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Memória Libertária

Documentos e Memórias da História do Movimento Libertário, Anarquista e Anarcosindicalista em Portugal

Documentos e Memórias da História do Movimento Libertário, Anarquista e Anarcosindicalista em Portugal

Memória Libertária

27
Mar23

(memória libertária) Arnaldo Simões Januário (Coimbra, 1897 – Tarrafal, 1938)


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Arnaldo Simões Januário nasceu em Coimbra a 6 de Junho de 1897 e faleceu a 27 de Março de 1938, no Campo de Morte do Tarrafal, vitimado por uma biliose anúrica, sem assistência médica, depois de vigorosos anos de combatividade e de sofrimento nos cárceres e nas deportações.

Barbeiro de profissão, foi o organizador em Coimbra dos Sindicatos Operários e estrénuo propagandista revolucionário anarquista. Foi correspondente em Coimbra do jornal “A Batalha”, órgão da C.G.T.. Em 18 de Março de 1923 tomou parte na Conferência de Alenquer como delegado do Grupo Anarquista de Coimbra de que fazia parte juntamente com João Vieira Alves, também delegado. A sua combatividade não esmoreceu com o advento do movimento do 28 de Maio antes recrudesceu. Antes porém a sua acção na propaganda tornou-se bem conhecida em sucessivos artigos em “A Batalha”, “A Comuna”, “O Anarquista”, a revista “Aurora” e muitos jornais dedicados à causa dos trabalhadores. Fez parte do Comité Nacional da União Anarquista Portuguesa (U.A.P.) formada a partir daquela célebre Conferência. Em 1927 sofreu a sua primeira prisão e seguiram-se-lhe intermináveis perseguições em todas as prisões e nos períodos de relativa liberdade que eram para ele outros tantos períodos de luta na clandestinidade. Sua ideologia acrata não lhe permitia subtilezas ou atitudes de meias tintas. Lutava em todos os escalões, pela palavra, pela escrita e pela acção.

O movimento revista de 18 de Janeiro de 1934 teve nele um dos principais organizadores. Preso pela Pide de Salazar, que num furacão de brutalidade, investe sobre os elementos operários de todo o país, declarou nobre e altivamente tomar inteira responsabilidade pro aquele movimento cujo fim era derrubar a Ditadura.

Entre 1927 e 1931 passou pelas cadeias do Governo Civil de Coimbra, Aljube e Trafaria seguidas de deportações em Angola, Açores e Cabo Verde e internamento no Campo de Concentração de Ué-Kussi ou Okussi em 22 de Novembro de 1931.

Para este campo foram crescendo em número os deportados idos da metrópole, e como o campo de Okussi não comportasse mais homens, os ditadores mandaram construir a toda a pressa outro na ilha de Ataúro ou Taúro.

Transcrevemos a seguir a descrição dos dois Campos, recolhida de apontamentos seus, escritos na prisão.

«O Campo de Concentração de Okussi funcionou de Outubro de 1931 a Maio de 1932 com uma população normal de 100 pessoas, excepto nos três primeiros meses em que essa população foi de, aproximadamente, 150 homens. O local do campo ficava, ao nível do mar e a sua construção era de palapa, material com que os indígenas faziam as suas habitações. A poucas dezenas de metros encontravam-se dois grandes pântanos onde manadas de búfalos nadavam e pastavam na maior tranquilidade. Após três meses de internamento 70% da população do campo estava gravemente impaludada. Na época das chuvas, a mais quente, o termómetro chega a acusar, 38º à sombra. O comandante militar do campo era o Tenente Óscar Ruas. Os locais escolhidos para a construção dos dois campos de concentração obedeceu a um pensamento homicida, covardemente premeditado o crime que haveria de arrancar a vida ou inutilizar a saúde a perto de quinhentos homens. Ataúro é uma ilha sem condições de vida para europeus. Sem saneamento de qualquer espécie, sem água potável, com uma temperatura excessivamente quente é justamente que se chama àquela ilha a Ilha da Morte. A alimentação dada aos confinados era má e insuficiente. Ao cabo de três meses começam a declarar-se os primeiros casos de tuberculose que se repetem duma forma alarmante. Serviços médicos não existem na ilha, quedando reduzidos à assistência dum enfermeiro militar. Quando desembarcavam em Dili os deportados de Ataúro, com destino ao hospital, deparava-se sempre com um espectáculo arrepiante que confrangia toda a gente que a ele assistia. Homens com as aspecto de cadáveres ambulantes, magros, esquálidos, os olhos luzentos de febre, esfarrapados e descalços no seu maior número. Em toda a população da cidade, mesmo naquela que é indiferente à questão política, correu m um frémito de indignação ante a hediondez nitidamente demonstrada pelo tratamento a que estavam sujeitos algumas centenas de homens. Foi necessário morrer um desgraçado e que outros fossem largando os pulmões pela boca para que o Governador, brigadeiro Justo, implorasse para Lisboa a extinção dos dois Campos de Concentração, o que vem a acontecer em fins de Janeiro e Maio de 1932».

