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Memória Libertária

Documentos e Memórias da História do Movimento Libertário, Anarquista e Anarcosindicalista em Portugal

Documentos e Memórias da História do Movimento Libertário, Anarquista e Anarcosindicalista em Portugal

Memória Libertária

27
Mar23

(memória libertária) Arnaldo Simões Januário (Coimbra, 1897 – Tarrafal, 1938)


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Arnaldo Simões Januário nasceu em Coimbra a 6 de Junho de 1897 e faleceu a 27 de Março de 1938, no Campo de Morte do Tarrafal, vitimado por uma biliose anúrica, sem assistência médica, depois de vigorosos anos de combatividade e de sofrimento nos cárceres e nas deportações.

Barbeiro de profissão, foi o organizador em Coimbra dos Sindicatos Operários e estrénuo propagandista revolucionário anarquista. Foi correspondente em Coimbra do jornal “A Batalha”, órgão da C.G.T.. Em 18 de Março de 1923 tomou parte na Conferência de Alenquer como delegado do Grupo Anarquista de Coimbra de que fazia parte juntamente com João Vieira Alves, também delegado. A sua combatividade não esmoreceu com o advento do movimento do 28 de Maio antes recrudesceu. Antes porém a sua acção na propaganda tornou-se bem conhecida em sucessivos artigos em “A Batalha”, “A Comuna”, “O Anarquista”, a revista “Aurora” e muitos jornais dedicados à causa dos trabalhadores. Fez parte do Comité Nacional da União Anarquista Portuguesa (U.A.P.) formada a partir daquela célebre Conferência. Em 1927 sofreu a sua primeira prisão e seguiram-se-lhe intermináveis perseguições em todas as prisões e nos períodos de relativa liberdade que eram para ele outros tantos períodos de luta na clandestinidade. Sua ideologia acrata não lhe permitia subtilezas ou atitudes de meias tintas. Lutava em todos os escalões, pela palavra, pela escrita e pela acção.

O movimento revista de 18 de Janeiro de 1934 teve nele um dos principais organizadores. Preso pela Pide de Salazar, que num furacão de brutalidade, investe sobre os elementos operários de todo o país, declarou nobre e altivamente tomar inteira responsabilidade pro aquele movimento cujo fim era derrubar a Ditadura.

Entre 1927 e 1931 passou pelas cadeias do Governo Civil de Coimbra, Aljube e Trafaria seguidas de deportações em Angola, Açores e Cabo Verde e internamento no Campo de Concentração de Ué-Kussi ou Okussi em 22 de Novembro de 1931.

Para este campo foram crescendo em número os deportados idos da metrópole, e como o campo de Okussi não comportasse mais homens, os ditadores mandaram construir a toda a pressa outro na ilha de Ataúro ou Taúro.

Transcrevemos a seguir a descrição dos dois Campos, recolhida de apontamentos seus, escritos na prisão.

«O Campo de Concentração de Okussi funcionou de Outubro de 1931 a Maio de 1932 com uma população normal de 100 pessoas, excepto nos três primeiros meses em que essa população foi de, aproximadamente, 150 homens. O local do campo ficava, ao nível do mar e a sua construção era de palapa, material com que os indígenas faziam as suas habitações. A poucas dezenas de metros encontravam-se dois grandes pântanos onde manadas de búfalos nadavam e pastavam na maior tranquilidade. Após três meses de internamento 70% da população do campo estava gravemente impaludada. Na época das chuvas, a mais quente, o termómetro chega a acusar, 38º à sombra. O comandante militar do campo era o Tenente Óscar Ruas. Os locais escolhidos para a construção dos dois campos de concentração obedeceu a um pensamento homicida, covardemente premeditado o crime que haveria de arrancar a vida ou inutilizar a saúde a perto de quinhentos homens. Ataúro é uma ilha sem condições de vida para europeus. Sem saneamento de qualquer espécie, sem água potável, com uma temperatura excessivamente quente é justamente que se chama àquela ilha a Ilha da Morte. A alimentação dada aos confinados era má e insuficiente. Ao cabo de três meses começam a declarar-se os primeiros casos de tuberculose que se repetem duma forma alarmante. Serviços médicos não existem na ilha, quedando reduzidos à assistência dum enfermeiro militar. Quando desembarcavam em Dili os deportados de Ataúro, com destino ao hospital, deparava-se sempre com um espectáculo arrepiante que confrangia toda a gente que a ele assistia. Homens com as aspecto de cadáveres ambulantes, magros, esquálidos, os olhos luzentos de febre, esfarrapados e descalços no seu maior número. Em toda a população da cidade, mesmo naquela que é indiferente à questão política, correu m um frémito de indignação ante a hediondez nitidamente demonstrada pelo tratamento a que estavam sujeitos algumas centenas de homens. Foi necessário morrer um desgraçado e que outros fossem largando os pulmões pela boca para que o Governador, brigadeiro Justo, implorasse para Lisboa a extinção dos dois Campos de Concentração, o que vem a acontecer em fins de Janeiro e Maio de 1932».

Depois destes inauditos tormentos, Januário é posto em liberdade e regressa a Coimbra.

