretário-geral da CGT e, depois, director do jornal diário "A Batalha" por ocasião do golpe militar de 28 de maio de 1926 foi responsabilizado por alguma tibieza que se terá verificado na reacção ao golpe por parte do diário confederal. Já antes fora acusado por alguns sectores libertários e anarco-sindicalistas de, através de uma série de artigos no jornal, contestar a direcção da central sindical e permitir a publicação de artigos discordantes da linha oficial da CGT. Apesar das polémicas, Emídio Santana define-o nas suas "Memórias...." "como um militante inconfundivelmente anarco-sindicalista".

*

No dia 24 de Fevereiro de 1962, falecia em Lisboa uma figura cimeira do sindicalismo português.

Sob o peso da censura de uma ditadura de tipo fascista, os jornais do dia seguinte não disseram nada.

Mas quem ia a enterrar era um antigo secretário-geral da CGT (Confederação Geral do Trabalho). E antigo director do diário sindicalista A Batalha.

Era um homem que havia sido preso político pelo menos seis vezes, mas que permaneceu fiel aos seus ideais até ao final da vida. Era anarquista. Ou “socialista-libertário”, como gostava de dizer.

E tinha sido também colaborador da A Voz do Operário.

Operário marceneiro

Filho de um ferroviário, José da Silva Santos Arranha nasceu a 3 de janeiro de 1891, na então vila de Caldas da Rainha.

Tornou-se operário marceneiro e rumou a viver para Lisboa, onde viria a casar com uma operária tabaqueira.

E aqui se salientou nas lutas sindicais, no período da 1ª Guerra Mundial. Foi aliás nessa altura, em 1916 e 1917, que colaborou no principal jornal operário que existia em Portugal: A Voz do Operário, então com edição semanal de 60 mil exemplares.

Neste jornal, Santos Arranha expôs duas lutas concretas do seu sector profissional. A primeira em torno do horário de trabalho, procurando conquistar um limite diário de 9 horas. A segunda por questões salariais, tentando recuperar poder de compra face à elevada inflação que se registava à época.

Os sindicato únicos

Alguns anos depois, em 1920, Santos Arranha destacou-se num processo de reorganização sindical que passou pela criação dos então chamados “sindicatos únicos”. Tratava-se de reunir trabalhadores do mesmo ramo de actividade que anteriormente estavam divididos em diferentes sindicatos de ofícios especializados.

No caso de Santos Arranha, a sua antiga Associação de Classe dos Operários Marceneiros de Lisboa aderiu ao novo Sindicato Único da Indústria Mobiliária de Lisboa. Santos Arranha foi um dos fundadores deste novo sindicato e um dos seus primeiros dirigentes, responsável pela “caixa de solidariedade e Bolsa de Trabalho”.

No final desse ano de 1920, ele foi também um dos fundadores da Federação Nacional dos Operários da Indústria de Mobiliário. 

A CGT

No congresso operário realizado em Outubro de 1922, na Covilhã, Santos Arranha foi eleito secretário-geral da central sindical CGT. E exerceu esse cargo durante um ano.

Uma preocupação central da CGT nesse período foi o agravamento do custo de vida. Para se ter uma ideia, até o governo republicano dizia que “a carestia dos géneros de primeira necessidade” atingia preços “exorbitantes” e que era “verdadeiramente aflitiva a situação de milhares de consumidores”. Mais reconhecia que existiam muitos “casos de exploração intensamente gananciosa” e de lucros “excessivos” que estavam “semeando a miséria” [Diário do Governo (1ª série), 21/10/1922].

Neste contexto, foi prioritária a luta pela recuperação de salários. Mas essa luta viu-se confrontada com outro problema, a repressão política sobre a classe trabalhadora: activistas presos, imprensa apreendida, sindicatos temporariamente encerrados, reuniões dissolvidas… Só no período em que Santos Arranha foi secretário-geral da CGT, ele próprio foi duas vezes preso, ambas quando participava em pacíficas reuniões sindicais.

Na acção da CGT nesse período é de salientar o trabalho de solidariedade com trabalhadores em luta. “Em Outubro de 1922 os mineiros de Aljustrel declaram-se em greve, reclamando melhores salários, luta que sustentaram ininterruptamente até Janeiro seguinte”. A CGT organizou então o acolhimento temporário dos filhos destes trabalhadores em famílias de Beja e Lisboa, “para subtraí-los à fome e ajudar os pais na sua luta”.

O processo repetiu-se em Lisboa e no Porto para apoiar trabalhadores em greve na Covilhã e S. Pedro da Cova. Acolhendo no total algumas centenas de crianças.

Como sublinharia Emídio Santana, estes “foram actos de solidariedade de um grande significado e demonstrativos das energias morais do movimento” [Santana (1987), Memórias de um militante anarco-sindicalista].

Em Outubro de 1923, Santos Arranha demitiu-se da liderança da CGT, no quadro das discórdias que à época dividiram o movimento sindical português. Discórdias sobretudo entre a corrente anarquista e a corrente comunista, mas também a nível interno da corrente anarquista.

No verão de 1925, Santos Arranha voltou à linha da frente como director do ‘órgão central’ da CGT, o jornal A Batalha. Cargo do qual de novo acabou por se demitir ao fim de um ano e pelas mesmas razões.

Fascismo

Na fase que Santos Arranha dirigiu A Batalha, esse jornal marcou posição na denúncia e no apelo à luta contra a ameaça de uma ditadura militar e do fascismo. Uma ameaça bem real, que se concretizou com o golpe militar de 28 de Maio de 1926.

Em 1927, A Batalha foi encerrada, a CGT foi forçada à clandestinidade e Santos Arranha foi mais uma vez preso político. Viu-se depois constrangido a sair do país. Na década de 1930 viveu na Bélgica, onde integrou um sindicato de operários da construção civil.

Terá regressado a Portugal em 1939, para escapar à invasão nazi [segundo João Freire/Maria Alexandre Lousada (2013), Roteiros da memória urbana – Lisboa: marcas deixadas por libertários e afins ao longo do século XX].

Na década de 40, Santos Arranha foi militante de um grupo anarco-sindicalista clandestino: o grupo «Esperança». E quando faleceu ainda participava numa “tertúlia” que reunia velhos sindicalistas.

