Atualização da publicação sobre o "Anarquismo em Portugal, (1796-2024)" de Carlos Fontes
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Assinalou-se ontem a passagem de mais um aniversário do 25 de Novembro, a data que marcou o golpe de direita que, em Portugal, em 1975, pôs fim ao chamado PREC (processo revolucionário em curso). Esquerda e direita engalfinharam-se por causa da data: para uns foi a correção do caminho aberto pelo 25 de Abril de 1974 (sectores de direita e alguns sectores do PS); para outros foi o fim do próprio 25 de Abril (extrema-direita); para outros ainda foi o fim do processo revolucionário (PC e BE) ou apenas mais um momento, como outros, posteriores ao 25 de Abril, sem grande significado só por si (alguns sectores do PS). Uns glorificam a data como se a partir dela tudo se tivesse alterado, outros maldizem-na, como se antes a situação de quem trabalha e vive do seu trabalho tivesse sido muito diferente. Uns e outros mentem.
Para os anarquistas foi mais uma luta entre os vários sectores políticos que se começaram a digladiar logo a partir do dia 25 de Abril de 1974, mesmo quando a revolução popular, saída do golpe de estado, estava no seu auge e que cronologicamente podemos situar entre os últimos dias de Abril de 1974 e o chamado golpe da maioria silenciosa, a 28 de setembro do mesmo ano. A partir daí o controlo partidário do movimento popular, por parte de alguns grupos de esquerda, tornou-se evidente, matando a espontaneidade popular, a autoorganização e a realização criativa que tinham animado os primeiros meses da revolução, e cristalizando-se a partir do 11 de março de 1975, momento a partir do qual, com Vasco Gonçalves como primeiro ministro, o PCP e a CGTP “normalizaram” a contestação com um conjunto de medidas legais e administrativas, como a Lei da Unicidade Sindical, que mataram definitivamente o movimento popular.
O 25 de Novembro de 1975 surgiu, assim, como uma resposta da direita politica e militar à ocupação das estruturas do Estado por parte da esquerda, sobretudo por militantes afetos ao PCP e ao movimento sindical por ele controlado, embora em nenhum momento tenha existido o risco de retorno á situação anterior ao 25 de Abril de 1974.
O assunto foi tratado na revista anarquista “Acção Directa”, de janeiro de 1976, num longo artigo de abertura intitulado “Carta Aberta aos Senhores Políticos de Esquerda”, acusados de deturparem “a emancipação dos trabalhadores arranjando-lhes novos capatazes, novos dirigentes e novos polícias”, em vez de os ajudarem a libertarem-se de “todas as tutelas, politicas inclusive”.
Na parte final do artigo pode ler-se:
“(…) Tal como o capitalista, também o político profissional (criação leninista) é parasita do trabalho socialmente útil. O político profissional não só vive à custa dos contribuintes do partido, isto é, recebe a côngrua dos fiéis, como também é um obstáculo à emancipação dos dirigidos, tanto em relação à estrutura do partido como do Estado. Mas aqui não nos ocupamos apenas dos profissionalizados. E como para se ser político não é necessário apresentar diploma ou dar provas seja do que for, ao contrário de qualquer actividade profissional, muita gente se habilita a pôr a pata em cima dos outros ainda que para tal tenha que suportar o peso de alguns.
Neste jogo de poder e submissão, arrogância e subserviência (se não masoquismo), tendes deturpado, senhores da esquerda, a emancipação dos trabalhadores arranjando-lhes novos capatazes, novos dirigentes e novos polícias.
E os que trabalham, em lugar de repetir, começassem a pensar em algumas das vossas frases, senhores políticos profissionais, como por exemplo: “quem não trabalha não come?”
Infelizmente ainda não tendes motivo para sustos. A emancipação dos homens concretos de todas as tutelas, politicas inclusive, é de facto um trabalho longo e difícil e requer dos próprios revolucionários a abdicação de tendências paternalistas, que não são mais do que o reflexo da vaidade do chefe rodeado de súbditos obedientes. A submissão é o contrário da emancipação, como a manipulação é sempre um processo reaccionário.
Mas vós tendes escolhido sempre o caminho mais fácil ao vos tornardes chefes verborosos de rebanhos submissos e ao mirardes a razão da vossa vaidade do alto das tribunas políticas, como quem confirma que estamos num país de Marialvas.
Aquilo que verificámos antes de 25 de Novembro não foram acções revolucionárias de trabalhadores, mas processos de massificação, em que as “massas” se concentravam em manifestações ou faziam greves simplesmente para mudarem de dono. E como quem apregoa o sabonete PALMOLIVE, porque disseram ser o melhor, assim se repetiram publicitariamente alguns nomes ilustres em certas concentrações. As práticas irracionais, como as massificações, foram utilizadas por todos os demagogos e no Congresso de Roma de 1921, Mussolini contava já com 310.000 operários inscritos. Desligados duma luta concreta, os massificados aceitam passivamente que os conduzam. Assim, com todo um fraseado ideo-religioso se preparava, contra um pretenso fascismo de direita, um fascismo de esquerda, de tipo peronista, com sindicalistas armados. Faltou apenas uma figura carismática, um duce, um Estaline ou um Perón.
Não, senhores políticos de esquerda, não é isto que nós, anarquistas, entendemos por revolução."
Desde sempre, mesmo na clandestinidade, os meios libertários portugueses assinalaram o início da revolução espanhola de 1936, fosse na imprensa clandestina, fosse em encontros de militantes. Essa evocação acentuou-se após o 25 de abril de 1974, realizando-se logo nesse ano, a 19 de julho, um comício na Voz do Operário, em Lisboa, com a presença de militantes espanhóis, ainda na clandestinidade. Em 1975, a data foi mais uma vez assinalada em Lisboa com um comício no Pavilhão do Estádio Universitário. Aqui fica a convocatória para este comicio que reuniu muitas centenas de pessoas e contou com diversas intervenções, algumas delas de companheiros espanhóis.
Gabriel Morato foi uma das figuras marcantes do anarquismo em Portugal após o 25 de Abril de 1974. Embora polémico e controverso, teve um papel relevante nas organizações, debates e publicações que marcaram o anarquismo português nas últimas décadas do século XX.
João Gabriel de Oliveira Morato Pereira (1940-2005) foi um activista e militante anti-fascista e anti-capitalista muito activo a partir do início dos anos 60 do século passado e até à sua morte. Filiado no PCP desde muito novo, foi preso em 1965 durante 15 meses (21/1/1965-16/4/66) “por actividades contra a segurança do Estado” . Passou pelas cadeias do Aljube, Caxias e Peniche (1), tendo sido torturado durante a fase dos interrogatórios e obrigado a manter-se na “posição de estátua” durante horas a fio, alternando com a tortura do sono durante onze dias. À medida que o interrogavam, os agentes da PIDE troçavam dele por ser coxo e se meter em altas cavalarias. E quando, no último dia de tortura, desfaleceu e caiu na quase total inconsciência, foi rodeado pelos esbirros que se “divertiam” a atirá-lo de uns para os outros.
Aquando da prisão, era estudante do Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras (ISCEF) e integrava o cargo de secretário-geral da Reunião Inter-Associações (RIA) de Lisboa. Saiu em liberdade já em 1966 tendo-se, pouco depois, desvinculado do PCP e aproximado de outros grupos de estudantes dissidentes, na sua maioria maoistas, que surgiram em força, depois da cisão sino-soviética, nas universidades portuguesas. Informado no final da década de que a polícia o procurava e que tinha contra si um mandado de captura, exila-se em Paris onde conhece e contacta com as ideias e a militância anarquista.
Regressa a Portugal logo a seguir ao 25 de abril de 1974 e, com alguns companheiros que também tinham estado exilados em Paris, como António Mota e Júlio Carrapato, estreita relações com os grupos libertários existentes em torno dos jornais A Batalha e Voz Anarquista. Está intimamente ligado à criação da Associação de Grupos Autónomos Anarquistas, ao grupo “Os Revoltados” e à revista Acção Directa. Participa em inúmeras convocatórias para acções de rua (manifestação e comicio de solidariedade com os trabalhadores espanhóis a 3 de março e 19 de julho de 1975, manifestação do 1º de maio de 1977, na Praça da Figueira, etc.), múltiplos encontros anarquistas e nas mais variadas acções de divulgação dos ideais libertários. Manterá sempre fortes contactos internacionais com o movimento anarquista sobretudo em Espanha e em França. Participa em reuniões da Internacional de Federações Anarquistas (IFA) e da Federação Anarquista Ibérica (FAI) e é um dos fundadores da Secção Portuguesa da Associação Internacional de Trabalhadores (AIT-SP) em finais dos anos 90.
Morre em Lisboa, devido a problemas de saúde, a 19 de Julho de 2005, a escassos dias de completar os 65 anos.
(1) Gabriel Morato esteve preso em Peniche apenas na fase final da pena e por pouco mais de um mês – entre 11/3/66 e a sua libertação a 16/4/66, como refere a lista de presos da Fortaleza de Peniche (http://www.urap.pt/attachments/article/530/ListaPresosPoliticosFortalezaPeniche_16MAR2014.pdf). Estranhamente o nome que figura no Memorial aos Presos de Peniche é o de João Morato Pereira, ocultando o nome porque sempre foi conhecido: Gabriel (conf. http://www.museunacionalresistencialiberdade-peniche.gov.pt/pt/memorial-4/)
* Maioria dos dados extraídos da biografia de Gabriel Morato escrita por Júlio Carrapato: https://colectivolibertarioevora.wordpress.com/2016/06/23/sejamos-optimistas-deixemos-o-pessimismo-para-melhores-tempos-texto-de-julio-carrapato-sobre-gabriel-morato/
(fotos cedidas pela Sofia, filha do Gabriel.)
O golpe de estado militar do 25 de Abril e o levantamento popular que se lhe seguiu, nos bairros, nos campos, nas empresas, um pouco por todo o lado, embora não tenha transformado Portugal num país, como muitos de nós desejaríamos, sem exploração nem opressão, fez com que a guerra colonial terminasse, os presos políticos da altura fossem libertados, e começou a haver uma maior liberdade politica, de associação e de comunicação sem a censura prévia.
