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Memória Libertária

Documentos e Memórias da História do Movimento Libertário, Anarquista e Anarcosindicalista em Portugal

Documentos e Memórias da História do Movimento Libertário, Anarquista e Anarcosindicalista em Portugal

Memória Libertária

20
Jul23

19 de julho: as comemorações da revolução espanhola em Portugal


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Desde sempre, mesmo na clandestinidade, os meios libertários portugueses assinalaram o início da revolução espanhola de 1936, fosse na imprensa clandestina, fosse em encontros de militantes. Essa evocação acentuou-se após o 25 de abril de 1974, realizando-se logo nesse ano, a 19 de julho, um comício na Voz do Operário, em Lisboa, com a presença de militantes espanhóis, ainda na clandestinidade. Em 1975, a data foi mais uma vez assinalada em Lisboa com um comício no Pavilhão do Estádio Universitário. Aqui fica a convocatória para este comicio que reuniu muitas centenas de pessoas e contou com diversas intervenções, algumas delas de companheiros espanhóis.

03
Mar23

A MANIFESTAÇÃO ANARQUISTA DE 3 DE MARÇO DE 1975 EM SOLIDARIEDADE COM OS TRABALHADORES ESPANHÓIS


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A 3 de março de 1975, vários grupos (uns anarquistas e outros afirmando-se apenas internacionalistas) de Lisboa organizaram uma manifestação de solidariedade para com os trabalhadores espanhóis ainda sob o jugo de Franco, aproveitando o aniversário do assassinato de Salvador Puig Antich, que tinha sido garrotado um ano antes, a 2 de março de 1974.

Foram várias centenas os manifestantes que desfilaram Avenida da Liberdade acima, provocando alguns estragos nas montras de companhias espanholas que ali tinham as suas delegações.

O comunicado que convocou a manifestação – para além de outro material publicado na altura – traduz o espírito da convocatória e a solidariedade que todo o movimento libertário português sempre prestou, neste período difícil, aos companheiros espanhóis.

Sobre esta manifestação, escreveu Júlio Carrapato, alguns anos depois, que "os jovens anarquistas e os velhos anarco-sindicalistas portugueses foram os únicos a organizar a manifestação de 3 de Março de 1975, contra o Pacto Ibérico e de solidariedade com os trabalhadores espanhóis, a única claramente antimilitarista que se fez no Portugal pós-fascista, na qual se gritou uma frase que os jornais servis nem se atreveram a transcrever na íntegra: “os soldados são filhos do povo; os generais são filhos da puta”. Coitados, com toda a boa vontade que os caracteriza em relação aos partidos do Governo ou aos da oposição legal democrática (sempre “a mudança”!), só ousavam citar a boutade até meio, o que, convenhamos, alterava “um pouquinho” o sentido da frase…”

Referindo-se a esta manifestação, Carlos Gordilho, escreve que: "A manifestação pública referida neste texto (...), foi planeada pela Associação de Grupos Autónomos Anarquistas. Na organização colectiva desse evento também participaram os companheiros espanhóis refugiados, que diáriamente conviveram connosco em Almada. Local onde estiveram alojados durante seis meses. A AGAA nessa época representava a única estrutura anarquista real, com capacidade de mobilização da juventude e com a força necessária de penetração em alguns sectores sociais. Na área indústrial da margem sul do Tejo (Lisnave, Oficinas do Arsenal do Alfeite, Companhia Nacional de Pescas, Siderurgia Nacional) a nossa propaganda era distribuida nos locais de trabalho, a partir de uma rede de jovens operários." (aqui)

Em baixo está a “notícia” do “insuspeito” Diário de Lisboa, então dominado pelo PCP e pela extrema-esquerda (a maioria hoje a militar em partidos de direita) que, num texto não assinado e demonstrativo daquilo que, na altura e agora, se chama “isenção jornalística”, tenta ironizar com a forma como decorreu o desfile de protesto. Quem lá esteve não se reconhece no tom faccioso e mentiroso da prosa! Mas fica como exemplo desses tempos, em que depois de 16 anos de repressão burguesa na 1ª República e de 48 anos de fascismo, o movimento anarquista ainda sofreu todo o tipo de silêncios, perseguições, mentiras e ocultações após o 25 de abril por parte de quem quis ocupar as primeiras filas de uma democracia de opereta.