(aqui)

04
Jan22

MORTOS NO TARRAFAL: COMUNICADO DA CGT E DA FARP (1938)


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Este documento é um “Manifesto” datilografado com carimbo da Confederação do Trabalho de Portugal (CGT) e da Federação Anarquista da Região Portuguesa (FARP), intitulado: “Quadro Negro do Campo de Concentração de Cabo Verde / A Semana Trágica / A lista Macabra dos Mortos que Reclamam Vingança”. O manifesto refere os nomes, profissões, localidade, idade dos prisioneiros – comunistas, socialistas e libertários – detidos e falecidos sem assistência médica, na Colónia Penal, permitida pelo capitão Manuel Martins dos Reis, apodado de «tarado», e do médico assistente Esmeraldo Prata, alcunhado «o chacal», entre 20/9/1937 e 29/10/1937. Este documento destaca os primeiros 7 mortos no  Campo do Tarrafal. No total, até 1954, passaram pelo Campo 340 presos políticos portugueses, dos quais 32 morreram ali. (através de Fernando Mariano Cardeira )

******************

“QUADRO NEGRO DO CAMPO DE CONCENTRAÇÃO DE CABO VERDE

A SEMANA TRÁGICA

A LISTA MACABRA DOS MORTOS QUE RECLAMAM VINGANÇA

1º – Pedro Matos Felipe, descarregador de Almada, 32 anos de idade, falecido em 20/9/37 (Libertário);

2º – Francisco José Pereira, marinheiro de Lisboa, 29 anos, falecido em 20/9/37 (Comunista);

3º Augusto Costa, vidreiro da Marinha Grande, 36 anos, falecido em 22/9/37 (Comunista);

4º – Francisco Domingos Quintas, cortador de Gaia, 48 anos de idade, falecido em 22/9/37 (Socialista);

5º – Rafael Tobias da Silva, relojoeiro de Lisboa, 27 anos, falecido em 22/9/37 (Comunista);

6º – Cândido Alves Barjas, marinheiro de Castro Verde, 27 anos, falecido em 24/9/37 (Comunista)

7º – Augusto Belchior, polidor de mármore do Porto, de 40 anos, falecido em 29/10/37 (Libertário)

Os primeiros seis camaradas faleceram, como se vê, de 20 a 24 de Setembro de 1937, e foram vítimas do criminoso abandono dos dirigentes da Colónia Penal, o ditador capitão Manuel Martins dos Reis, e o médico assistente Esmeraldo Prata.

ESTIVERAM MAIS DUM MÊS SEM ASSISTÊNCIA MÉDICA E SEM UM ÚNICO MEDICAMENTO, pois nem sequer havia um comprimido de quinino no acampamento.

Perto de duzentos homens estiveram à mercê do tempo durante a estação mais doentia de África (Agosto a Outubro). Exceptuando dois, foram todos atacados com febres de 40 a 41 graus, sendo simplesmente tratados a água, morrendo os 7 acima mencionados. O primeiro duma diarreia de sangue, sem tratamento, e os restantes quási todos da terrível perniciosa.

Está satisfeito o ódio dos carrascos desses presos indefesos, mas só em parte, porque o seu desejo era vê-los todos mortos.

É esta a bondade da civilização cristã tão enaltecida pela imprensa portuguesa e pelo doce Patriarca em todas as suas perlengas aos homens de boa vontade da grei, como o tardado Manuel Martins dos Reis e o chacal Esmeraldo Prata!

Estes santos acham, porém, tudo isto pouco, e por isso ainda querem implantar entre nós a odiosa pena capital.

PROLETARIADO PORTUGUÊS! É necessário pôr-se imediatamente um fim a estas atrocidades. Exigi sem demora a libertação dos presos, que se encontram em Cabo Verde e em todos os presídios do nosso país e colónias!

A C.G.T. e a F.A.R.P.”

Aqui: https://digitarq.arquivos.pt/viewer?id=3889674

16
Nov21

Participação anarquista e anarco-sindicalista na manifestação do 1º de Maio de 1974


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Os anarquistas e membros da antiga CGT anarco-sindicalista, José Francisco e Acácio Tomás Aquino, na manifestação do 1º de Maio de 1974, na Avenida Almirante Reis, transportando a bandeira do Sindicato Único das Classes Metalúrgicas de Lisboa (a que também pertenceu Emidio Santana), aderente à CGT, e que Aquino conservou e guardou durante várias dezenas de anos, apesar da fúria repressiva das forças policiais do Estado fascista que apreendeu o mais diverso material dos sindicatos anarquistas, para além do roubo das suas sedes e da prisão dos seus principais dirigentes e militantes.

21
Out21

VALENTIM ADOLFO JOÃO: “NÃO TENHO VAGAR AMOR”


BNP N61 CX 58 F14

Esta fotografia pessoal de Valentim Adolfo João foi conservada por Emídio Santana, que a entregou ao Arquivo Histórico-Social (AQUI)

Valentim Adolfo João (30 de Março de 1902-29 de Janeiro de 1970) foi um destacado dirigente do Sindicato dos Mineiros (primeiro da Mina de São Domingos, depois de Aljustrel). Anarcosindicalista, participou em 1932 na última grande greve dos mineiros da Mina de São Domingos, , tendo sido o último destes a ser libertado das prisões políticas da ditadura, nos anos 60, neste caso, do forte de Peniche. Preso em 1924 por lançamento de bomba. Delegado ao Congresso Operário de 1925. Membro do Grupo de Propaganda e Estudos Sociais da Mina de S. Domingos (1923/33). Participa na Conferência Anarquista do Sul de 1925 – UAP (AQUI)

Relativamente a Valentim Adolfo João há uma referência em José Correia Pires, no livro ““Memórias de um prisioneiro do Tarrafal” (1975), em que este anarquista conta a sua fuga do Algarve, nas vésperas do 18 de Janeiro de 1934, a caminho de Espanha. De Beja passa à Mina de São Domingos e à fronteira. “Na fronteira descalcei-me, arregacei as calças e com a companhia de um camarada de nome António Patrício, irmão do velho militante anarquista Valentino Adolfo João, excelente camarada e envolvido mais tarde no atentado a Salazar, esteve preso mais de uma dezena de anos e faleceu há cerca de três. Valentim Adolfo João estava fixado a umas dezenas de quilómetros da fronteira e fui dirigido a ele. Ali o encontrei feito agricultor, vivia com a mulher e filhos numa barraca de vime. Já nos conhecíamos por correspondência, mas quando o vi, cabeleira ao alto e desenvolta, lembrei-me da «Cabana do Pai Tomás», e Valentim dava na verdade uma excelente figura de romance. Fazia a sua sementeira e era um autêntico camponês. Fiquei ali um dia e uma noite e recordo-me que ele gozava ali de bom ambiente, nessa noite fomos visitados por uma patrulha da guarda fiscal ou os chamados «carabineiros», que decerto modo me vieram a ser úteis para a minha introdução em Espanha!… (aqui)