Depois destes inauditos tormentos, Januário é posto em liberdade e regressa a Coimbra.

Após o malogro do movimento grevista de 18 de Janeiro de 1934, o operariado de todo o país sofre uma nova investida da PIDE, num furacão de brutalidade sem nome. Volta a ser encarcerado no Aljube e a seguir transferido para o Forte da Trafaria, onde é montada uma comédia-julgamento. Este improvisado julgamento condena-o a 20 anos de prisão, sendo enviado  para o Forte de S. João Batista, na Ilha Terceira, nos Açores. Era director o famigerado Capitão Paz que ali cometeu toda a espécie de arbitrariedades. Mário Castelhano e Arnaldo Januário, émulos no heroísmo, foram metidos na POTERNA, horrendo cárcere, tão horroroso como os da velha Inquisição.

Depois destes sofrimentos, Salazar, o místico da crueldade, que, da casa onde se acoitava, guardado pela G.N.R., a S. Bento, providenciava em todo o regime penal, como um velho inquisidor de há 3 séculos, ainda veio a criar o Campo da Morte do Tarrafal.

Para ali, com muitos outros, foi atitado o Januário e é já suficientemente conhecido o regime de vida que ali levavam os presos.

Arnaldo Simões Januário, lutador incansável que a tudo resistira, destruído física que não ideologicamente, sucumbe, enfim, a 27 de Março de 1938, rodeado dos cuidados possíveis dos seus companheiros, mas sem os carinhos da família onde avultavam cinco filhos menores.

É assim que deixa de pulsar o coração generoso do Homem que tudo sacrificou ao seu ideal, ideal de fraternidade humana que não se compadecia com situações fascistas e nazis, tendo o seu corpo ficado sepultado na terra que tanto o viu sofrer.

(Publicado em "Voz Anarquista", nº 13, Abril de 1976)

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Arnaldo Simões Januário, aquando da deportação para Timor. Em Dili, Agosto de 1932.

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25
Mar23

Notícia da morte de Mário Domingues no jornal «Voz Anarquista», nº 21,de Abril de 1977


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A notícia da morte do escritor e jornalista libertário Mário Domingues foi publicada na primeira página do jornal «Voz Anarquista», nº 21, de Abril de 1977, com uma pequena nota biográfica, julgamos que da autoria do próprio Francisco Quintal, o seu director , e por uma carta a ele dirigida por Mário Domingues aquando da publicação, dois anos antes, do primeiro número do jornal. A nota biográfica salienta e destaca o percurso libertário de Mário Domingues, dizendo que ele se recusou, no fascismo, a colaborar na imprensa do regime e fazendo da escrita o seu ganha-pão: "Mário Domingues nunca modificou as suas ideias, repudiou-se a si próprio como jornalista, saiu do meio que era nobre e se tornou antro ignóbil, e passou a viver da sua pena como um sapateiro da sua sovela. Trabalhando para comer, como o mais humilde proletário. Era e foi sempre um simples, um homem bom, incapaz de ofender fosse quem fosse."  Eis a notícia e o texto da carta de Mário Domingues ao director da "Voz Anarquista", Francisco Quintal, que diz conhecer "há mais de 50 anos":

"Morreu Mário Domingues jornalista libertário

A notícia do falecimento do escritor e jornalista, Mário Domingues, no passado dia 24 de Março, que saltitou em paragonas de chavão profissional, por alguns diários da capital, pertence por direito natural à imprensa anarquista e anarco-sindicalista, de que o nosso falecido camarada foi estrénuo defensor e um dos mais distintos colaboradores, entre tantos que através dos anos honraram a verdadeira imprensa livre e a ideologia libertária. Não temos a intenção neste momento de criticarmos em globo, as atitudes, por vezes, infelizes e odiosas de certos jornais.