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13
Fev23

(1975) Portugal, base de apoio para os militantes espanhóis anti-franquistas


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Quando se deu o 25 de Abril de 1974 em Portugal, ainda Espanha vivia sob o franquismo e toda a actividade politica e social era fortemente reprimida. Durante os meses que se estenderam até à morte de Franco (Novembro de 1975) e depois à "abertura" politica e social no país vizinho que ainda levou vários anos - o primeiro comício público da CNT, pós Franco, apenas se realizou em Março de 1977, nos arredores de Madrid -, Portugal foi usado como espaço de retarguarda para muitos activistas das várias regiões de Espanha, entre eles muitos libertários - bascos, catalães, galegos, andaluzes, madrilenos. O incipiente movimento libertário português acolheu-os sempre que pôde, estabeleceu relações de companheirismo e deu a ajuda possível, servindo em muitos casos de abrigo temporário para militantes perseguidos pelas autoridades espanholas, nomeadamente aquando do caso "Scala" ( aqui também), em Barcelona, em Janeiro de 1978, numa operação montada pela polícia espanhola para destruir o movimento anarquista catalão e a CNT, durante a qual muitos militantes foram perseguidos e tiveram que procurar apoio externo.

Outros agiam por sua conta e risco, trazendo para Portugal métodos de luta contra empresas espanholas, tentando apressar o fim da ditadura. É neste campo que se insere o incêndio de três autocarros de uma empresa espanhola, em Lisboa, em Janeiro de 1975, em que foi presa uma cidadã espanhola que, casualmente, por ali passava e que não tinha a ver com aquela acção, reinvindicada, em comunicado, que publicamos acima, por um "comando" anarquista.

Documento aqui: https://1969revolucaoressaca.blogspot.com/search/label/Corrente%20Anarquista

25
Jan23

(MEMÓRIA LIBERTÁRIA) COMÍCIOS ANARQUISTAS EM BEJA NO PÓS-25 DE ABRIL DE 1974


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O Alentejo sempre foi um terreno fértil para o anarquismo e para o anarco-sindicalismo enquanto instrumentos de luta para uma sociedade sem explorados nem exploradores. Na 1ª República o movimento libertário e anarco-sindicalista  teve uma forte presença em toda a região, sobretudo no seio dos trabalhadores agrícolas, dos artesãos (sapateiros, por exemplo), dos mineiros de São Domingos e de Aljustrel, dos corticeiros e dos pescadores da costa alentejana. Violentamente reprimido durante o fascismo, o movimento anarquista e anarco-sindicalista resistiu até onde pôde, vendo os seus melhores filhos, mortos, deportados ou presos.  Após o 25 de Abril de 1974 houve várias tentativas para recuperar essa tradição no Alentejo, tendo-se constituído grupos em Beja, Évora, Portalegre e noutras localidades. Em Beja, realizou-se no dia 25 de Janeiro de 1975 um comício que praticamente encheu o Ginásio do Liceu de Beja, em que estiveram presentes militantes e simpatizantes de todo o Alentejo. Este comício foi promovido pelos Grupos Anarquistas Autónomos. Alguns anos mais tarde, a 28 de Abril de 1979 realizou-se também em Beja uma outra sessão de esclarecimento promovida pelo jornal “A Batalha”, desta vez realizada na Sociedade Capricho Bejense. Ficam aqui, como registo, os cartazes e os panfletos distribuídos nessa altura na cidade de Beja.

aqui: https://colectivolibertarioevora.wordpress.com/2014/08/08/memoria-libertaria-comicios-anarquistas-em-beja-no-pos-25-de-abril-de-1974/

16
Jan23

Carta do MLM publicada no jornal francês Liberation a seguir aos incidentes da manifestação de 13 de janeiro de 1975 em Lisboa


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Carta do M.L.M.

 

ACONTECIMENTOS DEGRADANTES...

O Movimento de Libertação das Mulheres portuguesas decidiu inaugurar o Ano Internacional da Mulher, declarado pelas Nações Unidas, queimando os símbolos da opressão feminina, tais como o Código civil e penal, exemplares pornográficos que utilizam o corpo da mulher como objecto, esfregões e vassouras, etc., todos os tipos de Iiteratura «machista», fraldas (simbolizando o mito da maternidade — enquanto a lei dá apenas ao pai todos os direitos sobre os filhos…).