Apesar de todos os constrangimentos, o fim do fascismo após 48 anos de um regime autoritário e sanguinário, contra o qual o movimento anarquista e operário se opôs e confrontou desde a primeira hora, fez com que, para muitos anarquistas, o 25 de Abril fosse um dia de celebração, incorporando muitos de nós as manifestações que desde sempre se realizaram.
No entanto, a pouco e pouco estas manifestações perderam a sua espontaneidade e tornaram-se momentos oficiosos, tomados pelos partidos de esquerda, sem qualquer capacidade reivindicativa para além dos estereótipos do momento político.
Contudo, em todos estes anos houve manifestações do 25 de Abril, em que a participação libertária contou e que foram mais além do que uma mera efeméride que é necessário assinalar.
A 25 de Abril de 2007 foi convocada uma manifestação anti-autoritária contra o capitalismo e o fascismo, violentamente reprimida pela policia, com confrontos, e a detenção de 11 manifestante, tendo vários deles sido agredidos.
Ficou aqui registada a memória da violência policial desse dia: https://pt.slideshare.net/Moriae/folheto25abril2007
O jornal Público dá noticia dos confrontos e, alguns dias depois, reportou assim esta manifestação anti-autoritária de 25 de Abril de 2007:
"O protesto no Chiado no 25 de Abril foi um dos maiores agrupamentos de anarquistas dos últimos anos em Portugal. Acreditam numa sociedade sem chefes, mas convivem com as inevitáveis contradições. Histórias de dez anarquistas de todos as idades
No último 25 de Abril, no Chiado, em Lisboa, surgiram de bandeiras pretas, panos com letras "A" circuladas e foram entoando palavras de ordem contra o Estado, o fascismo e o capital, numa manifestação que terminou com uma polémica carga policial.São na sua maioria jovens, mas também os há em plena idade adulta. São anarquistas: acreditam numa sociedade sem Estado nem chefes, mas convivem diariamente com as contradições de quem vive num mundo oposto ao que imaginam.
É o caso de José Silva, nome fictício, que pede o anonimato por receio de represálias por parte dos militantes da extrema-direita. Tem 20 anos, vive em Lisboa e é estudante universitário. A actual maior visibilidade da extrema-direita portuguesa foi um dos factores que o levou a participar no protesto: "estão a crescer" e "andam saídos da casca".
A manifestação do 25 de Abril "serviu de ponto de encontro de diversos movimentos", não apenas anarquistas, contra um inimigo comum - o fascismo. "Foi uma concentração bastante grande. Foi bastante surpreendente ver tantas pessoas." E José Silva define os contornos do protesto: foi uma "manifestação anti-autoritária contra o capitalismo e o fascismo". Terá juntado cerca de 300 pessoas (150 na versão policial), sendo porventura o maior protesto a envolver anarquistas dos últimos anos.
José Silva, que se queixa de ter levado três bastonadas de um polícia sem justificação, foi um dos criadores do Cravado no Carmo, um site que reúne testemunhos e informação sobre o que os manifestantes consideram ser a acção "despropositada" e "injustificada" da PSP no Chiado. A polícia justificou a intervenção com um alegado comportamento agressivo e actos de vandalismo dos participantes do protesto. Onze pessoas com idades entre os 20 e os 30 anos foram detidas.
António Sousa é outro dos manifestantes, de 28 anos, também anarquista. Invoca o mesmo receio de represálias para usar um nome fictício na conversa com o P2. "Durante dois anos tive a minha foto na net. Vi amigos terem "nazis" à porta de casa", justifica este lisboeta, que andou pela "okupa" da Praça de Espanha, nos anos 90 e já foi detido por participar em manifestações ilegais. "Por posição ideológica não pedimos autorização ao governo civil", refere.
Com 22 anos, João (pediu para não ser identificado pelo apelido), de Évora, secretário e membro da banda anarco-punk Inconformidade Anti-Constitucional, participou no protesto para "mostrar às pessoas que existe uma alternativa", "numa altura em que o sistema tem legalizado um partido político assumidamente "nazionalista" [o PNR]", conta por e-mail. À semelhança dos outros manifestantes ouvidos pelo P2, ficou "espantado" com as dimensões da manifestação e conclui que "o movimento está a crescer".
Diogo Duarte, de 22 anos, anarquista e estudante de Antropologia Social no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), não concorda com esta análise. "Não considero que haja um movimento anarquista em Portugal. Mesmo os que se manifestaram são agrupamentos de indivíduos muito dispersos", contrapõe. O estudante acredita que "há terreno" para que "características anarquistas" tenham aplicação no dia-dia e cita como exemplos o software de código aberto e as licenças flexíveis de propriedade intelectual Creative Commons.
Viver em contradição
Mas no desfile pelo Chiado não havia só jovens. Júlio Conceição, 43 anos, gritou "contra o Estado e o capital". Pertence a uma "associação de ecologia social anti-autoritária", a Planeta Azul, que nasceu há 15 anos no Porto. Dá aulas de português a cerca de 50 imigrantes e dinamiza grupos de escuteiros livres, sem chefes e com uma postura crítica.
Também a Terra Viva, do Porto, desenvolve trabalho no âmbito da ecologia social e com escuteiros livres. José Paiva, membro da associação, refere duas ideias-chave da ecologia social: o capitalismo e o respeito pela natureza são incompatíveis e o ambientalismo é muitas vezes sinónimo de "capitalismo verde".
José Paiva tornou-se anarquista depois da revolução de 1974, quando percebeu que os partidos de extrema-esquerda, onde militou, não levariam a uma sociedade igualitária. Hoje, com 56 anos, põe a tónica na intervenção social. O anarquista deve intervir na sociedade, "não como vanguarda, mas ao lado, ombro a ombro, com pessoas não anarquistas", defende. "Se não hoje somos poucos e amanhã seremos ainda menos". Diogo Duarte, o estudante de antropologia, concorda. O anarquismo não é uma "utopia", diz. "Por uma razão: não pretende ser perfeito", explica o estudante, que chegou à ideologia no início desta década através de um livro de Noam Chomsky.
Anarquista dos sete costados, José Paiva recebe o subsídio de desemprego, concedido pelo Estado que ele próprio rejeita. Contradição? Ele diz que não: "O Estado não nos dá nada; devolve-nos um pouco do que lhes demos."
Ser vegetariano
"Qualquer anarquismo que se queira puro é reaccionário. A vida é feita de cambalhotas, mestiçagens e contradições", refere António Silva, de 48 anos, professor numa escola de Espinho. Admite que o "sistema escolar faz das pessoas não tanto indivíduos livres como cidadãos obedientes", mas acredita que só através da "educação e da intervenção global" é que "o capitalismo e o poder dominante, cada vez mais global, se vão minando". É o que procura fazer nas suas aulas, no blogue Pimenta Negra, e no movimento ecologista GAIA.
"É quase viver em contradição", nota Diogo. Mesmo assim, tenta "questionar todo o tipo de autoridade". "Na faculdade, em que há um sistema altamente hierárquico, nunca me resignei ao espírito competitivo, quase de guerrilha", exemplifica. "Escolher aquilo que compro" e ser vegetariano são outras das pequenas vitórias do dia-a-dia para este libertário.
"Tento limitar o impacto da minha vida", aponta José Silva. Também é vegetariano e rejeita o tabaco, o álcool e as drogas para "estar o mais lúcido possível e consciente" de tudo o que o rodeia. A "autocrítica e o auto-controlo" são essenciais a este estudante que se diz "incapaz de tomar uma atitude autoritária". "Tendo a encarar isto mais como uma filosofia de vida do que como uma meta concreta que se tenta atingir. É um ideal lá ao fundo, vislumbrável aqui e ali."
( https://www.publico.pt/2007/05/15/jornal/anarquistas-apesar-de-tudo-214800)
Um ano depois, em resposta e em solidariedade com os detidos na manifestação do ano anterior, é convocada nova manifestação anti-autoritária, com inicio na Praça da Figueira e que acabou no Terreiro do Paço, sem incidentes.
Um dos manifestantes relatou o que aconteceu nesse 25 de Abril de 2008:
“Quando a manifestação partiu da Praça da Figueira havia, notoriamente, alguma tensão no ar. Houve mesmo uma conversa mais acesa com um jornalista que apesar dos avisos estava a insistir na captação de fotos aos manifestantes.
A polícia andava sempre nas redondezas e sabíamos que estavam à espera de um deslize nosso para poder intervir. A dianteira da manifestação estava a avançar rapidamente o que fez com que o corpo da mesma ficasse um pouco disperso. Circulava a informação (ou boato) de que a polícia poderia tentar partir a manifestação ao meio. Por essa razão o pessoal que seguía na frente começou a andar mais lentamente para assim o grupo fosse mais compacto e por conseguinte mais difícil de dividir.Ao chegar ao Rossio houve alguns atritos com o pessoal da Associação 25 de Abril como é aqui relatado:
_A concentração saiu da Praça da Figueira, passou pelo Largo de São Domingos e fez-se notar ao entrar no Rossio, com os tambores, buzinas e coros a inquietarem os membros da Associação 25 de Abril, que fazia naquela altura as suas intervenções num palco montado frente ao Teatro Nacional Dona Maria II."Vieram provocar uma manifestação organizada e a polícia sem fazer nada. Eu já fiz um 25 de Abril, agora tenho que fazer outro?", queixou-se um dos elementos da associação, que preferiu não se identificar.