Também o escritor Modesto Navarro que encontrou o irmão, Patrício, em Aljustrel, já na década de 70, escreve sobre Valentim Adolfo João no seu livro “Poetas Populares Alentejanos”. Apesar de várias inexactidões (o atentado a Salazar foi em 1937 e não em 1933 como refere Modesto Navarro. Valentim Adolfo João morreu em Janeiro de 1970 e não em 1971), eis o texto de Modesto Navarro com umas “quadras” atribuidas a Valentim Adolfo João.

“Quando do atentado contra Salazar, em 1933, [esta data não está correcta. O atentado a Salazar, levado a cabo por um conjunto de anarquistas e de outros antifascistas deu-se  a 4 de Julho de 1937 – nota de Portal Anarquista] Valentim Adolfo João, na altura presidente do Sindicato dos Mineiros de Aljustrel, foi acusado pela PVDE (aquela que viria a ser a PIDE) de ter fornecido o dinamite. Sabe-se hoje que os fascistas aproveitaram esse acontecimento para perseguirem e prenderem muitos democratas. A partir daí, Valentim Adolfo João andou com um nome suposto (José Dias) até 1946, data em que foi reconhecido em Setúbal. Condenado a 28  anos de prisão, foi libertado quase no fim da década de 1960/1970,  já completamente destruído. Veio a morrer por volta de 1971.  É seu irmão, o sr. Patrício, que nos diz estas décimas em Aljustrel, explicando que, na  altura em que Valentim Adolfo João as fez, organizava o sindicato com outros mineiros.

Namorava uma moça com a sua idade, dezanove anos, e um dia ela queixou-se da pouca  atenção que lhe dedicava: – «Passa-se uma noite, passa-se outra, e tu sem apareceres…»  Ao que Valentim Adolfo João respondeu:

Não tenho vagar amor
para te dar atenção
tenho muito que fazer
na minha Associação

É meu desejo transformar
esta pobre sociedade
que semeia a iniquidade
para nos escravizar
temos muito que lutar
com força audácia e valor
para extinguirmos a dor
a miséria e o sofrimento
e por isso neste momento
não tenho vagar amor

Se a vida fosse a sorrir
se de encantos fosse o viver
e se num breve alvorecer
a luta nos redimir
então poder-te-ei garantir
imorredoira afeição
mas enquanto a escravidão
produzir mal e desgosto
não posso fugir do posto
para te dar atenção

Olha para todo o mundo
verás tanta dor tanta desgraça
eu amo a beleza, amo a graça
amo o bem-estar profundo
o capital iracundo
procura nos perverter
mas nós havemos de vencer
apeando os comodistas
e amando os idealistas
tenho muito que fazer

Sociedade corrompida
teus erros são vis e sicários
aleivosos, argentários
que nos negam o direito à vida
e eis porque minha querida
distraio a atenção
e para acabar a escravidão
eu prego por toda a parte
construindo um baluarte
a minha associação”

(Texto retirado da obra “Fado Operário no Alentejo, séculos XIX – XX” de Paulo Lima, 2004, ed. Tradisom, Vila Verde, pp. 90 e 91. 2)

aqui: https://colectivolibertarioevora.wordpress.com/2013/02/02/valentim-adolfo-joao-nao-tenho-vagar-amor/

21
Out21

Jaime Rebelo, o anarquista da boca cerrada


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A 22 de Dezembro de 1900 nascia em Setúbal o anarcosindicalista e resistente antifascista Jaime Rebelo. Pescador e marítimo de profissão, ainda jovem aderiu à Confederação Geral do Trabalho (CGT), da qual foi um dos principais responsáveis em Setúbal. Viveu a maior parte da sua vida em Cacilhas. Como militante anarco-sindicalista foi um dos animadores, com Francisco Rodrigues Franco, da Associação de Classe dos Trabalhadores do Mar de Setúbal, mais conhecida por  “Casa dos Pescadores”, que foi encerrada na sequência do golpe de Estado de 28 de Maio de 1926 e da qual conseguiu salvar documentação importante.

Em 1931, em consequência da chamada “Greve dos 92 dias” , foi preso e torturado pela PIDE. Durante os interrogatórios, cortou a língua para evitar falar e denunciar os companheiros. Há duas versões: uma, com os próprios dentes; outra, entre dois interrogatórios, com uma lâmina que trazia escondida no tacão dos sapatos. Sabendo deste facto, o escritor Jaime Cortesão dedica-lhe um dos seus poemas mais belos (ver mais abaixo) – o Romance do Homem da Boca Cerrada. Este poema circula clandestinamente durante toda a ditadura salazarista e foi publicado em 1937 no jornal comunista “Avante”, que procurava, nessa altura, forçar uma política de Frente Popular.

Uma vez em liberdade e vitima de perseguições constantes emigrou para Espanha. Ali filiou-se na CNT anarcosindicalista e durante a Revolução Espanhola fez parte das milícias confederais e comandou uma unidade que combateu na frente meridional. Com o triunfo fascista em Espanha, foi para França, voltando depois a Portugal onde continuou a lutar contra a ditadura do Estado Novo, ganhando a vida a partir de 1968 como revisor do jornal “A República”, ao lado do também anarquista Francisco Quintal.

Depois do 25 de Abril presidiu à primeira Assembleia Geral da restituída “Casa dos Pescadores” e participou na constituição da Cooperativa Editora de “A Batalha”, antigo jornal diário da CGT. Membro activo do Movimento Libertário Português (MLP) participou na criação do jornal “A Voz Anarquista”, editado pelo Centro de Cultura Libertária de Almada. Jaime Rebelo morreu a 7 de Janeiro de 1975. O historiador César de Oliveira dedicou-lhe um estudo “Jaime Rebelo: um homem para além do tempo”, publicado em Março de 1995 na revista História. No bairro de São Julião, em Setúbal, há uma avenida com o seu nome.