Os filhos de algumas feministas tinham voluntàriamente decidido participar na manifestação, queimando brinquedos que determinam, desde a infância, o papel reservado a cada sexo na sociedade: metralhadoras e tanques para o rapazes, bonecas para as raparigas.

Seis horas da tarde: quinze feministas chegam ao Parque Eduardo VIl, vestidas de «vamp», com vestido de noiva, disfarçadas de mulheres grávidas, de donas de casa, etc. A imprensa anunciou alguns dias antes esta manifestação como um «strip-tease». Para sua grande surpresa, milhares de pessoas (duas mil a cinco mil pessoas) — sobretudo homens — aguardam-nas. Durante três minutos, não se passa nada. Abre-se um círculo para as deixar passar. No momento em que acendem uma fogueira, o círculo fecha-se à sua volta, e começa a grande confusão: torna-se impossível queimar seja o que for. Chovem dezenas de insultos: «Vamos montá-las», «As mulheres só são boas para a cama», «As mulheres para casa», etc. (e mais todos os tipos de insultos intraduzíveis) acompanhados de gestos obscenos. Uma militante negra é coberta de injúrios: «Vamos fodê-la. As pretas são as melhores na cama.» Um pequeno grupo de mulheres que ostenta uma faixa com as palavras:  «Isto é ridículo», e que, no início, gritavam: «Elas é que deveriam ser queimadas», ao verem a brutalidade de que as feministas são alvo mudam ràpidamente de opinião e começam a gritar: «Vocês, os homens, é que são ridículos.» Um grupo de homens com as bandeiras e os emblemas do PCP (Partido Comunista Português) cantam o hino do Partido. As crianças presentes quase sufocam. As feministas tentam pô-las a salvo recuando para um carro estacionado ali perto, pertencente a uma delas. Mas os homens perseguem-nas, tentando virar o carro.

É então que uma das raparigas começa a gritar: «Querem matar-nos com os nossos filhos?» E é só então que eles param. Acabamos por nos refugiar num prédio, a uma centena de metros dali. E o carro é então imediatamente danificado por uma multidão de homens enraivecidos.

Mulheres simpatizantes, mas não militantes do movimento, que trazem cartazes ou que decidiram manifestar com as militantes, são agredidas — é o caso de uma senhora idosa de 60 anos que trazia uma vassoura. As forças da ordem chamadas à pressa recusam vir porque «há muita gente». As forças do COPCON (Comando Operacional do Continente) chegam ao fim da manifestação que não durou muito tempo — houve no entanto homens que ficaram durante longos momentos gritando diante da porta do prédio onde as mulheres se refugiaram, após terem despido completamente uma jovem de 17 anos que passava por acaso e que foi salva no último momento por um jornalista indignado.

Pode-se imaginar o choque e o mau-estar que persistem após todos estes acontecimentos degradantes, espelho de uma sociedade reprimida durante dezenas de anos por uma política baseada na ignorância e na repressão, na supremacia do homem, viril, herói, «garante destemido e irrepreensível» da religião, da pátria e da família, com uma mãe virtuosa, uma mulher sem mácula, uma irmã a defender das calúnias, e a puta com que se vai para a cama e de quem se diz (e a quem se faz) todo o mal possível.

Movimento de Libertação das Mulheres

(Jornal parisiense Libération, 4 de Fevereiro de 1975)

aqui:  MANIF MLM 1975.pdf

(agradecimentos a Ângelo Barreto e Helena Santos)

16
Jan23

Ainda sobre a manifestação do MLM, em Lisboa, a 13/1/1975: reportagem da RTP


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ver aqui

Lisboa, manifestação organizada pelo Movimento da Libertação das Mulheres é interrompida e boicotada por grupos de homens no Parque Eduardo VII. Homens dirigem-se e observam a manifestação no Parque Eduardo VII a 13 de janeiro de 1975; mulheres seguram cartazes rasgados; imagens noturnas de manifestantes; recortes de revista no chão.