_De referir que nós não estávamos ali para provocar os senhores... Nem estávamos ali para festejar o 25 de Abril... Estávamos na rua para protestar contra o estado deste nosso mundo (falando de maneira generalista), contra o capitalismo, fascismo, e contra o cada vez mais enervante comodismo das pessoas...Ouvimos algumas bocas, mas enfim, a manifestação continuou...Ao chegar à Rua Augusta andámos muito devagar devido às esplanadas dos cafés. De referir o episódio do "homem-estátua" que, muito bem disposto, interrompeu a sua actuação para dar passagem ao grupo, a ele obrigado!Depois, circulou outro aviso (ou boato) de que a polícia estaria pronta a intervir e que essa intervenção seria feita pelos lados para assim poder dividir o pessoal. O lado que estava mais exposto era o direito, mas tendo em conta a união do pessoal é bastante provável que se tivesse conseguído resistir em caso de ataque. Mas felizmente, isso não se verificou e a manifestação chegou pacificamente ao Terreiro do Paço onde foram queimadas as notas de 500 e foi lido mais um comunicado. De referir que os senhores jornalistas só conseguíram perceber algumas palavras dos dois comunicados que foram lidos que foram: "Chibos infames", "Sangue nas ruas", "continuamos e continuaremos nas ruas"... Mais uma vez é uma mensagem violenta que passam, mas já vamos estando habituados...Depois de algum tempo no Terreiro do Paço a manifestação começou a desmobilizar e de referir que os vários grupos que se iam retirando eram seguídos pela polícia que aproveitava para tirar fotos a quem já estava de cara destapada. Mesmo depois de desmobilizada houve agentes à paisana que tentaram criar confusão para justificar uma intervenção dos seus colegas robocops. felizmente toda a gente percebeu o que se passava e ninguém perdeu a compostura.Foi talvez um dia perdido para os repórteres sedentos de sangue e de lojas partidas e de gente assaltada... Mas para nós foi um dia em cheio. Paz Saúde e Anarquia"
Aqui: http://redelibertaria.blogspot.com/2008/04/manifestao-antiautoritria-25-de-abril.html
Também em 2010, enquanto decorria ainda o processo dos 11 detidos na manifestação anti-autoritária de 2007, e depois de um concerto anarko-punk ter sido proibido no dia 24 de Abril, os anarquistas sairam para a rua, em bloco, no 25 de Abril.
A noticia dessa manifestação:
“Nos comunicados distribuídos à população intitulado “Chamada Anarquista - apelo à solidariedade com os que sofreram a repressão do Estado e à resistência”, podia se ler “não esquecemos não perdoamos" e “em solidariedade com todos os que lutam pela destruição do Estado, fonte primária de todo o terrorismo. Continuamos na rua... Sem medo nem lei!".
Já no fundo da Rua do Carmo/Rossio - local onde há três anos uma manifestação anti-autoritária e anti-capitalista foi alvo de intensa repressão, com a prisão de 11 manifestantes, a correr julgamento atualmente no Tribunal - partiram, ao som dos batuques, numa passeata pela baixa lisboeta que terminou, simbolicamente, na antiga Praça do Império, local atualmente freqüentado por muitos imigrantes e que constitui essa amálgama de povos que sonhamos ser, cidadãos do mundo já hoje.
...Repressão ao festival "Imune Fest”
...Mas, se desta vez a repressão do Estado não atingiu o grau de violência e brutalidade policial de 2007, não deixou de se verificar de forma insidiosa a sua presença nefasta, exercendo coação sobre uma associação popular com o intuito de impedir a realização do festival "Imune Fest", que foi cancelado em Lisboa por pressão da polícia exatamente na véspera do 25 de abril.O festival "Imune Fest" surgiu porque, segundo um comunicado distribuído, "somos imunes à opressão, imunes à apatia, imunes ao vosso controle da música", contando com a participação das bandas: Kostranostra (Anarcopunk de Valência), Gatos Pingados (Punk Hardcore de Almada), The Skrotes (Skate Punk de Lisboa), Massey Ferguson (Crust de Beja), Steven Seagal (Hardcore Oldschool de Lisboa), Ventas de Exterco (Punk Hardcore de Beja), Pussy Hole Treatment (Punk Trasher de Lisboa), Desobediência Geral (Anarcopunk de Lisboa). Na sexta-feira, dia 23 - um dia antes do festival - os organizadores foram informados pela Associação Boa União, local acordado para o concerto, que este não se realizaria ali, fazendo exigências despropositadas como alternativa, porque a polícia tinha ido lá e lhes tinha dito que não era aconselhável realizar naquele lugar o concerto porque "é coisa de anarquistas" e que eles "são piores que os nazis e integrantes dos “no name boys” e poderiam causar distúrbios". No final o concerto acabou por realizar-se na Ocupa Kylacancra, às 17h, em Palmela, Setúbal, com as bandas já anunciadas, disponibilizando-se, solidariamente, transporte para o novo local, menos acessível.”
(aqui: https://redelibertaria.blogspot.com/2010/04/portugal-sementes-da-resistencia-no_28.html)
Em 2012, no dia 25 de Abril, numa acção memorável, é reocupada simbolicamente no Porto, por centenas de pessoas a Es.Col.A da Fontinha que seria alvo de desocupação policial definitiva, no dia seguinte. (aqui: http://escoladafontinha.blogspot.com/2012/04/escola-e-nossa.html https://www.tsf.pt/vida/antiga-escola-do-bairro-da-fontinha-voltou-a-ser-entaipada-2441933.html )
Um ano depois, no dia 25 de abril de 2013 foi ocupado também simbolicamente o Palácio Silva Amado no nº 1 do Campo Mártires da Pátria, que seria alvo de desocupação poucas horas depois. (https://colectivolibertarioevora.wordpress.com/2013/04/26/leitura-do-manifesto-de-ocupacao-do-palacio-silva-amado-no-no-1-do-campo-martires-da-patria).
Noutros anos, Blocos libertários incorporaram-se também em manifestações do 25 de abril, quer em Lisboa, quer no Porto.
Também em vários outros anos anarquistas e organizações libertárias publicaram inúmeros manifestos e análises sobre o 25 de Abril. Dado o seu carácter sucinto e objectivo republicamos um comunicado da AIT/SP, de abril de 2014, em que esta organização considera que: “é preciso reavivar o verdadeiro Abril: o que não ficou em casa e recusou as ordens dos militares, o da ocupação de terras sem controlo partidário, o das cooperativas e assembleias populares espontâneas. Nenhum governo é capaz de resolver os problemas de quem trabalha e vive agrilhoado pelo capital. Este sistema moribundo, mantido apenas pela força e violência, serve os interesses de quem o comanda e não os do povo. Está apenas interessado em agarrar-se ao poder e em explorar a classe trabalhadora, para que os ricos continuem a enriquecer.”
(aqui; http://ait-sp.blogspot.com/2014/04/o-25-de-abril-e-intervencao-militar_24.html )
A 3 de março de 1975, vários grupos (uns anarquistas e outros afirmando-se apenas internacionalistas) de Lisboa organizaram uma manifestação de solidariedade para com os trabalhadores espanhóis ainda sob o jugo de Franco, aproveitando o aniversário do assassinato de Salvador Puig Antich, que tinha sido garrotado um ano antes, a 2 de março de 1974.
Foram várias centenas os manifestantes que desfilaram Avenida da Liberdade acima, provocando alguns estragos nas montras de companhias espanholas que ali tinham as suas delegações.
O comunicado que convocou a manifestação – para além de outro material publicado na altura – traduz o espírito da convocatória e a solidariedade que todo o movimento libertário português sempre prestou, neste período difícil, aos companheiros espanhóis.
Sobre esta manifestação, escreveu Júlio Carrapato, alguns anos depois, que "os jovens anarquistas e os velhos anarco-sindicalistas portugueses foram os únicos a organizar a manifestação de 3 de Março de 1975, contra o Pacto Ibérico e de solidariedade com os trabalhadores espanhóis, a única claramente antimilitarista que se fez no Portugal pós-fascista, na qual se gritou uma frase que os jornais servis nem se atreveram a transcrever na íntegra: “os soldados são filhos do povo; os generais são filhos da puta”. Coitados, com toda a boa vontade que os caracteriza em relação aos partidos do Governo ou aos da oposição legal democrática (sempre “a mudança”!), só ousavam citar a boutade até meio, o que, convenhamos, alterava “um pouquinho” o sentido da frase…”
Referindo-se a esta manifestação, Carlos Gordilho, escreve que: "A manifestação pública referida neste texto (...), foi planeada pela Associação de Grupos Autónomos Anarquistas. Na organização colectiva desse evento também participaram os companheiros espanhóis refugiados, que diáriamente conviveram connosco em Almada. Local onde estiveram alojados durante seis meses. A AGAA nessa época representava a única estrutura anarquista real, com capacidade de mobilização da juventude e com a força necessária de penetração em alguns sectores sociais. Na área indústrial da margem sul do Tejo (Lisnave, Oficinas do Arsenal do Alfeite, Companhia Nacional de Pescas, Siderurgia Nacional) a nossa propaganda era distribuida nos locais de trabalho, a partir de uma rede de jovens operários." (aqui)
Em baixo está a “notícia” do “insuspeito” Diário de Lisboa, então dominado pelo PCP e pela extrema-esquerda (a maioria hoje a militar em partidos de direita) que, num texto não assinado e demonstrativo daquilo que, na altura e agora, se chama “isenção jornalística”, tenta ironizar com a forma como decorreu o desfile de protesto. Quem lá esteve não se reconhece no tom faccioso e mentiroso da prosa! Mas fica como exemplo desses tempos, em que depois de 16 anos de repressão burguesa na 1ª República e de 48 anos de fascismo, o movimento anarquista ainda sofreu todo o tipo de silêncios, perseguições, mentiras e ocultações após o 25 de abril por parte de quem quis ocupar as primeiras filas de uma democracia de opereta.
http://casacomum.org/cc/visualizador?pasta=06822.172.27118#!4
Por Maria João Dias
Professor, filósofo e escritor, opositor à ditadura fascista do Estado Novo, viveu a violência da repressão. Passou por todas as prisões políticas até ser deportado para o Campo de Concentração do Tarrafal, onde esteve três anos e meio. É autor de diversas publicações, entre as quais “Tarrafal, aldeia da morte”, considerada um valioso testemunho sobre o sofrimento dos presos políticos.