Há, porém, um aspecto em que todos esses jornais parecem estar de acordo – e parece que há uma ordem geral para que se estabeleça um silêncio no que diz respeito ao noticiário informativo sobre o movimento acrata. Silêncio feito desprezo, silêncio feito medo, silêncio que é uma exclusão. E quando noticiam uma sessão anarquista, não deixam nunca de a deturpar e de dar-se ares superiores como se se tratasse de um espectáculo infantil. Esse silêncio soturno leva à conclusão de que em Espanha o movimento anarquista já morreu há muito. Nada, absolutamente nada. O corte é manifesto. Em Portugal, também não há nada, além do movimento dos partidos em eterna degladiação ou sofismada harmonia.  Pois, com a notícia da morte de Mário Domingues passa-se o mesmo fenómeno. Nem sequer notaram que o Mário se afastou desgostoso com a imprensa do tempo da ditadura fascista, é certo, mas, após o 25 de Abril, continuou afastado e, até ao dia da sua morte, não regressou ao redil em que a maioria se sente bem. Continuou na sombra, editando os seus livros de evocação histórica e pouco mais.

Mário Domingues apareceu aos 19 anos de idade, ainda estudante, nimbado pelas ideias de filosofia superior que se integram dentro do Anarquismo. Pomos de parte, por desnecessário e por ser de todos conhecida, a sua longa autoridade de repórter, de colaboração com Reinaldo Ferreira, o Repórter X, até ao «Detective», revista que ele próprio editou e dirigiu.

Desejamos neste jornal, consagrando um grande camarada, salientar a sua actividade no jornal anarco-sindicalista «A Batalha», em muitas e muitas campanhas, que deram brado, assim como a sua colaboração no jornal «A Comuna», e o concurso que sempre deu ao movimento acrata, formando um grupo libertário com Cristiano Lima, David Carvalho e outros. Além de «A Batalha» colaborou intensamente na revista «Renovação», de que saíram alguns números, e sobretudo no suplemento de «A Batalha».

Os acontecimentos precipitaram-se. Do 28 de Maio de 1926 em diante, a ditadura foi apertando o cerco, até que com o megalómeno Salazar, rodeado por uma clique de criminosos, os quais ainda hoje erguem as cabeças nesta estranha democracia sui-generis, os movimentos de luta pela liberdade foram-se extinguindo, e reinando em seu lugar uma clandestinidade nefasta causadora de grandes sacrifícios e de renúncias nem sempre as mais dignas. Mas, no meio das prisões, deportações, corrupções, Mário Domingues nunca modificou as suas ideias, repudiou-se a si próprio como jornalista, saiu do meio que era nobre e se tornou antro ignóbil, e passou a viver da sua pena como um sapateiro da sua sovela. Trabalhando para comer, como o mais humilde proletário. Era e foi sempre um simples, um homem bom, incapaz de ofender fosse quem fosse.

O regime caminhou inexoravelmente para a data segura do 25 de Abril de 1974. E, para além do que os militares golpistas previam, a liberdade, embora momentaneamente, eclodiu, e todo um povo conseguiu demonstrar, antes que os políticos agissem, que era maior. O anarquismo, de novo, saiu da clandestinidade, rompeu a crisálida imposta e a nossa organização, de propaganda e de combate, começou a actuar. De novo, a imprensa libertária surgiu com o primeiro peródico «Voz Anarquista». O seu primeiro número saiu em Janeiro. E Mário Domingues, logo em 19 de Fevereiro, recebido e lido com alvoroço o nosso primeiro número escreve-nos a seguinte carta, que com emoção rediviva, publicamos, demonstrativa da coerência de um jornalista que sempre honrou a Imprensa, considerada na sua mais elevada significação.

“Lisboa, 19 de Fevereiro de 1975

Meu caro Francisco Quintal:

Por amável devolução dos Correios da Costa da Caparica, onde resido quase todo o ano, recebi o primeiro número do «Voz Anarquista» que tu diriges com o mesmo entusiasmo e a mesma lucidez que te conheci há cinquenta anos.

Li-o com a alegria, a comoção e o alvoroço de quem encontra uma pessoa de família muito íntima de quem estivesse separado há muito tempo.

Vejo no cabeçalho que a iniciativa da publicação deste jornal libertário pertence ao Grupo Editor Aderente ao M.L.P., motivo por que o felicito vivamente por teu intermédio e, simultaneamente, envio-te, a ti, um grande abraço pelo esforço que estás realizando em prol da nossa causa tão carecida de divulgação e esclarecimento.

