Gabriel Morato: do PCP às fileiras do anarquismo
Gabriel Morato foi uma das figuras marcantes do anarquismo em Portugal após o 25 de Abril de 1974. Embora polémico e controverso, teve um papel relevante nas organizações, debates e publicações que marcaram o anarquismo português nas últimas décadas do século XX.
João Gabriel de Oliveira Morato Pereira (1940-2005) foi um activista e militante anti-fascista e anti-capitalista muito activo a partir do início dos anos 60 do século passado e até à sua morte. Filiado no PCP desde muito novo, foi preso em 1965 durante 15 meses (21/1/1965-16/4/66) “por actividades contra a segurança do Estado” . Passou pelas cadeias do Aljube, Caxias e Peniche (1), tendo sido torturado durante a fase dos interrogatórios e obrigado a manter-se na “posição de estátua” durante horas a fio, alternando com a tortura do sono durante onze dias. À medida que o interrogavam, os agentes da PIDE troçavam dele por ser coxo e se meter em altas cavalarias. E quando, no último dia de tortura, desfaleceu e caiu na quase total inconsciência, foi rodeado pelos esbirros que se “divertiam” a atirá-lo de uns para os outros.
Aquando da prisão, era estudante do Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras (ISCEF) e integrava o cargo de secretário-geral da Reunião Inter-Associações (RIA) de Lisboa. Saiu em liberdade já em 1966 tendo-se, pouco depois, desvinculado do PCP e aproximado de outros grupos de estudantes dissidentes, na sua maioria maoistas, que surgiram em força, depois da cisão sino-soviética, nas universidades portuguesas. Informado no final da década de que a polícia o procurava e que tinha contra si um mandado de captura, exila-se em Paris onde conhece e contacta com as ideias e a militância anarquista.
Regressa a Portugal logo a seguir ao 25 de abril de 1974 e, com alguns companheiros que também tinham estado exilados em Paris, como António Mota e Júlio Carrapato, estreita relações com os grupos libertários existentes em torno dos jornais A Batalha e Voz Anarquista. Está intimamente ligado à criação da Associação de Grupos Autónomos Anarquistas, ao grupo “Os Revoltados” e à revista Acção Directa. Participa em inúmeras convocatórias para acções de rua (manifestação e comicio de solidariedade com os trabalhadores espanhóis a 3 de março e 19 de julho de 1975, manifestação do 1º de maio de 1977, na Praça da Figueira, etc.), múltiplos encontros anarquistas e nas mais variadas acções de divulgação dos ideais libertários. Manterá sempre fortes contactos internacionais com o movimento anarquista sobretudo em Espanha e em França. Participa em reuniões da Internacional de Federações Anarquistas (IFA) e da Federação Anarquista Ibérica (FAI) e é um dos fundadores da Secção Portuguesa da Associação Internacional de Trabalhadores (AIT-SP) em finais dos anos 90.
Morre em Lisboa, devido a problemas de saúde, a 19 de Julho de 2005, a escassos dias de completar os 65 anos.
(1) Gabriel Morato esteve preso em Peniche apenas na fase final da pena e por pouco mais de um mês – entre 11/3/66 e a sua libertação a 16/4/66, como refere a lista de presos da Fortaleza de Peniche (http://www.urap.pt/attachments/article/530/ListaPresosPoliticosFortalezaPeniche_16MAR2014.pdf). Estranhamente o nome que figura no Memorial aos Presos de Peniche é o de João Morato Pereira, ocultando o nome porque sempre foi conhecido: Gabriel (conf. http://www.museunacionalresistencialiberdade-peniche.gov.pt/pt/memorial-4/)
* Maioria dos dados extraídos da biografia de Gabriel Morato escrita por Júlio Carrapato: https://colectivolibertarioevora.wordpress.com/2016/06/23/sejamos-optimistas-deixemos-o-pessimismo-para-melhores-tempos-texto-de-julio-carrapato-sobre-gabriel-morato/
(fotos cedidas pela Sofia, filha do Gabriel.)