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1. Manuel Francisco Rodrigues nasce em Lisboa, a 12 de Fevereiro de 1901, filho de Carlota da Conceição Vidal, natural de S. Domingues do Vale de Figueira (Santarém) e de António Guilherme Paula Rodrigues, carpinteiro, natural da freguesia de Santa Isabel, Lisboa, moradores na Estrada de Campolide. É inteligente, de espírito culto e inquieto. É assíduo frequentador da Biblioteca Nacional quando Jaime Cortesão é o Director. Torna-se partidário das ideias anarquistas e cristãs. A sua filosofia é libertária-ramo tolstoiano. Segue também doutrinas, crenças filosóficas e práticas de cariz místico. É defensor do vegetarianismo e particante do naturismo. Funda o "Grupo dos Filhos do Sol" com o enfermeiro Virgílio de Sousa, e colabora com a Liga- Anti-Alcoólica Operária". O seu idealismo cedo o levou às grades de uma prisão política, detido durante uma noite de contestação em Lisboa.
Com vinte e poucos anos, sai do país e, durante vinte anos, viaja 10.000 Km por toda a Europa. Vive na Noruega, Suécia, Estónia, Letônia , Lituânia, Alemanha...Na Bélgica, estuda e adquire um diploma em Filosofia, no Institut Philosophique de Bruxelles. Na Alemanha, vive na aldeia vegetariano-tolstoiana de Orienburg e participa na reunião da IV Internacional em Berlim.
Em 1936, está em Barcelona e, integrado no movimento anarquista, organiza na sua casa reuniões com outros membros de destaque do movimento. Casa com Aurora Reboredo, filha do anarquista José Rodrigues Reboredo (1891-1952). Em 1938 nasce a primeira filha do casal, Aurora. No eclodir da guerra civil espanhola, luta como voluntário contra os franquistas. É ferido e perde a visão do olho esquerdo. Refugia-se em França, atravessando os Pirenéus, e vive lá alguns anos com a família. Mas acaba por conhecer a dureza dos campos de concentração de Argelès-Sur-Mer; Saint-Cyprien e Gurs. Em dezembro de 1940, e já à espera do nascimento de mais uma filha, Maria, regressa a Portugal.
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2- Em Beirã (Marvão), a 15 de Dezembro de 1940, Manuel é detido com o sogro. Fica preso no posto da GNR até 20 de Dezembro, data em que é enviado para a cadeia do Aljube (Lisboa). Em Fevereiro de 1941, é transferido para a prisão de Caxias. Em Julho de 1941 dá entrada no Forte de Peniche, onde fica dois meses e, em 4 de Setembro de 1941, embarca para o Campo de Concentração do Tarrafal (Cabo Verde), com José Rodrigues Reboredo e outros antifascistas. Julga que é um engano, mas cedo as suas esperanças se desvanecem. Aí vai encontrar dois conhecidos: um antigo amigo dos tempos de juventude, o enfermeiro Virgílio de Sousa Coelho, que chegou ao Tarrafal a 12 de Junho de 1937 e de lá sairá apenas a 23 de Janeiro de 1946, e o operário metalúrgico José de Sousa Coelho, que deu entrada no Tarrafal a 29 de outubro de 1936 e sairá a 10 de Fevereiro de 1945. Conhece de nome apenas mais quatro ou cinco deportados. Considera que a sua prisão é um engano e uma injustiça, pois nem sequer foi julgado. Escreve cartas de apelo às autoridades civis e religiosas de então. Não obtém resposta. Apenas o castigo de conhecer durante vários dias a " frigideira".
Ao fim de 3 anos e meio de cativeiro, sem julgamento, regressa do “Campo da morte lenta” em 20 de Fevereiro de 1945 (1). Vai residir para o Porto e fica impedido de sair do país. Dedica-se à tradução e à docência. Em 1946, casa com Lucília Branca Dias, natural do Porto, professora de Educação Musical em vários liceus do Porto e Chaves. Em 1948, nasce a única filha do casal, Lucília Dias Rodrigues. Vive com a família em Matosinhos, durante alguns anos. Regressa ao Porto e vai residir para a Rua de Santa Catarina. Lecciona Filosofia e Línguas na Escola Comercial Oliveira Martins, no Liceu Nacional de Chaves, no Instituto Francês e em vários Colégios particulares. Liga-se a várias colectividades, entre as quais a Associação de Jornalistas e Homens do Porto, à Liga Portuguesa de Profilaxia Social , onde trabalhou com o Dr. António Emílio de Magalhães em vários projectos, um dos quais era acabar com o "hábito" de andar descalço. Em 1958, apoia a candidatura do General Humberto Delgado. Vai esperá-lo à estação de S.Bento, e é um dos que o carrega em ombros .
Nas décadas de 50 e 60, publica vários livros, em edição de autor, com o pseudónimo Oryam. Memórias (1950) e Cântico de Oryam contam experiências vividas por ele (3). Recebe um prémio literário pela União de Autores Latinos.
Em 1974, adoece e pouco usufrui do tempo em Liberdade. Organiza tudo o que tinha escrito, há muito, sobre o Tarrafal e a 3 de Julho, em edição de autor, finalmente pode publicar a sua obra mais importante e escondida durante décadas: "Tarrafal aldeia da morte | O diário da B5”. É um dos primeiros livros publicados sobre o campo de concentração. Trata-se de um relato na primeira pessoa, em 327 páginas, de uma obra ilustrada. Nesse ano, a obra tem mais duas edições, pela Brasília Editora (2) e recebe o Prémio Literário " 25 de Abril" para Ensaio Político, na Feira do Livro do Porto. Anuncia a publicação de mais três livros, que não chegarão ao prelo, devido ao seu estado de saúde. Mas publica ainda " Socialismo em Liberdade", em 1975.
Considerado um homem bondoso e simples, os últimos anos de vida passa-os doente e cego, mas “conservou sempre o aprumo que lhe tinham querido roubar nas prisões fascistas”. Morre no Porto, a 28 de setembro de 1977, tão anónimo e tão discreto como viveu (4).
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2 - Depoimentos:
Por Antónia Gato
«Manuel Francisco Rodrigues foi um homem extraordinário. A sua obra “Tarrafal Aldeia da Morte - o diário da B5”, é a melhor obra sobre o Campo do Tarrafal. Anarca-cristão tolstoiano, trabalhou como repórter, professor, tradutor de línguas estrangeiras e autor de várias obras literárias onde se apresenta ao público com o pseudónimo de Oryam. Integrado no movimento anarquista, casou em Espanha com a filha de José Rodrigues Reboredo e combateu como voluntário na guerra civil contra os franquistas.
Acompanhado pela família atravessou os Pirenéus e refugiou-se em França mas acabou por conhecer a dureza dos campos de concentração de Argelès-Sur-Mer; Saint-Cyprien e Gurs. Em dezembro de 1940 regressa a Portugal e, juntamente com o sogro, é detido e posteriormente deportado para o Tarrafal " -
In: Tese de Doutoramento de Antónia Maria Gato Pinto, TARRAFAL: RESISTIR COMO PROMESSA - O poder de transformar uma experiência de opressão numa história de grandeza. In: file:///C:/Users/Utilizador/Downloads/CCT.pdf
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Por Diana Cortez:
"Manuel Francisco Rodrigues era meu vizinho. Tinha uma sala cheia de livros, tantos que chegavam ao tecto. Estava cego, já não os lia... Passava os dias de sol no quintal, à sombra da japoneira e os restantes em casa a ouvir música clássica. Às vezes pedia-me que lhe lesse. Eu não entendia o que lhe lia, muito menos porque sorria quando me ouvia. Diziam ser muito inteligente mas eu não sabia porquê.
Hoje sei que era filósofo, poeta, professor e escritor, cujo pseudónimo era Oryam.
Foi perseguido por ser inteligente e ter ideais anti-fascistas, esteve detido em vários lugares, entre eles, o campo de concentração Tarrafal, onde terá vivido dias de terror."
3. Outras publicações
O Cântico de Oryam, Colecção Oryam (Nº 2) Editora: Edição do Autor, 1ª Edição, 1957, Porto – Imprensa Social Secção da Coop. do Povo Portuense.
A Ideia Venceu a Morte, Colecção Oryam (Nº 3). Edição do Autor, 1ª Edição, 1958, Porto – Tip. J. R. Gonçalves, Limitada.
Socialismo em Liberdade, 1ª ed ,1975
Notas:
(1) Chegaram ao Tarrafal sucessivas levas de presos. As primeiras ocorreram em 1936 (151 deportados) e em 1937 (57 deportados). Mais tarde, à medida que a II Guerra Mundial foi evoluindo favoravelmente para os Aliados, decresceram os números da deportação. Na sua maioria, esses presos ultrapassaram largamente as penas a que tinham sido condenados; e, por vezes, nem sequer eram julgados, funcionando o campo como um desterro sem lei, isto é, de acordo com as leis fascistas de Salazar. Em 1939 verificam-se as primeiras saídas do campo, esporádicas, mas só em 1944 se regista um movimento significativo de libertações, cerca de uma trintena. O campo, aberto em Outubro de 1936, seria fechado em 1954. Foram 36 os prisioneiros políticos que morreram no Tarrafal: 32 portugueses, 2 angolanos e 2 guineenses. Os restos mortais dos portugueses só depois do 25 de Abril puderam voltar à pátria: Em 1961, o Ministro do Ultramar Adriano Moreira reabre-o para nacionalistas africanos, com a designação de Campo de Trabalho de Chão Bom.
(2) Excertos da sua obra "Tarrafal aldeia da morte":
«Quando os primeiros deportados chegaram, encontraram pedregulhos, vento, calor e mosquitos. Então ainda não havia as casernas, nem o «Posto de Socorros», nem a cozinha, nem as oficinas. Tudo isso se fez depois. O que havia já era o arame farpado e a água do poço. Fizeram umas toscas barracas de lona e, passados alguns meses, morreram os primeiros oito reclusos... Só num dia morreram três... depois mais três... e mais dois... Os cadáveres foram transportados a pau e corda para o cemitério. Então ainda não havia o luxo da camioneta. (,,) Depois, abriu-se a pedreira e mandou-se fazer uma marreta que pesava uma arroba. Sob os raios quentíssimos do sol, os forçados arrancavam e transportavam a pedra e, em longa e interminável fileira custodiada por soldados negros, acarretavam a água do poço para as necessidades do povo da aldeia. Quando um escravo caía, vítima do paludismo mortífero, outro era imediatamente escolhido para o substituir. E, depois, como se tudo isso não bastasse, construíu-se a célebre «Frigideira»...isto é: -a antecâmara do cemitério. A «Frigideira» é um bloco de cimento, dentro do qual há um orifício onde emparedam os reclusos que caem na desgraça de não agradar aos que estabelecem as ordens.