 Romance do Homem da Boca Cerrada

– Quem é esse homem sombrio
Duro rosto, claro olhar,
Que cerra os dentes e a boca
Como quem não quer falar?
– Esse é o Jaime Rebelo,
Pescador, homem do mar,
Se quisesse abrir a boca,
Tinha muito que contar.

Ora ouvireis, camaradas,
Uma história de pasmar.

Passava já de ano e dia
E outro vinha de passar,
E o Rebelo não cansava
De dar guerra ao Salazar.
De dia tinha o mar alto,
De noite, luta bravia,
Pois só ama a Liberdade,
Quem dá guerra à tirania.
Passava já de ano e dia…
Mas um dia, por traição,
Caiu nas mãos dos esbirros
E foi levado à prisão.

Algemas de aço nos pulsos,
Vá de insultos ao entrar,
Palavra puxa palavra,
Começaram de falar
– Quanto sabes, seja a bem,
Seja a mal, hás de contá-lo,
– Não sou traidor, nem perjuro;
Sou homem de fé: não falo!
– Fala: ou terás o degredo,
Ou morte a fio de espada.
– Mais vale morrer com honra,
Do que vida deshonrada!

– A ver se falas ou não,
Quando posto na tortura.
– Que importam duros tormentos,
Quando a vontade é mais dura?!

Geme o peso atado ao potro
Já tinha o corpo a sangrar,
Já tinha os membros torcidos
E os tormentos a apertar,
Então o Jaime Rebelo,
Louco de dor, a arquejar,
Juntou as últimas forças
Para não ter que falar.
– Antes que fale emudeça! –
Pôs-se a gritar com voz rouca,
E, cerce, duma dentada,
Cortou a língua na boca.

A turba vil dos esbirros
Ficou na frente, assombrada,
Já da boca não saia
Mais que espuma ensanguentada!

Salazar, cuidas que o Povo
Te suporta, quando cala?
Ninguém te condena mais
Que aquela boca sem fala!

Fantasma da sua dor,
Ainda hoje custa a vê-lo;
A angústia daquelas horas
Não deixa o Jaime Rebelo.
Pescador que se fez homem
Ao vento livre do Mar,
Traz sempre aquela visão
Na sombra dura do olhar,
Sempre de boca apertada,
Como quem não quer falar.

Jaime Cortesão

aqui: https://colectivolibertarioevora.wordpress.com/2012/12/18/memoria-libertaria-jaime-rebelo/

20
Out21

MINA DE SÃO DOMINGOS: MISÉRIA E LUTA DE GERAÇÕES


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MINA DE SÃO DOMINGOS – 189? – A LA MINUTE (FOTÓGRAFO DE RUA) [FONTE: ANTÓNIO PACHECO] (AQUI)

 

Albino Forjaz Sampaio foi um jornalista e escritor republicano do início do século XX. Colaborou no jornal A LUTA, com Fialho de Almeida e Brito Camacho, a quem dedicou o livro “Crónicas Imorais”, editado em 1909 e que num dos capítulos aborda a situação dos mineiros de São Domingos, a propósito de uma greve dos 3 mil trabalhadores da empresa, propriedade de uma companhia inglesa, que transformara todo o couto mineiro numa verdadeira prisão, com polícia própria. São páginas que demonstram a miséria e a exploração que os trabalhadores mineiros viviam em São Domingos e que levaria a que esta mina do Baixo Alentejo fosse, já na República, um dos bastiões da organização sindical, com um forte sindicato dos mineiros integrando a CGT anarcosindicalista.

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BNP N61 CX 58 F14

Valentim Adolfo João (30 de Março de 1902-29 de Janeiro de 1970)

A última grande greve em São Domingos registou-se em 1932, tendo havido uma violenta repressão subsequente em que os elementos mais destacados foram perseguidos, presos e despedidos da mina. A partir daí a presença anarquista e anarcosindicalista em São Domingos começou a decrescer. O último dirigente sindical anarquista – foi presidente do Sindicato dos Mineiros – Valentim Adolfo João era natural da Mina de São Domingos e esteve preso até quase ao final da década de 60, acusado de ter fornecido explosivos para o atentado a Salazar.

“AO PROLETARIADO: A CONFEDERAÇÃO GERAL DO TRABALHO E A GREVE NAS MINAS DE S. DOMINGOS”

(Apelo à solidariedade feito pela CGT, em 1932, quando a greve dos mineiros de São Domingos já durava há um mês)

cartaz CGT

aqui: https://colectivolibertarioevora.wordpress.com/2013/01/25/mina-de-sao-domingos-miseria-e-luta-de-geracoes/

19
Out21

18 DE JANEIRO DE 1934: DEPOIMENTO COLECTIVO DE DIVERSOS MILITANTES CONFEDERAIS LIGADOS À SUA ORGANIZAÇÃO


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Em mais um aniversário do levantamento dos trabalhadores portugueses contra o fascismo, a 18 de Janeiro de 1934, organizado pela CGT anarcosindicalista e por outros elementos ligados ao movimento sindical, reproduzimos um texto da autoria de um grupo de militantes confederais com responsabilidades no movimento e que, na sua maioria, foram por isso deportados para o Tarrafal. O texto foi escrito e publicado já depois do 25 de Abril de 1974, numa altura em que o PCP tentou recuperar para si a organização deste movimento que teve dimensão nacional, mas em que a insurreição operária apenas teve visibilidade nalguns locais mais circunscritos: Silves, Almada, Sines, Marinha Grande, etc.. (colectivo libertário de évora)

Como a verdade ressalta

Com a prisão, julgamentos e deportação para o Tarrafal dos elementos que participaram no 18 de Janeiro e o período de intensa repressão que se seguiu e veio a agravar-se com a eclosão da guerra civil de Espanha, o acontecimento cobriu-se de esquecimento que se prolongou por quarenta anos.

Na altura o 18 de Janeiro veio a público apenas na versão dos comunicados oficiais e com os ataques da Imprensa. A verdade dos acontecimentos, dos seus objectivos e da sua organização e preparação ficou oculta.

Algum tempo mais tarde, de vez em quando, o partido comunista foi insinuando as suas versões do 18 de Janeiro, apropriando-as com a sua técnica stalinista de história controlada e pré-fabricada ao modo conveniente, à formação da auréola de «partido da resistência» que foram criando, até muito especialmente coma ajuda da propaganda reaccionária, do seu «papão comunista», ou na costumada expressão de Salazar insistindo no «perigo do comunismo internacional».