Após o malogro do movimento grevista de 18 de Janeiro de 1934, o operariado de todo o país sofre uma nova investida da PIDE, num furacão de brutalidade sem nome. Volta a ser encarcerado no Aljube e a seguir transferido para o Forte da Trafaria, onde é montada uma comédia-julgamento. Este improvisado julgamento condena-o a 20 anos de prisão, sendo enviado  para o Forte de S. João Batista, na Ilha Terceira, nos Açores. Era director o famigerado Capitão Paz que ali cometeu toda a espécie de arbitrariedades. Mário Castelhano e Arnaldo Januário, émulos no heroísmo, foram metidos na POTERNA, horrendo cárcere, tão horroroso como os da velha Inquisição.

Depois destes sofrimentos, Salazar, o místico da crueldade, que, da casa onde se acoitava, guardado pela G.N.R., a S. Bento, providenciava em todo o regime penal, como um velho inquisidor de há 3 séculos, ainda veio a criar o Campo da Morte do Tarrafal.

Para ali, com muitos outros, foi atitado o Januário e é já suficientemente conhecido o regime de vida que ali levavam os presos.

Arnaldo Simões Januário, lutador incansável que a tudo resistira, destruído física que não ideologicamente, sucumbe, enfim, a 27 de Março de 1938, rodeado dos cuidados possíveis dos seus companheiros, mas sem os carinhos da família onde avultavam cinco filhos menores.

É assim que deixa de pulsar o coração generoso do Homem que tudo sacrificou ao seu ideal, ideal de fraternidade humana que não se compadecia com situações fascistas e nazis, tendo o seu corpo ficado sepultado na terra que tanto o viu sofrer.

(Publicado em "Voz Anarquista", nº 13, Abril de 1976)

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Arnaldo Simões Januário, aquando da deportação para Timor. Em Dili, Agosto de 1932.

(projecto mosca)

04
Jan22

MORTOS NO TARRAFAL: COMUNICADO DA CGT E DA FARP (1938)


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Este documento é um “Manifesto” datilografado com carimbo da Confederação do Trabalho de Portugal (CGT) e da Federação Anarquista da Região Portuguesa (FARP), intitulado: “Quadro Negro do Campo de Concentração de Cabo Verde / A Semana Trágica / A lista Macabra dos Mortos que Reclamam Vingança”. O manifesto refere os nomes, profissões, localidade, idade dos prisioneiros – comunistas, socialistas e libertários – detidos e falecidos sem assistência médica, na Colónia Penal, permitida pelo capitão Manuel Martins dos Reis, apodado de «tarado», e do médico assistente Esmeraldo Prata, alcunhado «o chacal», entre 20/9/1937 e 29/10/1937. Este documento destaca os primeiros 7 mortos no  Campo do Tarrafal. No total, até 1954, passaram pelo Campo 340 presos políticos portugueses, dos quais 32 morreram ali. (através de Fernando Mariano Cardeira )

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“QUADRO NEGRO DO CAMPO DE CONCENTRAÇÃO DE CABO VERDE

A SEMANA TRÁGICA

A LISTA MACABRA DOS MORTOS QUE RECLAMAM VINGANÇA

1º – Pedro Matos Felipe, descarregador de Almada, 32 anos de idade, falecido em 20/9/37 (Libertário);

2º – Francisco José Pereira, marinheiro de Lisboa, 29 anos, falecido em 20/9/37 (Comunista);

3º Augusto Costa, vidreiro da Marinha Grande, 36 anos, falecido em 22/9/37 (Comunista);

4º – Francisco Domingos Quintas, cortador de Gaia, 48 anos de idade, falecido em 22/9/37 (Socialista);

5º – Rafael Tobias da Silva, relojoeiro de Lisboa, 27 anos, falecido em 22/9/37 (Comunista);

6º – Cândido Alves Barjas, marinheiro de Castro Verde, 27 anos, falecido em 24/9/37 (Comunista)

7º – Augusto Belchior, polidor de mármore do Porto, de 40 anos, falecido em 29/10/37 (Libertário)

Os primeiros seis camaradas faleceram, como se vê, de 20 a 24 de Setembro de 1937, e foram vítimas do criminoso abandono dos dirigentes da Colónia Penal, o ditador capitão Manuel Martins dos Reis, e o médico assistente Esmeraldo Prata.

ESTIVERAM MAIS DUM MÊS SEM ASSISTÊNCIA MÉDICA E SEM UM ÚNICO MEDICAMENTO, pois nem sequer havia um comprimido de quinino no acampamento.

Perto de duzentos homens estiveram à mercê do tempo durante a estação mais doentia de África (Agosto a Outubro). Exceptuando dois, foram todos atacados com febres de 40 a 41 graus, sendo simplesmente tratados a água, morrendo os 7 acima mencionados. O primeiro duma diarreia de sangue, sem tratamento, e os restantes quási todos da terrível perniciosa.

Está satisfeito o ódio dos carrascos desses presos indefesos, mas só em parte, porque o seu desejo era vê-los todos mortos.

É esta a bondade da civilização cristã tão enaltecida pela imprensa portuguesa e pelo doce Patriarca em todas as suas perlengas aos homens de boa vontade da grei, como o tardado Manuel Martins dos Reis e o chacal Esmeraldo Prata!

Estes santos acham, porém, tudo isto pouco, e por isso ainda querem implantar entre nós a odiosa pena capital.

PROLETARIADO PORTUGUÊS! É necessário pôr-se imediatamente um fim a estas atrocidades. Exigi sem demora a libertação dos presos, que se encontram em Cabo Verde e em todos os presídios do nosso país e colónias!

A C.G.T. e a F.A.R.P.”

Aqui: https://digitarq.arquivos.pt/viewer?id=3889674