(…) Sob a acção do sol, a temperatura vai subindo dentro do buraco... sobe... sobe... sobe!... O desgraçado ou desgraçados que lá estão vão suando... suando... até ficarem cozidos e depois assados. É claro que, submetidos a esse tratamento, morrem muito mais depressa, sobretudo quando o ingresso no buraco se faz ao som das chicotadas do cavalo- marinho rasgando as costas dos condenado, às quais se seguem os consagrados rigores do jejum periódico forçado.»
(3) Catalogado na Livraria Fernando Sanos em Filosofia, em 244 páginas e com a descrição: «10.000 kms através da Europa. – A aldeia vegetariano-tolstoiana de Orienburg. – A lição dos Três Profetas na maravilha nevada do Wildhorn sobre o Homem e o Universo. – O país do sol da meia-noite, o acampamento de Krishnamurti e o ocaso de Viena de Áustria. – Franz Korscnher e Stefan Zweig. – A Academia de Estudos filosóficos fundada por Anakreon no oásis grego de Zágora».
(4) «Quando o conheci era um velho no limite da resistência humana, deixara em vários cativeiros o vigor, a força e a vontade férrea que sempre o tinham animado. (…) Da vida que dedicou à Paz no mundo restam apenas, além dos seus livros, recordações mais ou menos vagas daqueles que o conheceram. (…) Se continuarmos assim, esquecendo ou minimizando, de ânimo leve, Homens de tal envergadura, o “dia em que soará na terra a hora da fraternidade, da Paz justa e sincera” estará cada vez mais longe e, em breve, estaremos de novo envoltos nessa paz podre e vergonhosa de que tão dificilmente nos libertámos» - Sílvia Barata Gonçalves da Silva (Rio Tinto) em “Tribuna Livre”, 27 Maio 1979.
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Fontes:
- ANTT Registo Geral dos Presos nº 12946
- https://www.livrariafernandosantos.com/.../memorias-de.../
- http://im-parcial.blogspot.com/.../tarrafal-aldeia-da...
- https://seculopassadolivros.com/.../a-ideia-venceu-a.../
- http://media.diariocoimbra.pt/.../55b02a81-e5dc-469e-9676...;
- https://digitarq.arquivos.pt/viewer?id=4820829
- Tribuna Livre (secção de jornal não identificado) – artigo de Sílvia Barata Gonçalves da Siva, em homenagem a Manuel Francisco Rodrigues
- Correspondência de MFR com leitores das suas obras.
Informações da filha, Lucília Dias Rodrigues, Diana Cortez e da investigadora Antónia Gato Pinto.
aqui: https://www.facebook.com/FascismoNuncaMais/photos/a.559109110865139/2332024566906909/
O Alentejo sempre foi um terreno fértil para o anarquismo e para o anarco-sindicalismo enquanto instrumentos de luta para uma sociedade sem explorados nem exploradores. Na 1ª República o movimento libertário e anarco-sindicalista teve uma forte presença em toda a região, sobretudo no seio dos trabalhadores agrícolas, dos artesãos (sapateiros, por exemplo), dos mineiros de São Domingos e de Aljustrel, dos corticeiros e dos pescadores da costa alentejana. Violentamente reprimido durante o fascismo, o movimento anarquista e anarco-sindicalista resistiu até onde pôde, vendo os seus melhores filhos, mortos, deportados ou presos. Após o 25 de Abril de 1974 houve várias tentativas para recuperar essa tradição no Alentejo, tendo-se constituído grupos em Beja, Évora, Portalegre e noutras localidades. Em Beja, realizou-se no dia 25 de Janeiro de 1975 um comício que praticamente encheu o Ginásio do Liceu de Beja, em que estiveram presentes militantes e simpatizantes de todo o Alentejo. Este comício foi promovido pelos Grupos Anarquistas Autónomos. Alguns anos mais tarde, a 28 de Abril de 1979 realizou-se também em Beja uma outra sessão de esclarecimento promovida pelo jornal “A Batalha”, desta vez realizada na Sociedade Capricho Bejense. Ficam aqui, como registo, os cartazes e os panfletos distribuídos nessa altura na cidade de Beja.
Há 40 anos, em dezembro de 1982, com a publicação de "A Oposição Libertária em Portugal (1939-1974)", o militante e historiador anarquista Edgar Rodrigues concluía a sua resenha sobre o movimento anarquista em território português, iniciada em 1980 com "O Despertar Operário em Portugal (1834-1911)" e em 1981 com "Os Anarquistas e os Sindicatos (1911-1922)" e "A Resistência Anarco-Sindicalista à Ditadura (1922-1939)", todos editados pela Editora Sementeira (ligada ao grupo editor de A Ideia). Este trabalho de longo fôlego, repleto de dificuldades e de lacunas, derivadas da distância (Edgar Rodrigues estava radicado há longos anos no Brasil) e da incompreensão de alguns companheiros, como o autor refere no preâmbulo à obra, constituiu-se, no entanto, como de enorme importância para o estudo do papel dos anarquistas na oposição à ditadura. Durante décadas, os comunistas e uma parte substancial da oposição, muitas vezes por desconhecimento, mas na maior parte dos casos por má fé, apregoavam que o anarquismo tinha morrido depois do 18 de janeiro de 1936 e das prisões em massa ocorridas até ao final da década de 30. No entanto, este trabalho veio provar, através da mais variada documentação e da biografia de muitos militantes anarquistas, que, embora debilitado, o movimento anarquista manteve-se vivo durante grande parte da vigência do regime fascista em Portugal a ele se opondo e resistindo na clandestinidade.
Notícia no jornal Sempre Fixe, de 20.06.1974, pg.7, sobre o 1º comício anarquista após o 25 de abril de 1974, realizado em Almada, a 20 de junho de 1974. O contexto desse comício pode ser lido aqui.
A Utopia cumpre agora 40 anos, muito tempo e muitas histórias. Contem-nos um pouco como chegaram as vossas vidas à formação da Utopia, e em que ambiente foi possível germinar um projecto de afinidades libertárias num momento histórico dominado ainda por tendências autoritárias da esquerda?
Manuel Ricardo de Sousa – A ideia de abrir uma livraria alternativa no Porto, numa época em que outras já tinham encerrado, como a Erva Daninha e a Contra-a-Corrente, deve-se em parte ao facto de ter rompido com as FP25 e termos decidido, eu e a minha companheira, mudar-nos para o Porto, onde já tinha relações com companheiros anarquistas de Vila do Conde. Também influenciou o facto de estarmos ligados à histórica editora Centelha, de Coimbra, onde na época editámos livros como A Europa da Repressão ou a Insegurança do Estado, Uma Campanha de Salubridade de Júlio Carrapato e A Anarquia Perante os Tribunais de Pietro Gori, em grande parte sustentada pelo entusiasmo militante do advogado e cooperativista Sobral Martins. Curiosamente nessa pequena vila de pescadores surgira um activo núcleo de libertários resultante das relações dos irmãos Veiga (Joaquim, recentemente falecido, e Armando, um dos organizadores dos acampamentos anarquistas em Izeda). Após Joaquim se ter exilado em França, através dele começaram a chegar as ideias anarquistas a jovens trabalhadores da vila, o que gerou esse núcleo que apareceu após o 25 de Abril e nunca desapareceu, ao contrário do que ocorreu noutras cidades. Foi com esses companheiros que em grande medida se desenvolveu a ideia da livraria Utopia e vários deles estiveram envolvidos nas obras de adaptação do espaço. Quem também colaborou foi o Karpov, que conhecia do Grupo Anti-militarista e Ecológico da AAC e do activismo anarquista em Coimbra, e que nesse momento estava a tirar no Porto um curso de formação profissional de pedreiro. Quando abrimos já o ambiente radical da cidade estava em desagregação, na ressaca da estabilização política, e diversos militantes que tinham participado em grupos de extrema-esquerda, em particular do «Grito do Povo», que teve relevância no Porto e no Norte no pós-25 de Abril, tinham rompido com o leninismo, alguns aproximando-se de posições libertárias
À volta da Utopia acabou por reunir-se um grupo diverso de pessoas. Que projectos, actividades e publicações nasceram entre aquelas estantes repletas de livros?
MRS – Sendo um espaço um pouco periférico na geografia comercial — e sendo reduzido o ambiente libertário e alternativo da cidade, como o é ainda hoje — que já estava vendida à lógica da reestruturação capitalista, e com a militância esquerdista a reciclar-se, a vida não era fácil para uma livraria como a Utopia. Também não tínhamos espaço para actividades, exceptuando pequenos encontros de algumas pessoas, mas fomos resistindo — quer como Utopia, quer como Grupo Germinal de Vila do Conde, que era constituído pelo Lano, Ramiro, Quim, Gena e eu — acompanhando as iniciativas dos grupos libertários, principalmente dos companheiros de Coimbra e Leiria, os encontros, campanhas, conferências, acampamentos que se foram realizando. Um pouco à margem do que se passava em Lisboa, com todos os seus conflitos, onde só íamos irregularmente e com pouso certo na Bica, na casa do velho peixeiro e anarquista heterodoxo Zé de Brito. Na Utopia começaram a aparecer, aos poucos, alguns companheiros com os quais não tínhamos ainda contacto regular como o Paiva, a Fany, o António, o agitador da contracultura tripeira, e o restante grupo da Rádio Caos, o Alvão e o Figueiredo, entre outros, além dos curiosos clientes de livros usados, que são uma fauna muito particular que frequenta esses espaços e sente ao longe o cheiro de livro velho. Não havia muitos livros mas tínhamos os suficientes, além das publicações anarquistas da época e fanzines, que marcavam a diferença…
Tendo a Utopia sido inaugurada no período de normalização democrática e entrada na sociedade de consumo, mas onde a luta armada ainda era uma realidade na luta anti-capitalista tanto em Portugal como em Espanha, de que forma o colectivo de pessoas que girava à volta da Utopia, foi fundamental no apoio a companheiros e companheiras que mantinham actividades ilegais?