13
Jan23

Uma “ manifestação de impotentes” tentou boicotar a primeira manifestação feminista em Portugal  a 13 de janeiro de 1975


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aqui

Há 48 anos, no dia 13 de janeiro de 1975, uma manifestação convocada pelo MLM (Movimento de Libertação das Mulheres) , criado alguns meses antes, foi atacada por centenas de populares (a maioria voyeurs) que agrediram as feministas - com quem vários sectores do movimento libertário tinham contactos próximos, participando mesmo na abertura e limpeza da casa que ocuparam no alto da Avenida Alvares Cabral, em Lisboa, e onde esteve instalado durante algum tempo o equipamento para a produção de material impresso da Associação de Grupos Autónomos Anarquistas -, tornando, não apenas simbolicamente, o Parque Eduardo VII em Lisboa, num verdadeiro campo de batalha.

A manifestação tinha sido convocada para contestar os valores de uma sociedade que oprimia as mulheres e, para tal “ficou decido que uma das mulheres iria vestida de noiva, uma outra de dona de casa e uma terceira iria mascarada de vamp (um símbolo sexualà época). No fim, o objetivo era queimar o véu e o bouquet de flor de laranjeira, a esfregona e o pano do pó e deitar por terra a ideia da mulher como objeto sexual”. (aqui)

O jornal Expresso, no sábado anterior, tinha, no entanto, noticiado que as mulheres, em protesto, iriam queimar "todos os símbolos de opressão" e fazer "strip-tease", num acto simbólico de libertação, o que nunca esteve previsto, nem aconteceu, mas que levou centenas de homens a concentrarem-se no local.

Numa notícia posterior à manifestação, intitulada “A manifestação dos impotentes”, o jornalista Júlio Henriques, actual director da revista Flauta de Luz, também publicada no semanário Expresso, a 18 de Janeiro, escreve que “paradoxalmente, a esta manifestação responderam, não as mulheres (em número mínimo) mas os homens. E a manifestação original (a convocada) transformou-se numa outra: a dos impotentes. A dos que têm como valores sagrados a sagrada trilogia “trabalho, família e pátria” (a que em versão lusitaníssima, se deve acrescentar: deus).(...) E é de espontaneidade que se pode falar acerca do movimento que fez acorrer à manifestação do MLM uma multidão de mirones impotentes, atraídos, como as moscas pela merda, pelo que julgavam ser um strip-tease público (...)”.

A jornalistas Lourdes Feria, no Diário de Lisboa, de 14 de janeiro, dá também conta do que se passou na manifestação do MLM: ““Os cartazes que as mulheres do M.L.M traziam foram-lhes brutalmente arrancados. E não contentes com a façanha, os homens rasgavam e espezinhavam os bocados de papel onde se reivindica ‘Democracia sim, falocracia não’. Verificou-se naquele triste espectáculo dos homens um ‘complot’ muito evidente. Os que não agiam consentiam. Esperavam assistir a um strip-tease (e de borla), aliás uma ideia espalhada pelo ‘Expresso’, não sei com que intuito, e ficaram possessos de ira quando se aperceberam que não tinham oportunidade de extravasar as suas frustrações sexuais.”

E, mais à frente, acrescenta Lourdes Féria ao relato, “Um rapaz, simpatizante de um movimento politico que se afirma o mais revolucionário (e infalível) de todos dizia, com um ar de cátedra condimentado com uma pitadinhas de moralismo: “Isto é rídiculo, vocês não conseguem nada”; “a vossa luta deve estar enquadrada na luta geral da vanguarda do proletariado contra os capitalistas”.”

Na altura, apesar de Maria Teresa Horta, uma das impulsionadoras do MLM com Isabel Barreno, ser militante do PCP, o MDM demarcou-se da manifestação, em comunicado, onde refere que  “o Movimento Democrático das Mulheres Portuguesas (M.D.M.) condenando os lamentáveis incidentes referidos no documento acima citado, dissocia-se, considerando que não se podem subestimar os objectivos e métodos utilizados pelo Movimento de Libertação das Mulheres, os quais não são estranhos aos referidos acontecimentos.”