Necessariamente, para criar credibilidade e como base técnica da sua habitual propaganda, teriam de eliminar, denegrindo e insultando com o seu indispensável apodo de traidores, os homens e as organizações não comunistas que na verdade organizaram e sustentaram a luta, cujos méritos e feitos ainda não foram devidamente apreciados.

Bento Gonçalves, que nessa altura era o secretário-geral do partido comunista, construiu esse processo de adulteração histórica, anos depois e já na deportação, escrevendo um folheto intitulado «Duas Palavras», partindo dum ataque demolidor dos objectivos e acções do movimento, mistificando os factos e disfarçando uma acção reformista por certo calculada, embora numa aparência perfeitamente infantil, terminando por demegrir o movimento classificando-o de «pura anarqueirada».

O partido comunista sob a sua chefia opunha-se ao 18 de Janeiro como movimento de greve geral revolucionária, como acção personalizada da organização sindical, porque afinal queriam converter todas as manifestações ao domínio do partido. Todavia, nessa altura, o partido não estava apto a exercer esse liderismo pois atravessava uma crise interna bastante profunda e confessa.

É Bento Gonçalves que nos diz:«No Partido o ambiente geral era de fuga para as acções isoladas. A maior parte dos camaradas de base do Partido, aliás cheios de denodo revolucionário e cuja sinceridade proletariana ninguém ainda pôs em dúvida, eram novos e desprovidos da mínima experiência sobre a actividade sindical e sobre os métodos sãos da táctica do movimento operário. No Comité Regional de Lisboa se criou a tendência geral para a acção directa. Em quase todos os outros sítios a situação era idêntica (…) E entretanto era absolutamente necessário vir a público para resolver a questão no interior do Partido, todas em quase todos os escalões pro essa duplicidade de táctica».

Ao escrever as «Duas Palavras» Bento Gonçalves teria de fazer derivar o imperativo da luta para hipóteses diferentes da greve geral que cobrissem a debilidade que estavam sofrendo, mas não só, para aproveitarem uma passagem suave a um sindicalismo corporativista no qual se instalassem sem dificuldades introduzindo a influência do partido. E define a posição: «Colocámo-nos no terreno da utilização das condições legais. Qualquer forma de luta ilegal ainda aí nem sequer era frisada, nem mesmo subentendidamente. Dizíamos, em substância, que os sindicatos ainda se regiam pelo velho alvará (1). Era portanto necessário lutar sobre essa base. Convocar reuniões de assembleias gerais com o fim de levar os trabalhadores a votar contra o Estatuto do Trabalho Nacional. O que era preciso patentear bem alto e bem publicamente que os trabalhadores estavam contra a fascização dos Sindicatos, que continuavam a dispor do direito de organização independente»`.

Até ao 18 de Janeiro ninguém teve a idiotia de propor a realização de assembleias para impedir a fascização dos sindicatos; a ideia é divulgada mais tarde para dar a justificação da tal  utilização das condições legais. Tal intenção seria simplesmente inexequível, porque seria para a polícia a melhor forma de poder identificar quem se opunha à legislação fascista e de poder conhecer a movimentação em preparação.

Ao partido interessava a esterilização dos sindicatos enraizados nas tradições de luta dos trabalhadores e experimentados na sua autonomia em relação ao Estado, aos partidos e ao jogo parlamentarista. O estrangulamento e a subalternização dos sindicatos permitiria, como veio a permitir depois do 25 de Abril, que qualquer partido marxista ou similar pudesse liderar as classes trabalhadoras e integrá-las no sistema político e económico.

Noutro passo podemos ainda ler: “Dum modo geral, desde Setembro de 1933 até à data da eclosão do movimento, os militantes sindicais cristalizam-se em volta da preparação do movimento grevístico e sedicioso, mandando ao diabo a questão das assembleias e das formas de protesto público de massas contra as medidas eminentes».

Conclui-se que na cúpula do partido se optava por uma forma de protesto simbólica abrindo passagem à adaptação sindical. E prossegue: «Entre os trabalhadores do Estado parece que só o Sindicato do Pessoal do Arsenal de Marinha efectuou uma assembleia, aliás largamente assistida de reprovação do ENT. Porém, mesmo neste sindicato, ainda nos recordamos do trabalho e das imposições a militantes que foi necessário fazer para conseguir a convocação da tal assembleia.»

Bento Gonçalves foi operário do Arsenal da Marinha; é estranho que diga parece que só o Sindicato do Pessoal da Marinha (o sublinhado é nosso) e por outro lado recorde das imposições a militantes (o sublinhado é nosso) para conseguir a convocação. O que não é de crer que a assembleia fosse para reprovar o ENT. A polícia estava pronta para reprimir manifestações desse género, e o pessoal não arrostaria a desencadear ordens cominatórias da direcção militar do arsenal. Tentaria a direcção do sindicato evitar que lhe fosse aplicada a supressão do direito de sindicalização prevista para os funcionários do Estado?

Deduz-se das declarações de Bento Gonçalves:

a) Que o partido estava na altura desorganizado e que nas bases se optava de preferência por uma acção revolucionária que a chfia condenava;

b) Que a cúpula do partido optava por uma acção legal que seria, naturalmente, pela aceitação da estatização dos sindicatos onde os quadros do partido se infiltrariam, facilmente acomodados ao estilo burocrático e centralista das direcções sindicais;

c) Que o partido estava em oposição a toda e qualquer acção revolucionária, preparando-se para a infiltração.

Confirma o que noutro passo escreveu: “Sobre a base desta dupla apreciação nós trazíamos todas as condições para empreender uma viragem de harmonia com o VII Congresso (2): a) os efectivos dos sindicatos ilegais deviam ser incorporados no partido; b)o centro do trabalho sindical devia deslocar-se para dentro dos sindicatos nacionais c) a unidade sindical (…) sobre a base da utilização de todas as possibilidades legais, interiores e exteriores ao sindicato nacional».

Confrontando as declarações de José Gregório num relatório tantas vezes evocado pelas várias seitas marxistas com as declarações de Bento Gonçalves, torna-se evidente a contradição.