MRS – É necessário ter presente que ainda não tinha ocorrido todo o processo de «normalização» política, nem sequer a sociedade de consumo estava ainda instalada, só com a adesão à CEE esse ciclo se começa a fechar no final dos anos 80, início dos 90. Mantínhamos então contactos frequentes com companheiros do estado espanhol e foi através deles que mais tarde, Luís Andrés Edo, um histórico militante anarquista catalão do pós-guerra, já falecido, nos faria chegar o pedido de apoio a companheiros libertários em fuga. Pela Utopia passariam, entre outros, Alberto e Conchita, ele escapado da prisão numa das mais espectaculares e curiosas fugas ocorridas em Espanha nos anos 80, quando trocou de lugar na prisão com o seu irmão gémeo. Acabariam indo para a Nicarágua e para o México, só voltando à Catalunha muitos anos mais tarde. Esses companheiros e outros ligados aos Comandos Autónomas Anti-Capitalistas, bem como à COPEL, o Manolo e a Iza, que eram maioritariamente libertários, mas à margem das organizações históricas CNT/FAI, seriam alguns dos que foram apoiados nessa rede ilegal e informal de afinidades libertárias. Mas também companheiros portugueses com problemas legais. Foi nessa época que conheci, nas idas a Espanha e a França, entre outros, Abraham Guillén, Octávio Alberola, Ariane Gransac, António Tellez, Abel Paz, activos militantes espanhóis da geração pós-Guerra Civil envolvidos na resistência anti-franquista. Era a geração de «transição», embora muito ligada ainda à Guerra Civil, mas que tinha após os anos 60 tentado através das Juventudes Libertárias e da acção directa, dar uma nova vida ao activismo revolucionário anarquista. Activismo que continuou, ainda pelos anos 70, com diversos grupos em Espanha, França e Itália, e que obviamente ainda se prolongou na geração seguinte.
Como se dá já nos anos 80 a tua saída da Utopia e o Lano assume a responsabilidade da livraria?
MRS – Pelas razões já referidas do meu envolvimento na fase inicial das FP 25, assunto sobre o qual já escrevi e não vale a pena aprofundar, e a passagem de diversos companheiros com problemas legais pelo nosso espaço, mas principalmente pela denúncia de um bufo, a Utopia foi colocada sob observação pelos homens da DCCB. Quando se tornou evidente essa vigilância e que a qualquer momento iriam ocorrer prisões, eu e a minha companheira abandonámos a livraria e a cidade. Mas, apesar de tudo, era importante que a livraria continuasse a funcionar independentemente deste acidente de percurso. Herculano que desde sempre era um trabalhador assalariado com pouca vontade de o ser, mostrou-se disponível para assumir a Utopia até porque a polícia nunca teve nada de concreto contra a livraria para lá do cheiro a esturro que o seu faro apurado sempre é capaz de detectar. Por sorte nossa, e azar deles, também não nos conseguiu então prender pelo que o máximo que podiam fazer era manter a livraria sob vigilância e escutas. Tudo ficou na obscuridade do jogo do rato e do gato, não chegando ao espectáculo jornalístico. Mais tarde, ocorreria a minha prisão, mas já em Coimbra, e logo em seguida, a fuga colectiva da EPL. Após isso nos meses seguintes sabendo que as opções eram escassas neste pequeno país, e que mais dia, menos dia, iria voltar a ser preso, decidimos sair para o estrangeiro. Antes disso tivemos um encontro com os companheiros de Vila do Conde em que discutimos com o Herculano a continuidade da livraria pois sabia que pelo menos por dez ou quinze anos, na melhor das hipóteses, não poderia voltar a viver em Portugal. É a partir daí que o Herculano assume integralmente os rumos desse espaço alternativo do Porto demonstrando uma capacidade de resistência notável nas décadas seguintes, conseguindo fazer sobreviver a Utopia a todas as adversidades sociais, económicas e livreiras. Mesmo sabendo que teria uma vida mais tranquila, e acomodada, na condição de predestinado à vida de assalariado.
Nos anos seguintes quais foram as principais actividades na área libertária em que a Utopia esteve envolvida? Quais foram as relações com os grupos jovens informais que publicavam fanzines e com o colectivo Inquietação do Porto e com a revista Utopia?
Herculano Lapa – Quando fiquei na Utopia, os contactos regulares foram ainda com as pessoas ligadas à Rádio Caos, que emitia a partir da Praça da República aqui ao lado da Utopia. Nesta rádio, que vivia em plena autogestão até ao momento em que foi silenciada pela lei do audiovisual, foi possível participar com estreita colaboração em programas, através de entrevistas, partilha de livros e revistas, alguns deles emitidos a partir da Utopia. No campo das edições continuamos continuámos a colaborar com a Centelha/Fora do Texto, nesse período pertenciam também ao colectivo da Centelha, o Chico, o Karpov e o Zé Tavares, até ao seu desaparecimento com a morte de Sobral Martins. Foram editados nesse período livros como À Tribo dos Irrecuperáveis, Guerrilha no Asfalto e A Resistência do Índio à Dominação do Brasil, um livro de Jorge Valadas e outro do João Bernardo para falar de alguns dos mais interessantes. Uma das apresentações interessantes que fizemos foi o de uma nova edição do Discurso sobre o Filho da Puta de Alberto Pimenta, que o autor dedicou à URSS-EUA e foi um momento marcante, como sempre acontecia com as perfomances do Pimenta. A publicação de fanzines de música, pequenos contos, poesia e política, fazia aparecer ainda alguns jovens com curiosidade e gosto pela leitura dessas publicações, um dos quais, o Noé, passou a colaborar regularmente com a livraria. Num período tivemos também discos e cassetes de música punk e literatura libertária vinda de Inglaterra e Estados Unidos, que o João encomendava para distribuir na sua distribuidora, Confronto. No final dos anos 80 foi possível com jovens companheiros libertários, organizar debates contra as comemorações dos «descobrimentos», onde denunciámos o roubo e massacre das populações indígenas e o tráfico de escravos, todo o lado sombrio da nossa história. Nesta campanha contra a expansão portuguesa, colaboramos com o MAR – movimento anti-racista, anticolonialista, antí-nacionalista, e distribuímos o seu Boletim que denunciava a história colonial portuguesa. Com o César Figueiredo e o Germinal organizámos uma exposição de Mail Art internacional, que esteve em exposição em Vila do Conde onde se debateu «os encobrimentos», com a colaboração do Júlio Henriques, também companheiro nosso na Centelha, que agora edita a revista Flauta de Luz. Com o Paiva fui participando em diferentes actividades sobre o anarquismo; com o Luis Chambel participei no Inquietação. Este colectivo que durou mais de uma década era composto por algumas pessoas mais próximas da extrema-esquerda mas também alguns libertários, lembro do Rui Ribeiro agora editor em Lisboa e o Paulo Esperança, nessa altura os debates mais apaixonantes foram a desmontar as eleições e o vanguardismo como herança do marxismo-leninismo! Destas experiências nasceram as Jornadas Libertárias do Porto e as Feiras do Livro Anarquistas na cidade.
Houve encontros e tentativas associativas dos meios libertários nesse período?
HL – Nos finais dos 80 e no começo dos anos 90 foram-se criando condições para uma maior aproximação e cooperação nos meios libertários em Portugal, superando alguns problemas da década anterior, talvez porque começava a ficar claro a pouca actividade individual e dos grupos dos anos anteriores. Foi assim que nasceu a Associação Cultural a Vida, da qual fui um dos fundadores, em 1995, que editou a Revista Utopia até e reuniu companheiros provenientes de diversos grupos e publicações da geração pós-25 de Abril, constituindo o colectivo mais diversificado que até então se tinha reunido. Com o Germinal distribuímos a revista pelo norte do país, com a associação participei no Acampamento Libertário de Izeda em 1997, onde mais uma vez o Armando Veiga foi fundamental, e que teve uma participação significativa. Esta iniciativa chegou a ter destaque mediático. Foi pena que o impulso resultante desse acampamento, onde surgiram novos companheiros e companheiras, não tenha sido aproveitado pelo movimento libertário para se consolidar no aspecto associativo.
Como conseguiu a Utopia sobreviver nesta fase recente, com a crise geral na área do livro e a pressão da turistificação da cidade do Porto. E como tem participado — ou se tem relacionado — com as diversas lutas que têm surgido nos últimos anos na cidade?
HL – A certa altura pensava-se que os meios digitais iriam liquidar o livro impresso e pôr fim à importância do livro, mas isso não veio a acontecer, pelo menos da forma que alguns imaginavam. O livro em papel continua, apesar de tudo, a ter uma relevante função cultural e, hoje, com pouco dinheiro podem encontrar-se obras interessantes nas livraria e alfarrabistas! No entanto, o maior problema das livrarias independentes, principalmente das alternativas como a Utopia, continua a ser conseguir que os leitores as continuem a frequentar, em vez de comprarem livros nas grandes cadeias e nas «Amazons»…
No que se refere ao impacto do turismo, basicamente tem estado a retirar as pessoas da cidade, a pandemia abrandou essa vertigem especulativa, mas os próximos anos vão indicar para onde caminhamos. Se tudo se vier a acentuar, as cidades como o Porto e Lisboa, vão ficar para as classes média e alta portuguesa e estrangeira, afastando os cidadãos comuns das cidades, principalmente os jovens e os velhos. Por isso mesmo as lutas pela habitação e em defesa do direito à cidade são das que estão mais na ordem do dia neste país, principalmente se integradas na crítica às ideias dominantes de desenvolvimento e progresso.
É necessário referir que apesar de tudo foram aparecendo diversos espaços de afinidade libertária na cidade, do Terra Viva, dedicado há muitos anos à ecologia social, à Casa Viva, já desaparecida, espaço ocupado autogestionário, onde se fez um dos últimos grandes encontros libertários, ao Musas e ao Gato Vadio, cada um com a sua forma e filosofia própria. Não esquecendo os mais recentes com a Gralha e o Maldatesta ou experiências únicas na sua mobilização como a da Es.col.A da Fontinha.