Sobre esta manifestação e a história do MLM, numa perspectiva académica, ler a interessante tese de mestrado de Cristiana Pena, datada de fevereiro de 2008: “A REVOLUÇÃO DAS FEMINISTAS PORTUGUESAS 1972 — 1975 -  DO “PROCESSO DAS TRÊS MARIAS” À FORMAÇÃO DO MLM — MOVIMENTO DE LIBERTAÇÃO DAS MULHERES

relacionado: 

carta do MLM ao Liberation: https://memorialibertaria.blogs.sapo.pt/carta-do-mlm-publicada-no-jornal-38724

reportagem da RTP:  https://arquivos.rtp.pt/conteudos/manifestacao-do-movimento-de-libertacao-das-mulheres/

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07
Jan23

Jaime Rebelo: "morte de um velho e prestigioso militante", noticiava a "Voz Anarquista" em Janeiro de 1975


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A 7 de Janeiro de 1975, poucos meses depois do 25 de Abril de 1974, morria Jaime Rebelo, velho lutador anarquista, evocado no poema do Homem da Boca Cerrada, de Jaime Cortesão.

Nesse mesmo mês saía o primeiro número do jornal Voz Anarquista, com Francisco Quintal como director e sede em Almada, que noticiou deste modo a morte do velho militante, combatente pelos ideais anarquistas quer em Portugal, no seio da CGT anarcosindicalista, quer em Espanha, ao lado da CNT no decurso da Guerra Civil e da Revolução Espanholas:

"O nosso regozijo pela saída de «Voz Anarquista», mais um jornal acrata que, neste mundo capitalista e autoritário, vem propagar a Ideia generosa e bela, e lutra pela sua vitória, entre as massas guiadas por tantos maus pastores, acaba de ser ensombrado pela morte do nosso amigo e camarada Jaime Rebelo. Lutador pelo Ideal libertário e militante da antiga e gloriosa Confederação Geral do Trabalho, desde muito novo, a vida deste nosso já saudoso companheiro caracterizou-se sempre por um grande espírito de actividade e combatividade, dentrso de uma atmosfera de bom senso, de rectidão, sempre atento à honestidade de processos na luta, à coerência com as afirmações feitas. Natural de Setúbal fez parte de uma familia de pescadores, mestres de traineiras, que se não limitarem à vida profissional apenas animados pelo espírito de lucro. Os Rebelos fioram animadores portentosos da causa de deefsa do proletariado setubalense, juntamente com uma pleiade de trabalhadores, de terra e do mar, que deram à cidade de Setúbal a fama tradicional de cidade revolucionária, até ser conhecida pela Barcelona portuguesa. Através desta propícia atmosfera de são revolucionarismo e em variados actos de vida sindical e de um jornalismo local que se caracterizou pelo seu espírito libertário, nasceu a possibilidade, única no plano local, da criação em Setúbal da Casa dos Pescadores, organismo multiforme que não se limitou a ser um órgão de reivindicações de classe, mas veio a ser uma Central Sindical, aberta a todos os trabalhadores e, pelo sucesso criado, visitada por personalidades cultas, não só do País, mas de fora. A Casa dos Pescadores era exemplo de associativismo, era centro de numerosas reivindicações, e era escola e era museu. Jaime Rebelo dedicou-se desde sempre a esta memorável instituição, ali se formando o melhor que um homem culto pode adquirir: uma cultura humanista, uma consciência de vida social, libertadora da individualidade própria.

Veio, porém, o momento que a todos os lados chegou, em que toda esta obra digna de todos os aplausos, sossobrou, varrida pelo vendaval da Ditadura iniciada em 28 de Maio de 1926 e que veio a durar meio século. Os bandidos da ditadura Salazarista prenderam, assassinaram, deportaram os melhores elementos e a Casa dos Pescadores fechada e o seu edoficio vendido por pequena quantia a um oficial da armada, que era capitão do porto, até que após o 25 de Abril voltou à posse dos trabalhadores.

Jaime Rebelo ultrapassou o meio local em que era militante acatado pro todos, e a sua acção estendeu-se, no seio da C.G.T., a todo o país, e, mais trade, a Espanha, durante a Guerra Civil, onde praticou actos de indiscutível valor. Além das prisões protuguesas e da deportação, Jaime Rebelo veio, na hora da derrotam a conhecer is campos de concentração de refugiados em França, em companhia da sua companheira espanhola Eloise Gutierres, com quem veio mais tarde a unir-se, falecida já sua legítima esposa Miquelina.

Este nosso inesquecível companheiro, nascido em Setúbal, em 22-12-1900, faleceu em Lisboa na madrugada do dia 7 de Janeiro de 1975. O funeral realizou-se em Setúbal, no dia 8, e constituiu uma manifetsação de pesar digna da sua personalidade inconfundível, Era filho de Gonçalo Rebelo e de Leopoldina Amélia.

