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Memória Libertária

Documentos e Memórias da História do Movimento Libertário, Anarquista e Anarcosindicalista em Portugal

Documentos e Memórias da História do Movimento Libertário, Anarquista e Anarcosindicalista em Portugal

Memória Libertária

21
Out21

VALENTIM ADOLFO JOÃO: “NÃO TENHO VAGAR AMOR”


BNP N61 CX 58 F14

Esta fotografia pessoal de Valentim Adolfo João foi conservada por Emídio Santana, que a entregou ao Arquivo Histórico-Social (AQUI)

Valentim Adolfo João (30 de Março de 1902-29 de Janeiro de 1970) foi um destacado dirigente do Sindicato dos Mineiros (primeiro da Mina de São Domingos, depois de Aljustrel). Anarcosindicalista, participou em 1932 na última grande greve dos mineiros da Mina de São Domingos, , tendo sido o último destes a ser libertado das prisões políticas da ditadura, nos anos 60, neste caso, do forte de Peniche. Preso em 1924 por lançamento de bomba. Delegado ao Congresso Operário de 1925. Membro do Grupo de Propaganda e Estudos Sociais da Mina de S. Domingos (1923/33). Participa na Conferência Anarquista do Sul de 1925 – UAP (AQUI)

Relativamente a Valentim Adolfo João há uma referência em José Correia Pires, no livro ““Memórias de um prisioneiro do Tarrafal” (1975), em que este anarquista conta a sua fuga do Algarve, nas vésperas do 18 de Janeiro de 1934, a caminho de Espanha. De Beja passa à Mina de São Domingos e à fronteira. “Na fronteira descalcei-me, arregacei as calças e com a companhia de um camarada de nome António Patrício, irmão do velho militante anarquista Valentino Adolfo João, excelente camarada e envolvido mais tarde no atentado a Salazar, esteve preso mais de uma dezena de anos e faleceu há cerca de três. Valentim Adolfo João estava fixado a umas dezenas de quilómetros da fronteira e fui dirigido a ele. Ali o encontrei feito agricultor, vivia com a mulher e filhos numa barraca de vime. Já nos conhecíamos por correspondência, mas quando o vi, cabeleira ao alto e desenvolta, lembrei-me da «Cabana do Pai Tomás», e Valentim dava na verdade uma excelente figura de romance. Fazia a sua sementeira e era um autêntico camponês. Fiquei ali um dia e uma noite e recordo-me que ele gozava ali de bom ambiente, nessa noite fomos visitados por uma patrulha da guarda fiscal ou os chamados «carabineiros», que decerto modo me vieram a ser úteis para a minha introdução em Espanha!… (aqui)

Também o escritor Modesto Navarro que encontrou o irmão, Patrício, em Aljustrel, já na década de 70, escreve sobre Valentim Adolfo João no seu livro “Poetas Populares Alentejanos”. Apesar de várias inexactidões (o atentado a Salazar foi em 1937 e não em 1933 como refere Modesto Navarro. Valentim Adolfo João morreu em Janeiro de 1970 e não em 1971), eis o texto de Modesto Navarro com umas “quadras” atribuidas a Valentim Adolfo João.

“Quando do atentado contra Salazar, em 1933, [esta data não está correcta. O atentado a Salazar, levado a cabo por um conjunto de anarquistas e de outros antifascistas deu-se  a 4 de Julho de 1937 – nota de Portal Anarquista] Valentim Adolfo João, na altura presidente do Sindicato dos Mineiros de Aljustrel, foi acusado pela PVDE (aquela que viria a ser a PIDE) de ter fornecido o dinamite. Sabe-se hoje que os fascistas aproveitaram esse acontecimento para perseguirem e prenderem muitos democratas. A partir daí, Valentim Adolfo João andou com um nome suposto (José Dias) até 1946, data em que foi reconhecido em Setúbal. Condenado a 28  anos de prisão, foi libertado quase no fim da década de 1960/1970,  já completamente destruído. Veio a morrer por volta de 1971.  É seu irmão, o sr. Patrício, que nos diz estas décimas em Aljustrel, explicando que, na  altura em que Valentim Adolfo João as fez, organizava o sindicato com outros mineiros.

Namorava uma moça com a sua idade, dezanove anos, e um dia ela queixou-se da pouca  atenção que lhe dedicava: – «Passa-se uma noite, passa-se outra, e tu sem apareceres…»  Ao que Valentim Adolfo João respondeu:

Não tenho vagar amor
para te dar atenção
tenho muito que fazer
na minha Associação

É meu desejo transformar
esta pobre sociedade
que semeia a iniquidade
para nos escravizar
temos muito que lutar
com força audácia e valor
para extinguirmos a dor
a miséria e o sofrimento
e por isso neste momento
não tenho vagar amor

Se a vida fosse a sorrir
se de encantos fosse o viver
e se num breve alvorecer
a luta nos redimir
então poder-te-ei garantir
imorredoira afeição
mas enquanto a escravidão
produzir mal e desgosto
não posso fugir do posto
para te dar atenção

Olha para todo o mundo
verás tanta dor tanta desgraça
eu amo a beleza, amo a graça
amo o bem-estar profundo
o capital iracundo
procura nos perverter
mas nós havemos de vencer
apeando os comodistas
e amando os idealistas
tenho muito que fazer

Sociedade corrompida
teus erros são vis e sicários
aleivosos, argentários
que nos negam o direito à vida
e eis porque minha querida
distraio a atenção
e para acabar a escravidão
eu prego por toda a parte
construindo um baluarte
a minha associação”

(Texto retirado da obra “Fado Operário no Alentejo, séculos XIX – XX” de Paulo Lima, 2004, ed. Tradisom, Vila Verde, pp. 90 e 91. 2)

aqui: https://colectivolibertarioevora.wordpress.com/2013/02/02/valentim-adolfo-joao-nao-tenho-vagar-amor/