Escreve José Gregório: «O Partido nomeou um comité para preparar e dirigir o movimento debaixo da seguinte orientação: Para que os operários pudessem alcançar a satisfação das suas aspirações precisavam de se apoderar das armas que estavam na posse duma força da GNR (…).»

O que vigorava no partido. a acção legalista ou a acção revolucionária? Como é que o partido nuns lados optava por uma acção de infiltração e na Marinha Grande o partido nomeava um comité para dirigir uma acção que depois viria a ser considerada putschista?

Se o partido, segundo a afirmação de José Gregório, nomeou um comité para preparar e dirigir o movimento, pode concluir-se que o 18 de Janeiro foi exclusivamente da sua iniciativa? Mas Bento Gonçalves, secretário-geral do partido, nessa altura, escreveu (3): «Esta questão (o 18 de Janeiro) não pode dizer-se que tenha entre nós uma análise completamente virgem. No «Avante!», logo após a eclosão deste movimento, conduzimos uma crítica ao caminho terrorista que, em vários sítios (por certo incluindo a Marinha Grande), se constatou nessa jornada e à táctica dominante, por vezes, no movimento sindical português que consistia em elaborar as acções muito para além das condições concretas e do estado das forças da organização operária.

«Se em vários aspectos, essa crítica foi deficiente, isso deve-se, em primeiro lugar, à deficiência dos nossos meios de informação. Por exemplo, o caso da Marinha Grande foi apresentado como um «modelo» de boa táctica. Só em Angra viemos a verificar que o feito ali, também, nem por isso tinha sido menos putchista.”

Não se compreende que tendo o partido nomeado o comité do movimento na Marinha Grande, segundo José Gregório, Bento Gonçalves venha considerar o movimento terrorista, negando-lhe a qualidade de «modelo» de boa táctica, e, o que é pior ainda, só se tivesse dado conta disso depois, já em Angra, e por deficiência de meios de informação. Esta deficiência só se pode aceitar em duas condições: ou estar afastado dos acontecimentos ou se se tivesse dado o caso de nomear o comité e tê-lo deixado desamparado.

De resto Bento Gonçalves acentua que acções daquele género (o 18 de Janeiro) de caminho terrorista era táctica dominante, por vezes, no movimento sindical português, assinalando deste modo qual era na verdade a autêntica origem do movimento e que o partido, pela boca autorizada de Bento Gonçalves, recusava e condenava.

José Gregório, presidente do Sindicato dos Vidreiros e pelo que entrou na preparação e condução do movimento na Marinha Grande, veio depois com o seu relatório dar uma contribuição falsa para a história pré-fabricada atribuindo ao partido o que fora iniciativa do sindicato. E é Bento Gonçalves que o desmente, mas por outro lado o pode acusar de pior.

Ouçamos ainda Bento Gonçalves, referindo-se à Marinha Grande: «Não estamos em presença duma acção do proletariado local, dum movimento grevista de protesto contra o Estatuto do Trabalho Nacional, que as massas alargam, em virtude da sua efervescência revolucionária, mas sim ante uma acção estruturalmente de vanguarda de membros do Partido e de comunistas sem partido, convencidos de que uma greve geral eclodiria em todo o país, à qual se junatria o reviralho» (o sublinhado é nosso).

Se José Gregório actuou como membro do partido, a sua acção, segundo Bento Gonçalves, foi uma acção estruturalmente de vanguarda e à espera do «reviralho», e não escapou à acusação de «anarqueirada».

Se Bento desmente o Gregório, este desmente ainda aquele. Se o movimento foi organizado pelo partido, segundo José Gregório, o Bento reconhece a origem sindical do movimento, que a greve geral preconizada pela CGT fora aceite, contrariamente ao que pensava o partido, que preconizava um «movimento de massas» através de assembleias gerais e pela utilização das condições legais, isto é, pela disfarçada aceitação dos «sindicatos nacionais» para neles se introduzirem, atribuindo a derrota do 18 de Janeiro ao «provincianismo anarco-sindicalista».

Todavia, apesar destas contradições, existe um nexo notável que interessa analisar.

«Duas Palavras» de Bento Gonçalves foi escrito em 1941 quando se encontrava deportado no Tarrafal, um ano antes da sua morte; o relatório Alberto, de José Gregório, está datado de Agosto de 1955.

Em 1941 tinham decorrido já 15 anos de regime ditatorial, a panóplia do partido estava vazia de qualquer acção contra o regime, pois até o 29 de Fevereiro de 1932, de que  nunca se fala, se cifrou num fracasso como organização e dos seus objectivos, pois uma das suas reivindicações, o subsídio de desemprego, foi aproveitada pelo governo para impor um desconto de 2% que nem o 25 de Abril nem a Intersindical contestaram. Era necessário adaptar a história, distorcer a verdade do 18 de Janeiro e pregá-los com alfinetes na panóplia vazia. O seu autor lançava assim as bases do seu culto de personalidade.

Em 1955, José Gregório, depois de ter em 1942 aparelhado com Cunhal no secretariado do partido, teria de ajudar a mistificar a história do 18 de Janeiro, aproveitando o seu título de presidente do Sindicato dos Vidreiros nessa altura para depôr com «autoridade».

Como toda a mistificação deixa sempre qualquer coisa de fora, que pode vir desmentir, assistiremos agora a José Gregório desmentir-se a si próprio.

No relatório «Alberto», José Gregório afirmou que «o partido nomeou um comité para preparar e dirigir o movimento…» faltando todavia esclarecer se isso foi a nível local ou nacional.

No mesmo relatório, referindo-se à organização e actuação do partido, faz certas análises das experiências recolhidas e tira algumas conclusões.

Analisemo-las tal como nos diz José Gregório.

«1º- A organização do Partido que foi montada em 1932 só passou a funcionar de um modo um pouco mais regular em princípios de 1933. Na prática não havia mais que um núcleo de camaradas a que se poderia dar o nome de organização local. Nas fábricas não havia organismos. Por outro lado o contacto com a direcção do Partido fazia-se muito raramente. Nestas condições os camaradas do Partido não reuniam numa base de Partido, não actuavam dentro das normas de disciplina de Partido, não se sentiam obrigados a prestar-lhe contas da sua acção. Por outro lado não era utilizada a  crítica nem a autocrítica. Criou-se o hábito de ver as coisas não sob o ponto de vista do Partido, mas sim na base individual, na base da legalidade sindical, crendo-se não poucas vezes na burocracia sindicalista (4). Tudo isso se tornou muito inconveniente para a formação e desenvolvimento dos quadros do Partido. Tudo isso contribuiu para que não fossem recrutados para o Partido bons operários de vanguarda homens e mulheres cheios de qualidade e de possibilidades para virem a ser um precioso material do Partido».

