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Memória Libertária

Documentos e Memórias da História do Movimento Libertário, Anarquista e Anarcosindicalista em Portugal

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Memória Libertária

29
Abr23

CasaViva no Porto (2006-2015): uma década de liberdade e criatividade


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No dia 29 de Abril de 2006 abria as portas, no Porto, a CasaViva, uma experiência temporária de um espaço alternativo, libertário e autogestionado que durante 10 anos serviu de porto de abrigo para centenas de projectos e iniciativas de índole cultural e anti-autoritária. A CasaViva era o espaço da liberdade no Porto.

Num dos primeiros textos publicados no blogue da CasaViva definia-se assim o que ela pretendia vir a ser. E foi: 

"A CasaViva é um projecto que se quer aberto à comunidade, disponível para acolher iniciativas irreverentes, que proponham novas formas de pensar, através da música, pintura, teatro, conversa, cinema, fotografia, oficinas, literatura, dança. É um espaço de entrada livre, bate o batente para entrar.
 
A CasaViva não paga cachet e não cobra à porta. Acesso gratuito. E cada qual é livre de estender o chapéu depois da actuação. A divulgação dos eventos cabe a quem os propõe. A CasaViva participa através do blog e por email. Para isso, precisa de ter acesso atempado (mínimo uma semana) à informação do que se vai realizar: texto e imagem (400x300 dpi). Os ensaios públicos (3 bandas máx.) devem realizar-se às sextas-feiras e sábados, até às 22h00. A CasaViva acredita nas redes autónomas, em permanente construção, de cultura e software livres. Por isso, ainda que possamos ouvir e descarregar com linux as músicas localizadas no myspace, optamos por potenciar outras redes de partilha mais distribuídas e menos controladas pelas grandes corporações. Netlabels, como jamendo, phlow magazine, enough records, alg-a lab ou commonsbaby são alternativas de publicação e divulgação. Se quiserem mais informação, escrevam para este email ou falamos quando cá chegarem para tocar, actuar, etc... A CasaViva regista som e imagem dos concertos, podendo depois divulgar esses conteúdos através dos seus canais de divulgação – blog, facebook, rádio. É também habitual, de tempos a tempos, editarmos um CD com músicas de todas as bandas que por cá passam. Se acharem que isto é um abuso, é sinal que se equivocaram no local onde tocar.
 
A CasaViva quer-se um espaço livre de violência. Por vezes a violência surge onde menos se espera, basta um "mosh" mal feito… Por isso apelamos aos grupos que vêm actuar no sentido de reforçarem essa mensagem, na divulgação do evento e/ou durante o próprio evento. Pelo nosso lado, estamos presentes ao longo do evento para ajudar quando as coisas descambam, mas preferimos fazer tudo para que as situações sejam evitadas a ter de intervir.
 
A CasaViva apoia-se numa dezena de amigos que se dedicam ao projecto por gosto. Gente que abre e fecha a porta, orienta a concretização das iniciativas, promove o debate, pensa, despeja cinzeiros, varre o chão e limpa sanitas. A bem da manutenção do espaço, e seguindo a filosofia de partilha de direitos e de responsabilidades, esperam-se contribuições semelhantes de quem procura a casa para nela fazer acontecer coisas.
 
A CasaViva é uma casa particular, temporariamente cedida pelos proprietários, sem contrapartidas financeiras. Apoiado nos ditos amigos que não querem formalizar o projecto. A contrapartida é conservar o espaço, zelar por ele e revitalizá-lo. Animando-o enquanto alternativa ou mexendo na pele. Pode-se intervir, respeitando a estrutura e alguns revestimentos.
 
Meia dúzia de salas livres, uma cozinha, sanitas e urinol. Um corredor comprido e uma caixa de escadas iluminada por clarabóia. Tem horta, loja livre, oficina de serigrafia, hacklab, bookcrossing. Dispõe do seguinte equipamento: um projector, PA (mesa de mistura e amplificador e respectivas colunas (COLUNAS PEVEY POWER 250 WATTS 8 OHMS) e microfone sem suporte nem cabos. Está a iniciar a colecção e a catalogação de filmes, cds, revistas, livros, fanzines, para partilhar. Informação sempre gratuita."
 
Logo, na abertura, teve  lugar uma inciativa que tomou o nome de "Liberdades".