Revisor do jornal «República», desde 1 de Março de 1968 e ultimamente do nosso colega «A Batalha», tornou-se sempre digno, como é próprio dos autênticos libertários, do apreço de quantos com ele trabalharam."

Relacionado: https://memorialibertaria.blogs.sapo.pt/jaime-rebelo-o-anarquista-da-boca-13020

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https://digitarq.arquivos.pt/viewer?id=4280577

 

14
Dez22

A vida e morte da FARP-FAI (1975-1979)


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Voz Anarquista, nº11, Janeiro de 1976

No dia 14 de Dezembro de 1975 é constituída em Almada a FARP- FAI (Federação Anarquista da Região Portuguesa, filiada na Federação Anarquista Ibérica) reunindo diversos grupos anarquistas entre os quais os grupos editores da revista «A Ideia» e da «Voz Anarquista» a que se viriam a somar no ano seguinte (1976) outros grupos e companheiros  entre os quais o grupo ligado à revista «Acção Directa», que nos nºs 7 de Novembro/Dezembro de 1976 e 8 de Janeiro/Fevereiro de 1977 exibe, na contra-capa, a indicação: "Revista editada pelo Grupo Anarquista “Acção Directa” federado na FARP-FAI".

Entre as actividades que a FARP desenvolveu ressalta o comício anarquista na Voz do Operário em 15 de Janeiro de 1977 e a participação na realização de duas conferência libertárias em Outubro de 1977 e em Fevereiro de 1978 na sede de A Batalha, em Lisboa

A FARP existe até 1979, com uma existência atribulada e diversas dissensões internas, em que a mais grave terá sido a polémica entre o grupo ligado à revista "Acção Directa" e os grupo “Os Iguais”, que editava a  revista "A Ideia", a propósito do III Congresso Anarquista, em Carrara (Itália). Em Março de 1978 o  grupo editor da “Acção Directa” envia aos órgãos de comunicação social um comunicado assinado por António Mota em que se distancia do III Congresso Anarquista realizado  pela Internacional de Federações Anarquistas (IFA) entre os dias 23 e 27 de março, em Carrara, onde esteve presente uma delegação portuguesa. No nº 10, a Revista “A Ideia” (de que alguns elementos tinham estado em Carrara) publica o comunicado e, a seguir, num texto intitulado “Polémica” considera que com este texto, tal como com um artigo publicado no nº 11 da revista “Acção Directa” “'Alguns aspectos essenciais da acção dos Anarquistas'”, o grupo "Acção Directa" distancia-se do pensamento defendido pelos membros de “A Ideia”,  e enveredam por “posições - mais restritivas dentro do panorama libertário - dos anarquistas INDIVIDUALISTAS”. Também a "Voz Anarquista", sem publicar o comunicado da “Acção Directa”, critica esta tomada de posição e escreve que a IFA só representa os grupos que a ela queiram aderir e não a totalidade do movimento anarquista.

Desgastada com as polémicas internas e não dando resposta às necessidades organizativas com que o movimento se depara (em junho de 1976 já se havia constituído a ALAS, juntando os companheiros que se movimentavam em torno do anarcosindicalismo e do jornal “A Batalha”, havendo mesmo a 7 de Dezembro de 1978 nova reunião na sede de “A Batalha” para discutir a necessidade de uma nova organização anarquista. “Empreendamos um caminho que afirme as nossas ideias em resposta a uma civilização em crise”, afirma a convocatória do encontro), a FARP suspende a sua actividade em plenário realizado em Almada a 17 de Novembro de 1979.

21
Out21

Jaime Rebelo, o anarquista da boca cerrada


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A 22 de Dezembro de 1900 nascia em Setúbal o anarcosindicalista e resistente antifascista Jaime Rebelo. Pescador e marítimo de profissão, ainda jovem aderiu à Confederação Geral do Trabalho (CGT), da qual foi um dos principais responsáveis em Setúbal. Viveu a maior parte da sua vida em Cacilhas. Como militante anarco-sindicalista foi um dos animadores, com Francisco Rodrigues Franco, da Associação de Classe dos Trabalhadores do Mar de Setúbal, mais conhecida por  “Casa dos Pescadores”, que foi encerrada na sequência do golpe de Estado de 28 de Maio de 1926 e da qual conseguiu salvar documentação importante.