Mas a Utopia manteve-se como o único espaço exclusivamente livreiro, evidentemente falando do Porto, em Coimbra e depois em Lisboa o Zé Tavares teve a Crise Luxuosa, com todas as dificuldades associadas a esse facto. Termino dizendo que não sei quantos mais anos a Utopia irá sobreviver mas até lá reafirmo que é um espaço aberto a todos os leitores, principalmente aos que connosco têm mais afinidades, aqui sempre poderão trocar ideias e comprar algum livro que não irão encontrar nas grandes livrarias comerciais…
Artigo publicado no JornalMapa, edição #34, Maio|Julho 2022.
Apesar das divergências no seio do movimento anarquista (um grupo de 16 anarquistas, entre eles Kropotkine e Jean Grave, tomou posição pública a 14 de março de 1916, durante a 1ª guerra mundial, apoiando os Aliados contra o Império Alemão), um ano antes, a 12 de fevereiro de 1915, é divulgado em três línguas (inglês, francês e alemão), em Londres, o manifesto anti-belicista intitulado “A Internacional Anarquista e a Guerra”, que será publicado no número de março da revista anarquista Freedom.
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"Manifesto dos 35"
A Europa em chamas, dez milhões de homens a combaterem na carnificina mais terrível já registada na história, milhões de mulheres e crianças em lágrimas, a vida económica, intelectual e moral de sete grandes povos brutalmente suspensa, a ameaça cada vez mais séria de novas operações militares , - tal é, desde há sete meses, o espetáculo doloroso, angustiante e odioso que o mundo civilizado nos oferece.
Mas um espetáculo esperado, pelo menos pelos anarquistas.
Porque para eles nunca houve e não há qualquer dúvida - os terríveis acontecimentos de hoje reforçam essa certeza - que a guerra está em permanente gestação no atual organismo social e que o conflito armado, restrito ou generalizado, colonial ou europeu, é a consequência e o culminar necessário e inevitável de um regime que se baseia na desigualdade económica dos cidadãos, repousa sobre o antagonismo selvagem de interesses e coloca o mundo do trabalho sob a estreita e dolorosa dependência de uma minoria de parasitas, detentores de ambos os poderes político e económico. A guerra era inevitável: de onde quer que viesse, tinha que rebentar. Não é em vão que durante meio século se preparam febrilmente os armamentos mais formidáveis e que os orçamentos da morte aumentam a cada dia que passa. O material da guerra, ao ser constantemente melhorado, ao pretender-se continuamente conduzir todas as pessoas e todas as vontades para uma melhor organização da máquina militar, não se trabalha para a paz.
É, portanto, ingénuo e pueril, depois de se terem multiplicado as causas e as ocasiões dos conflitos, tentar estabelecer as responsabilidades relativamente a tal ou tal governo. Não há distinção possível entre guerras ofensivas e guerras defensivas. No conflito atual, os governos de Berlim e Viena justificaram-se com documentos não menos autênticos que os governos de Paris, Londres e Petrogrado. E qualquer destes ou daqueles produzirá os documentos mais indiscutíveis e decisivos para firmar a sua boa-fé e apresentar-se como o defensor imaculado do direito e da liberdade, o campeão da civilização.
A civilização? Quem a representa neste momento? É o estado alemão com o seu formidável militarismo e tão poderoso que sufocou qualquer indício de revolta? É o Estado russo em que o knout (chicote russo), a forca e a Sibéria são os únicos meios de persuasão? É o Estado francês, com Biribi (calão militar: as companhias disciplinares instaladas no norte de África), as conquistas sangrentas de Tonkin (Vietname), de Madagascar, de Marrocos, com o recrutamento forçado de tropas negras; a França que mantém nas prisões. durante anos, camaradas acusados apenas por terem escrito e se manifestado contra a guerra? É a Inglaterra que explora, divide, espalha a fome e oprime as populações do seu imenso império colonial?
Não. Nenhum dos beligerantes tem o direito de se reivindicar da civilização, assim como nenhum tem o direito de se declarar na posição de legítima defesa.
A verdade é que a causa das guerras, daquela que hoje enche de sangue as planícies da Europa, como de todas as que a precederam, reside unicamente na existência do Estado, que é a forma política do privilégio.
O Estado nasceu da força militar; desenvolveu-se servindo-se da força militar; e é, ainda , na força militar que ele deve logicamente confiar para manter sua força toda poderosa. Seja qual for a forma que assuma, o Estado nada mais é mais do que a opressão organizada para benefício de uma minoria privilegiada. O conflito atual ilustra isso de maneira impressionante: todas as formas de Estado estão envolvidas na guerra atual: o absolutismo através da Rússia, o absolutismo mitigado do parlamentarismo através da Alemanha, o Estado reinando sobre povos de países muito diferentes através da Áustria, o regime de democracia constitucional através da Inglaterra e o regime democrático republicano através da França.
O mal dos povos, que no entanto estavam todos profundamente interessados na paz, foi terem confiado no Estado com os seus diplomatas ardilosos, na democracia e nos partidos políticos (mesmo da oposição como o socialismo parlamentar), para evitar a guerra. Esta confiança foi propositadamente frustrada e continua a sê-lo quando os governantes, com a ajuda de toda a sua imprensa, querem persuadir os seus respetivos povos de que esta guerra é uma guerra de libertação.
Nós somos claramente contra qualquer guerra entre os povos e, nos países neutrais, como a Itália, onde os governantes pretendem lançar novos povos na fornalha da guerra, os nossos camaradas opuseram-se, opõem-se e sempre se oporão à guerra com toda a energia.
O papel dos anarquistas, onde quer que, ou em que situação, se encontrem, na tragédia atual, é continuar a proclamar que há apenas uma guerra de libertação: aquela que, em todos os países, é travada pelos oprimidos contra os opressores, pelos explorados contra os exploradores. O nosso papel é chamar os escravos às revolta contra os seus senhores.
A propaganda e a ação anarquistas devem ser usadas com perseverança para enfraquecer e desmantelar os vários Estados, cultivar o espírito de revolta e criar descontentamento nos povos e nos exércitos.
A todos os soldados de todos os países, que têm a convicção de que estão a lutar pela justiça e pela liberdade, devemos explicar que o seu heroísmo e a sua valentia servirão apenas para perpetuar o ódio, a tirania e a miséria.
Aos operários devemos lembrar que as armas que agora têm nas mãos foram usadas contra eles nos dias de greves e de justificadas revoltas, e que serão usadas novamente contra eles para forçá-los a sofrer a exploração patronal.
Aos camponeses, para lhes mostrar que depois da guerra será necessário mais uma vez curvarem-se ao jugo, e continuarem a cultivar a terra dos seus senhores e a alimentarem os ricos.
A todos os párias, para que não devem largar as suas armas até que tenham acertado contas com os seus opressores, antes de tomarem para si as terras e a fábricas.
Às mães, companheiras e filhas, vítimas do aumento da miséria e da privação, mostremos quem é realmente o responsável pela sua dor e pelo massacre dos seus pais, filhos e maridos.
Devemos aproveitar todos os movimentos de revolta, todos os descontentamentos, para fomentar a insurreição, para organizar a Revolução da qual esperamos o fim de todas as iniquidades sociais. Sem desânimo - mesmo diante de uma calamidade como a guerra actual !
É em tempos tão conturbados, quando milhares de homens dão as suas vidas heroicamente por uma ideia, que devemos mostrar a esses homens a generosidade, a grandeza e a beleza do ideal anarquista; justiça social alcançada através da livre organização dos produtores; a guerra e o militarismo suprimidos para sempre, a liberdade conquistada pela destruição total do Estado e dos seus órgãos de coerção.
Viva a Anarquia!
Leonard D. Abbott, Alexander Berkman, L. Bertoni, L. Bersani, G. Bernard, A. Bernardo, G. Barret, E. Boudot, A. Calzitta, Joseph J. Cohen, Henry Combes, Nestor Ciele van Diepen, FW Dunn, Ch. Frigerio, Emma Goldman, V. Garcia, Hippolyte Havel, TH Keell, Harry Kelly. J. Lemaire, E. Malatesta, A. Marquez, F. Domela Nieuwenhuis, Noel Paravich, E. Recchioni, G. Rijnders, I. Rochtchine, A. Savioli, A. Schapiro, William Shatoff, VJC Schermerhorn, C. Trombetti, P. Vallina, G. Vignati, LG Woolf, S. Yanovsky.
Londres, fevereiro de 1915.
Pedimos à imprensa anarquista de todo o país que amavelmente reproduza ou traduza este manifesto que é publicado apenas em alemão, inglês e francês.
(tradução Portal Anarquista)
Título: | A Confederação Geral do Trabalho (1919-1927) |
Autor: | Teodoro, José Miguel |
Orientador: | Ventura, António, 1953- |
Palavras-chave: | Confederação Geral do Trabalho - História Sindicalismo - Portugal - 1919-1927 Sindicalismo revolucionário - Portugal - 1919-1927 Sindicatos - Portugal - séc.20 Teses de doutoramento - 2014 |
Data de Defesa: | 2014 |
Este documento dá conta dos resultados do trabalho de investigação sobre a Confederação Geral do Trabalho (CGT), o organismo de cúpula do sindicalismo português, nos anos de 1919 a 1927. Formada em 1919, no II Congresso Operário Nacional de Coimbra, foi determinada a sua dissolução pelas autoridades após a tentativa de golpe de estado de Fevereiro de 1927. Apresentam-se os antecedentes imediatos da organização, o modelo organizativo que adoptou, o funcionamento dos principais órgãos confederais e a relação com os organismos confederados, o essencial da vida interna destes e a sua participação na actividade confederal; identificam-se organismos, militantes e activistas de referência, a geografia do sindicalismo português, o papel determinante do jornal A Batalha, e os principais eventos, como os três congressos nacionais de sindicatos. Surpreende-se o ambiente social e laboral no país, as principais determinantes da acção sindical e confederal, a militância e a participação; mas também as insuficiências e dificuldades, a repressão e os seus efeitos, os grandes temas fracturantes – as Internacionais sindicalistas, a orientação do sindicalismo (libertário, à margem dos partidos políticos ou irmanado com o Partido Comunista), a táctica sindical e a capacidade e autosuficiência do sindicalismo, ou a participação da CGT em acções e estruturas frentistas unitárias defendidas pelos sindicalistas comunistas. Analisam-se pontos críticos da organização, como a escassez de recursos humanos e financeiros, a redução do efectivo sindicalizado, e apresentam-se momentos graves da organização – a atitude face ao “18 de Abril” e ao “28 de Maio”, o confronto interno entre militantes/activistas sindicais das sensibilidades anarquista e comunista, a expulsão de dirigentes sindicalistas comunistas da CGT em 1921, a saída de sindicatos importantes em 1925, a crise protagonizada por Santos Arranha e Manuel Joaquim de Sousa em 1926, que levou várias Federações a abandonar a organização, o “3-7 de Fevereiro de 1927”.