Com este quadro do partido como crer que ele fosse o organizador do 18 de Janeiro, que teve a extensão que teve. Quase temos vontade de dizer: que grande «anarquia» havia então dentro do Partido!

Esta desconformidade entre a organização interna do partido na ocasião e as proporções do 18 de Janeiro, confirma que este decorreu à margem daquele, embora elementos comunistas tivessem actuado, mas por via sindical. De resto, no mesmo relatório e ao terminar, José Gregório confessa: «O movimento de 18 de Janeiro também teve a participação dos anarquistas locais e de operários que influenciavam (certamente, dizemos nós, não orientados pelo partido). Deste modo se pode afirmar haver nesta data a  mesma característica de unidade que sempre existiu na nossa organização sindical desde 1931 até então». (O sublinhado é nosso).

1ª conclusão: «Ao elaborar o plano de acção para o 18 de Janeiro o Partido e o Comité Revolucionário, deixaram-se levar pela ideia feita de que a vitória era certa, que o fascismo seria derrubado sucedendo-lhe um regime de tipo proletário. Partindo-se deste princípio não se considerou a necessidade de encarar uma retirada de modo ordenado. Esta orientação é errada de nem sequer admitir revezes parciais…».

Deve prestar-se justiça ao José Gregório. Se ele se apropriou da organização do 18 de Janeiro para o Partido é justo que reivindique para ele os insucessos e os erros. A mesma coerência não a teve Bento Gonçalves quando apelidou o 18 de Janeiro de «pura anarqueirada».Não sabemos se José Gregório reivindicou para si e para o seu partido o insulto soez de Bento Gonçalves que por essa altura deportado no Tarrafal, lá mesmo no campo de concentração se prestou a fundir em bronze dois escudos evocativos da passagem do Carmona, manequim do regime fascista, por Cabo Verde na sua viagem a África, e ao deflagrar a guerra, ele em pessoa, foi apresentar ao director do acampamento, o sinistro capitão João Silva, a «colaboração do PC na defesa da pátria contra o imperialismo».

Conhecemos sempre o partido comunista como o modelo e o manual do perfeito oportunismo, do impudor das afirmações e das acusações torpes, além do exercício do mais completo reformismo embora besuntado de revolucionarismo, mas também o reconhecemos camaleónico, dizendo hoje o que ontem terá negado.

Se a CGT e os anarco-sindicalistas «traíram» o 18 de Janeiro, como também afirmam os trabalhadores, porquê o seu órgão «O Avante» de Maio de 1937, portanto 3 anos depois, com o Bento Gonçalves vivo e à frente do partido, publicava uma notícia, aliás falsa e simplesmente arquitectada, na primeira página e intitulada «Viva a Frente Única Proletária» aplaudindo a «unidade com a CGT»?

Começa a notícia assim redigida: «Pede-nos a CIS a publicação do documento que a seguir inserimos.»

«Fazemo-lo com a máxima alegria por este documento dar notícia de um acontecimento importante da vida do movimento operário português. Por ele se vê que a Frente Única Proletária está em via da sua imediata realização». E a CIS (a célebre Comissão Intersindical) dá a seguir a notícia de a CGT ter acedido às suas propostas para a constituição de um Comité de Frente Única Proletária, acrescentando: «No que se refere aos problemas de orientação da CGT nós pensamos que só a neutralidade em questões de tendência pode permitir a Unificação».

«Uma CGT comunista não contaria, com certeza com o apoio dos camaradas anarquistas, da mesma maneira uma CGT anarquista dificilmente encontraria apoio nos partidários da Ditadura do Proletariado” (5)

Além desta notícia ser totalmente desprovida de qualquer resquício de verdade é de pôr em evidência o impudor de afirmar a «máxima alegria» em quererem fazer uma união com aqueles que acusaram de traidores, de admitirem em emparceirar com os que têm denegrido.

Nunca a CGT teve qualquer contacto com o partido comunista e com a Comissão Inter-Sindical, apenas estabeleceu os contactos para o 18 de Janeiro cuja experiência e resultados deixámos já descritos.

O comportamento da CIS, toda a campanha posterior, tornaram evidente que não é possível qualquer colaboração com os comunistas como partido ou como qualquer agrupação, mesmo sindical, em que preponderem. O amoralismo dos seus processos, o desrespeito pelos compromissos assumidos produz-se logo que lhes seja oportuno.

A experiência do 18 de Janeiro não poderia voltar a permitir qualquer acercamento. Apertam a mão que não podem cortar e os acordos que estabelecerem hão-de resultar em seu benefício. Se não colherem o resultado total acusarão os outros de traidores.

(“Como a verdade ressalta”, capítulo do livro “O 18 de Janeiro de 1934 e alguns antecedentes”, um depoimento colectivo de Acácio Tomaz de Aquino, Américo Martins, Custódio da Costa, José Francisco, Marcelino Mesquista e Emídio Santana, que coligiu. Regra do Jogo, 1978.)

Notas

(1) O itálico é nosso para assinalar a declarada posição reformista. Não se compreende a relação entendida entre o alvará e a forma de actuação dos sindicatos de então. O alvará era o certificado do governo civil que reconhecia a legalidade dos sindicatos mas que não tinha qualquer relação com a sua orgânica e orientação.

(2) Ver «SEARA NOVA» nº 1513 – Março 1975, Movimento das Ideias; de Fernando Guerreiro.

(3) «Duas Palavras», de que vimos fazendo citações. O sublinhado é nosso.

(4) É surpreendente que, sendo José Gregório Presidente do Sindicato, ele não se queira responsabilizar pela «burocracia sindicalista».