Em 1931, em consequência da chamada “Greve dos 92 dias” , foi preso e torturado pela PIDE. Durante os interrogatórios, cortou a língua para evitar falar e denunciar os companheiros. Há duas versões: uma, com os próprios dentes; outra, entre dois interrogatórios, com uma lâmina que trazia escondida no tacão dos sapatos. Sabendo deste facto, o escritor Jaime Cortesão dedica-lhe um dos seus poemas mais belos (ver mais abaixo) – o Romance do Homem da Boca Cerrada. Este poema circula clandestinamente durante toda a ditadura salazarista e foi publicado em 1937 no jornal comunista “Avante”, que procurava, nessa altura, forçar uma política de Frente Popular.

Uma vez em liberdade e vitima de perseguições constantes emigrou para Espanha. Ali filiou-se na CNT anarcosindicalista e durante a Revolução Espanhola fez parte das milícias confederais e comandou uma unidade que combateu na frente meridional. Com o triunfo fascista em Espanha, foi para França, voltando depois a Portugal onde continuou a lutar contra a ditadura do Estado Novo, ganhando a vida a partir de 1968 como revisor do jornal “A República”, ao lado do também anarquista Francisco Quintal.

Depois do 25 de Abril presidiu à primeira Assembleia Geral da restituída “Casa dos Pescadores” e participou na constituição da Cooperativa Editora de “A Batalha”, antigo jornal diário da CGT. Membro activo do Movimento Libertário Português (MLP) participou na criação do jornal “A Voz Anarquista”, editado pelo Centro de Cultura Libertária de Almada. Jaime Rebelo morreu a 7 de Janeiro de 1975. O historiador César de Oliveira dedicou-lhe um estudo “Jaime Rebelo: um homem para além do tempo”, publicado em Março de 1995 na revista História. No bairro de São Julião, em Setúbal, há uma avenida com o seu nome.

 Romance do Homem da Boca Cerrada

– Quem é esse homem sombrio
Duro rosto, claro olhar,
Que cerra os dentes e a boca
Como quem não quer falar?
– Esse é o Jaime Rebelo,
Pescador, homem do mar,
Se quisesse abrir a boca,
Tinha muito que contar.

Ora ouvireis, camaradas,
Uma história de pasmar.

Passava já de ano e dia
E outro vinha de passar,
E o Rebelo não cansava
De dar guerra ao Salazar.
De dia tinha o mar alto,
De noite, luta bravia,
Pois só ama a Liberdade,
Quem dá guerra à tirania.
Passava já de ano e dia…
Mas um dia, por traição,
Caiu nas mãos dos esbirros
E foi levado à prisão.

Algemas de aço nos pulsos,
Vá de insultos ao entrar,
Palavra puxa palavra,
Começaram de falar
– Quanto sabes, seja a bem,
Seja a mal, hás de contá-lo,
– Não sou traidor, nem perjuro;
Sou homem de fé: não falo!
– Fala: ou terás o degredo,
Ou morte a fio de espada.
– Mais vale morrer com honra,
Do que vida deshonrada!

– A ver se falas ou não,
Quando posto na tortura.
– Que importam duros tormentos,
Quando a vontade é mais dura?!

Geme o peso atado ao potro
Já tinha o corpo a sangrar,
Já tinha os membros torcidos
E os tormentos a apertar,
Então o Jaime Rebelo,
Louco de dor, a arquejar,
Juntou as últimas forças
Para não ter que falar.
– Antes que fale emudeça! –
Pôs-se a gritar com voz rouca,
E, cerce, duma dentada,
Cortou a língua na boca.

A turba vil dos esbirros
Ficou na frente, assombrada,
Já da boca não saia
Mais que espuma ensanguentada!

Salazar, cuidas que o Povo
Te suporta, quando cala?
Ninguém te condena mais
Que aquela boca sem fala!

Fantasma da sua dor,
Ainda hoje custa a vê-lo;
A angústia daquelas horas
Não deixa o Jaime Rebelo.
Pescador que se fez homem
Ao vento livre do Mar,
Traz sempre aquela visão
Na sombra dura do olhar,
Sempre de boca apertada,
Como quem não quer falar.

Jaime Cortesão

aqui: https://colectivolibertarioevora.wordpress.com/2012/12/18/memoria-libertaria-jaime-rebelo/