Os anarquistas e membros da antiga CGT anarco-sindicalista, José Francisco e Acácio Tomás Aquino, na manifestação do 1º de Maio de 1974, na Avenida Almirante Reis, transportando a bandeira do Sindicato Único das Classes Metalúrgicas de Lisboa (a que também pertenceu Emidio Santana), aderente à CGT, e que Aquino conservou e guardou durante várias dezenas de anos, apesar da fúria repressiva das forças policiais do Estado fascista que apreendeu o mais diverso material dos sindicatos anarquistas, para além do roubo das suas sedes e da prisão dos seus principais dirigentes e militantes.
A 22 de Dezembro de 1900 nascia em Setúbal o anarcosindicalista e resistente antifascista Jaime Rebelo. Pescador e marítimo de profissão, ainda jovem aderiu à Confederação Geral do Trabalho (CGT), da qual foi um dos principais responsáveis em Setúbal. Viveu a maior parte da sua vida em Cacilhas. Como militante anarco-sindicalista foi um dos animadores, com Francisco Rodrigues Franco, da Associação de Classe dos Trabalhadores do Mar de Setúbal, mais conhecida por “Casa dos Pescadores”, que foi encerrada na sequência do golpe de Estado de 28 de Maio de 1926 e da qual conseguiu salvar documentação importante.
Em 1931, em consequência da chamada “Greve dos 92 dias” , foi preso e torturado pela PIDE. Durante os interrogatórios, cortou a língua para evitar falar e denunciar os companheiros. Há duas versões: uma, com os próprios dentes; outra, entre dois interrogatórios, com uma lâmina que trazia escondida no tacão dos sapatos. Sabendo deste facto, o escritor Jaime Cortesão dedica-lhe um dos seus poemas mais belos (ver mais abaixo) – o Romance do Homem da Boca Cerrada. Este poema circula clandestinamente durante toda a ditadura salazarista e foi publicado em 1937 no jornal comunista “Avante”, que procurava, nessa altura, forçar uma política de Frente Popular.
Uma vez em liberdade e vitima de perseguições constantes emigrou para Espanha. Ali filiou-se na CNT anarcosindicalista e durante a Revolução Espanhola fez parte das milícias confederais e comandou uma unidade que combateu na frente meridional. Com o triunfo fascista em Espanha, foi para França, voltando depois a Portugal onde continuou a lutar contra a ditadura do Estado Novo, ganhando a vida a partir de 1968 como revisor do jornal “A República”, ao lado do também anarquista Francisco Quintal.
Depois do 25 de Abril presidiu à primeira Assembleia Geral da restituída “Casa dos Pescadores” e participou na constituição da Cooperativa Editora de “A Batalha”, antigo jornal diário da CGT. Membro activo do Movimento Libertário Português (MLP) participou na criação do jornal “A Voz Anarquista”, editado pelo Centro de Cultura Libertária de Almada. Jaime Rebelo morreu a 7 de Janeiro de 1975. O historiador César de Oliveira dedicou-lhe um estudo “Jaime Rebelo: um homem para além do tempo”, publicado em Março de 1995 na revista História. No bairro de São Julião, em Setúbal, há uma avenida com o seu nome.
– Quem é esse homem sombrio
Duro rosto, claro olhar,
Que cerra os dentes e a boca
Como quem não quer falar?
– Esse é o Jaime Rebelo,
Pescador, homem do mar,
Se quisesse abrir a boca,
Tinha muito que contar.
Ora ouvireis, camaradas,
Uma história de pasmar.
Passava já de ano e dia
E outro vinha de passar,
E o Rebelo não cansava
De dar guerra ao Salazar.
De dia tinha o mar alto,
De noite, luta bravia,
Pois só ama a Liberdade,
Quem dá guerra à tirania.
Passava já de ano e dia…
Mas um dia, por traição,
Caiu nas mãos dos esbirros
E foi levado à prisão.
Algemas de aço nos pulsos,
Vá de insultos ao entrar,
Palavra puxa palavra,
Começaram de falar
– Quanto sabes, seja a bem,
Seja a mal, hás de contá-lo,
– Não sou traidor, nem perjuro;
Sou homem de fé: não falo!
– Fala: ou terás o degredo,
Ou morte a fio de espada.
– Mais vale morrer com honra,
Do que vida deshonrada!
– A ver se falas ou não,
Quando posto na tortura.
– Que importam duros tormentos,
Quando a vontade é mais dura?!
Geme o peso atado ao potro
Já tinha o corpo a sangrar,
Já tinha os membros torcidos
E os tormentos a apertar,
Então o Jaime Rebelo,
Louco de dor, a arquejar,
Juntou as últimas forças
Para não ter que falar.
– Antes que fale emudeça! –
Pôs-se a gritar com voz rouca,
E, cerce, duma dentada,
Cortou a língua na boca.
A turba vil dos esbirros
Ficou na frente, assombrada,
Já da boca não saia
Mais que espuma ensanguentada!
Salazar, cuidas que o Povo
Te suporta, quando cala?
Ninguém te condena mais
Que aquela boca sem fala!
Fantasma da sua dor,
Ainda hoje custa a vê-lo;
A angústia daquelas horas
Não deixa o Jaime Rebelo.
Pescador que se fez homem
Ao vento livre do Mar,
Traz sempre aquela visão
Na sombra dura do olhar,
Sempre de boca apertada,
Como quem não quer falar.
Jaime Cortesão
aqui: https://colectivolibertarioevora.wordpress.com/2012/12/18/memoria-libertaria-jaime-rebelo/
Vai realizar-se na Universidade de Évora uma Mesa redonda, subordinada ao tema “Gonçalves Correia: a utopia de um cidadão” (nome da exposição que pode ser vista na UE até ao fim do mês sobre a vida e obra do anarquista alentejano Gonçalves Correia)
A mesa redonda vai ter lugar esta terça-feira, 20 de novembro de 2012, pelas 16 horas, na sala 124 do Colégio do Espírito Santo da Universidade de Évora.
Participantes:
Prof. António Cândido Franco (DLL-UE)
Prof. Paulo Guimarães (DH-UE)
Dr.ª Paula Santos (Diretora da Biblioteca Municipal de Beja)
Dr.ª Francisca Bicho (responsável pela exposição Gonçalves Correia: a utopia de um cidadão)
Prof.ª Sara Marques Pereira (Diretora da Biblioteca Geral da Universidade de Évora)
Informação aqui: http://www.ueline.uevora.pt/agenda/(item)/5085
(recebido com pedido de publicação)
A Greve Geral sempre foi considerada pelos anarquistas como um poderoso instrumento de luta e de combate. Numa altura em que todos nós, trabalhadores, desempregados, precários, estudantes, reformados, homens e mulheres de todas as idades, somos alvo de uma violenta afronta aos nossos direitos (dos salários aos subsídios sociais, da saúde ao corte nos direitos laborais, da educação à cultura) impõem-se, com renovada actualidade, formas de luta alargadas que mobilizem o maior número de explorados.
Apesar de críticos relativamente aos sindicatos do sistema – reformistas e colaboracionistas com o sistema político-partidário, sentados à mesa da concertação social, inundados de funcionários e de burocratas sindicais – e ao facto da greve geral do próximo dia 14 de Novembro estar a ser convocada mais como “um grito de protesto” do que uma afirmação clara de luta, consideramos que a alternativa aos cortes , à diminuição dos direitos laborais e à miséria só pode estar nas empresas, nas fábricas, nas ruas, no combate determinado de todos os explorados e oprimidos.
Por outro lado, ainda que os sindicatos da concertação social pretendam que esta greve assuma uma “dimensão nacional”, o facto de ter sido convocada simultaneamente em Portugal, Espanha e Itália faz com que a sua importância seja redobrada: a Europa dos explorados tem que se unir e fazer frente à Europa dos exploradores. Este é um primeiro sinal de que as palavras de ordem de protesto podem ser comuns e atravessar as fronteiras, encurralando o nacionalismo, que é o fomentador de todos os tipos de fascismo
Por isso, apesar de reconhecermos os limites e o carácter restrito desta Greve Geral, julgamos que dada a insatisfação reinante ela irá mobilizar muitas centenas de milhares de portugueses – e milhões de europeus – indignados e revoltados com a degradação das suas condições de vida e aspirando a uma nova organização social.
Nós preconizamos e lutamos por uma outra sociedade, de homens e mulheres livres e iguais, sem exploração nem opressão e sabemos qual o nosso lugar na sociedade: junto dos que sofrem e lutam.
Partimos, por isso, para esta Greve Geral com a convicção de que é nas empresas e nas ruas, nos bairros, que os anarquistas devem estar, divulgando as suas ideias, os seus modos de luta, a forma como se organizam.
Combatendo, de rosto aberto, as iniquidades, as injustiças, o medo e, ao mesmo tempo, denunciando os que, em nome dos trabalhadores, apenas pretendem criar-lhes novos jugos e novas submissões.
A acção directa, a sabotagem, a greve e a greve geral sempre foram os nossos instrumentos de luta. Ontem como hoje. Hoje como sempre.
Um grupo de anarquistas
Região Portuguesa, Novembro de 2012
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