(5) O Avante, Série II – 35 da 3ª semana de Maio de 1937

aqui: https://colectivolibertarioevora.wordpress.com/2013/01/17/18-de-janeiro-de-1934-depoimento-colectivo-de-diversos-militantes-confederais-ligados-a-sua-organizacao/

19
Out21

MINAS DE ALJUSTREL: HÁ 90 ANOS UMA GREVE DE QUATRO MESES OBRIGOU OS MINEIROS A ENVIAREM OS FILHOS PARA OUTRAS FAMÍLIAS OPERÁRIAS DE BEJA, BARREIRO E LISBOA


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“Aos heróicos mineiros e metalúrgicos de Aljustrel”

Esta fotografia mostra diversas Associações de Classe e Sindicatos de vários pontos do País, com as suas bandeiras,  que em 1923 vieram apoiar e solidarizar-se com a greve dos mineiros de Aljustrel travada alguns meses antes. Muitas destas associações já tinham demonstrado a sua solidariedade quando os filhos dos mineiros – eventualmente alguns ou a totalidade das crianças que estão na foto –  foram recebidos em Beja, Lisboa ou Barreiro por famílias operárias, enquanto a greve decorria.

Em baixo publicamos dois artigos de jornal. Um datado de Outubro de 1922, publicado no jornal “O Século”, não assinado, em que se dá conta da greve nas Minas de Aljustrel e da chegada de um grupo de filhos de mineiros a Lisboa, que fugiam assim à fome e à falta de condições que os pais em greve não lhes podiam dar.

O segundo artigo foi escrito cerca de 90 anos depois, em Maio de 2012 e publicado, como opinião, no “Diário do Alentejo”, pelo psicólogo Marcos Aguiar. São as memórias ainda vivas de um passado de luta que deve orgulhar gerações de aljustrelenses a quem, por este ou aquele motivo, esta gesta heróica tem sido ocultada. O roubo da memória colectiva é um instrumento do fascismo e das ditaduras.

século

Os resultados de uma gréve

Chegam a Lisboa 19 filhos dos mineiros grévistas de Aljustrel, para se acolherem á proteção dos operarios da capital

Nas minas de Aljustrel declarou-se ha cêrca de um mez uma gréve que, até hoje, ainda não teve solução satisfatoria. Nem os industriaes transigem nem os operarios e estes debatem-se hoje na mais agonica das miserias. As suas reclamações são de mais tres escudos por dia, o que, junto aos 3$50 que ganhavam, lhes dava uma totalidade de 6$50, pouco mais ou menos o que tem qualquer operario em qualquer terra do paiz. Não transigem uns nem outros e assim as crianças, filhas dos mineiros, passavam já fome e inclemencias, o que, sabido dos operarios de Lisboa, resolveram estes tomar conta d’elas, mandando-as vir, para o que foi a Aljustrel um delegado da C. G. T. Antehontem partiram de Aljustrel para Beja 25, vindo depois 24 para Lisboa, por n’aquela cidade ter ficado uma, a cargo de uma familia compassiva. No Barreiro o operariado d’aquela vila tomou a seu cargo 5, chegando hontem, no comboio da manhã, 19 a Lisboa.

Estas eram esperadas por inumeras pessoas, que disputavam entre si a primasia no bemfazer.

A vinda das crianças, cujo aspéto não era feliz, como se calcula, deu logar a cenas comoventes. Bem cedo começam a sentir as agruras da vida os pobres inocentes que nenhuma culpa teem nos conflitos de que são vitimas. E bom seria que das lutas como esta não saisse apenas uma obstinada irredutibilidade. Essa leva apenas, como se está vendo, á miseria negra, aos prejuizos incalculaveis e á ruina economica das regiões onde se dá. Mais crianças se esperam por estes dias, pois parece que tão cedo o conflito não terá solução.

 (jornal O Século – 29.10.1922)

diariod do alentejo

O longo inverno dos mineiros de Aljustrel

Na passagem de 1922 para 1923, os mineiros da minha terra – Aljustrel – estiveram quatro meses em greve. Quatro meses que figuram na história do movimento anarcossindicalista como uma das mais longas paralisações de sempre, que colheu solidariedade em todo o País e, inclusivamente, além-fronteiras, junto do operariado do mundo industrializado de então. Muitos se identificaram com a causa dos mineiros de Aljustrel, documentada diariamente no jornal “A Batalha”, destacando-se um episódio, em particular, que me entusiasma e comove sempre que o evoco.
Tendo-se a greve arrastado por tanto tempo, a CGT (Confederação Geral do Trabalho) apelou ao proletariado nacional para que apoiasse os mineiros, ajudando os filhos dos grevistas. Assim, durante a greve dos mineiros de Aljustrel, mais de 200 crianças foram colocadas em comboios para serem recebidas e alimentadas pelos operários de Lisboa. A cargo do operariado de Beja ficaram 25 crianças e no Barreiro mais 50. Imagine-se um cortejo de centenas e centenas de pessoas em sofrimentos profundo, percorrendo o percurso que separa Aljustrel da estação de comboios do Carregueiro, para expedir voluntariamente os filhos da terra para as mãos de estranhos. Afigure-se o desespero que levou esta gente a tomar medidas tão extremas para proteger as suas crianças da miséria que a greve pressupunha. Invoque-se o medo que esta gente foi obrigada a dominar, tratando-se de tempos em que as greves eram reprimidas através do despedimento sumário e, não poucas vezes, pela violência e prisão.
Como é possível correr assim o risco de perder o pouco que se tem? Quem eram estas pessoas anónimas que afrontaram a todo–poderosa empresa mineira estrangeira? Mas o que moveu os meus conterrâneos para este gesto de afirmação social que envolveu tantos perigos? A resposta é complexa e ao mesmo tempo muito simples – a desesperança! Foi a desesperança perante as horríveis condições de trabalho e os baixos salários que levou esta gente simples a agir de forma tão radical. Em Aljustrel, no inverno de 1922/1923, da desesperança, nasceram heróis que, vencida a luta contra a prepotência do patrão estrangeiro, foram aclamados em todo o mundo industrializado como um exemplo a seguir.
Hoje, em Portugal, o desânimo é generalizado, ao ponto de alguns confundirem a “paz podre” que vivemos com a aceitação social das indignidades que nos são impostas. Não, não estamos em paz, estamos em torpor, incapazes de reagir a quem nos agride. Não, não estamos satisfeitos, estamos em apatia, observando, distantes, a forma como o País se carcome a si mesmo. Não, não estamos felizes, estamos em desesperança profunda, simplesmente ainda não conseguimos ter, nem por um momento, a mesma valentia dos mineiros de Aljustrel daquele longo inverno de há 90 anos.

Marcos Aguiar, Licenciado em Psicologia
 
(Diário do Alentejo – 19-05-2012)