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Durante os 10 em que esteve a funcionar ficaram memoráveis muitas outras iniciativas. A Casa fechou as portas, como combinado com os proprietários, a 1 de Maio de 2015, também com a organização de uma iniciativa e a divulgação de um texto, onde se podia ler:

"Morro a 1 de Maio. Se me tens algum carinho, não me evoques. Não me chores. Não me metas na gaveta do lembras-te quando. Se nostalgia for o sentimento que fica depois de mim, esta viagem de 9 anos não valeu a pena.

Preferia deixar-te o sabor amargo de algo inacabado. Não para que me continues. Antes para que te dê asas à vontade de experimentar. Para que te anime a levantares-te contra quem te oprime, a inventar formas de estar e viver livres de poder, a remar contra a corrente do capital, a criar, enfim, a tua própria utopia.

Só assim, só se a minha morte te elevar os níveis de raiva e de sonho, só se mil novas experiências de liberdade se erguerem, só assim, repito, terá valido a pena. Se a cidade arde por falta de espaços de partilha, que se criem esses espaços. E que se veja a cidade a arder.

Despeço-me. Até nunca. O colectivo que me gere diz até já."

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Famosas ficaram também muitas faixas que, por diversas vezes, "decoraram" a frente do prédio ocupado pela CasaViva e que, por várias vezes também, desencadearam a ira da Câmara Municipal e da polícia que os retiravam motivando novos protestos do colectivo que geria este  "ESPAÇO TEMPORÁRIO*MULTICULTURAL*INTERVENTIVO*GRATUITO*SEM FRONTEIRAS*SEM ROSTO*EXPERIMENTAL*REVOLTADO*APARTIDÁRIO ", como o definiam os membros do colectivo que o geria.

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relacionado: https://colectivolibertarioevora.wordpress.com/2014/05/06/porto-comunicado-da-casa-viva-sobre-a-retirada-da-faixa/

 

09
Jan23

(memória libertária) As faixas da Casa Viva, no Porto, e a repressão policial


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No dia 20 de dezembro de 2008, dia internacional de solidariedade com os jovens gregos em revolta, depois do assassinato pela polícia grega do jovem anarquista de 15 anos, Alexandros Grigoropoulos (Alexis), o Centro Social Casa Viva (março de 2006 a maio de 2015), um espaço autogestionado na Praça Marquês de Pombal, no Porto, decidiu colocar uma faixa no prédio que ocupava denunciando a actuação da policia grega.  Na altura foi distribuído um comunicado à população (O espectro da liberdade surge sempre com uma faca nos dentes) a explicar o sentido da faixa. Duas semanas depois, a 5 de Janeiro, os Bombeiros Sapadores do Porto, chamados pela PSP, retiraram a faixa, e foi levantado um auto de apreensão.

Dias depois a Casa Viva reagia com um comunicado em que denunciava a actuação da polícia e das autoridades e em que se alertava para a, cada vez maior, violência exercida contra qualquer dissidência: "Os processos de intimidação à divergência apertam-se. Espera-se que o medo de qualquer coisa, independentemente do que seja, impeça as pessoas de se manifestarem, de exporem opiniões, de se levantarem perante as injustiças dos poderosos. Depois de visitas policiais à Casa em dias de reuniões, depois de visitas regulares ao blog, veio o roubo/apreensão da faixa, um processo-crime sobre “os responsáveis pela faixa”, o reconhecimento policial de que já estamos todos fichados e as ameaças de que, ou atinamos, ou nos fecham a Casa e nos mandam de saco, por causa da questão da propriedade, aliás, por causa das drogas, aliás por qualquer coisa que lhes apeteça." (aqui)

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Mas a tensão entre as autoridades locais e os activistas da Casa Viva devido às faixas não  ficou por aqui. Cinco anos depois, para assinalar o 1º de maio de 2014 decidiram colocar uma faixa, na frontaria do edificio, criticando a escravidão do trabalho assalariado. A frase escolhida foi: "SER ESCRAVA PARA SOBREVIVER, IDE-VOS FODER!".

No dia 2 de Maio, sem que qualquer uma das ocupantes da casa estivesse presente, numa acção conjunta,  a PSP,  Polícia Municipal e Sapadores do Porto retiraram a faixa, sem qualquer explicação. A Casa Viva reagiu com um comunicado em que reivindicava o direito a cada um usar a fachada das suas casas como muito bem entendesse, " já muito bem pago pelos impostos (IMI) no direito de habitar!" (aqui)

Video relacionado: https://youtu.be/XclwwxL5Ql0