Agora, mais do que nunca, é preciso proclamar bem alto que o Anarquismo não é a desordem, a violência e o crime, como as forças reaccionárias têm querido qualifica-lo. Urge desfazer essa lenda tenebrosa e demonstrar ao grande público enganado por essas torpes mentiras, que o Anarquista ama e defende o ideal supremo de Ordem exercida numa  Sociedade edificada na Liberdade, na Fraternidade e na Justiça Social. À «Voz Anarquista» cabe essa sublime tarefa, recordando o exemplo de homens superiormente lúcidos como o foram Proudhon, Eliseu Reclus, Sebastien Faure, Bakunine, Kropotkine, Neno Vasco,  Pinto Quartin, Campos Lima, Cristiano Lima, Aurélio Quintanilha (felizmente ainda vivo) e tantos outros, propositadamente esquecidos, que abriram aos homens o caminho da Liberdade.

Apesar dos anos e da escassez de saúde (o médico recomenda-me repouso!) acompanho com entusiasmo a acção dos Libertários portugueses, nesta hora que o 25 de Abril parece tornar propícia a melhores dias.

Espero ter o feliz ensejo de poder falar-te na Costa da Caparica, onde conto regressar durante o mês de Março p.f..

Mais um abraço do teu camarada e amigo – Mário Domingues”

 

24
Mar23

(memória libertária) Reacção à terceira rusga policial à Comuna Cronstadt, em Lisboa


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A 24 de março de 1977, a PSP fez uma rusga (mais uma!) na Comuna Cronstadt, às Janelas Verdes, identificando alguns dos seus ocupantes e apreendendo algum material, nomeadamente uma máquina de escrever, que posteriormente seria devolvida. A ocupação manteve-se inalterada, mas foi emitido um comunicado assinado por “um grupo de moradores dos Prazeres” onde se condenava a intervenção policial. (Arquivo Portal Anarquista)

24
Mar23

Mário Domingues (Ilha do Príncipe, 3 de julho de 1899 — Costa da Caparica, 24 de março de 1977)


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Mário Domingues e Alexandre Vieira, em casa do primeiro (c.1954). (aqui)

Mário Domingues foi um escritor talentoso e prolixo, um jornalista muito activo e um militante libertário, desde muito cedo empenhado na denuncia do racismo que grassava na sociedade portuguesa e nas colónias ultramarinas, em que a cor da pele era uma das condições básicas para o sucesso social e económico. Jornalista do diário anarco-sindicalista, A Batalha, ficaram famosos alguns dos seus artigos e crónicas recentemente reunidos em livro (“Mário Domingues – A afirmação Negra e a Questão Colonial”, ensaio e selecção de José Luís Garcia, Edições Tinta da China, Lisboa 2022)

Mário Domingues nasceu na ilha do Príncipe, na roça Infante D. Henrique, propriedade da firma Casa Lima & Gama, com sede e escritório em Lisboa, filho de mãe angolana natural de Malanje, de nome Kongola ou Munga, que tinha ido para a ilha do Príncipe como contratada (à força) com quinze anos de idade, e de António Alexandre José Domingues, oriundo de famílias liberais de Lisboa. Com dezoito meses de idade foi enviado para Lisboa, sendo educado pela avó paterna.

Aos dezanove anos de idade aderiu ao ideário do anarquismo e iniciou colaboração no diário anarco-sindicalista A Batalha e, posteriormente, no jornal anarquista A Comuna, da cidade do Porto. Nesse período participou nas atividades de um grupo libertário que, entre outros, integrava Cristiano Lima e David de Carvalho. Fez parte da redação da revista Renovação (1925-1926) e colaborou na organização do congresso anarquista da União Anarquista Portuguesa (UAP).

Após o golpe fascista de 28 de Maio de 1926, e a proibição da imprensa anarquista e anarco-sindicalista,  dedicou-se ao jornalismo e tornou-se escritor profissional. Voltou-se para a história e para os romances policiais, escrevendo mais de uma centena de livros, com os mais diversos pseudónimos..

Sem nunca abandonar o ideário anarquista, deixou a militância activa durante largos anos. Apesar disso quando em 1975 surgiu o jornal “ Voz Anarquista”, escreveu uma carta ao seu diretor e amigo, Francisco Quintal, onde dizia : “Agora, mais do que nunca, é preciso proclamar bem alto que o anarquismo não é a desordem, a violência e o crime, como as forças reacionárias têm querido qualificá-lo. Urge desfazer essa lenda tenebrosa e demonstrar ao grande público, enganado por essas torpes mentiras, que o anarquista ama e defende o ideal supremo da ordem, exercida numa Sociedade edificada na Liberdade, na Fraternidade e na Justiça Social. À Voz Anarquista cabe essa sublime tarefa, recordando o exemplo de homens superiormente lúcidos como foram Proudhon, Eliseu Reclus, Sébastien Faure, Bakunine, Kropotkine, Neno Vasco, Pinto Quartin, Campos Lima, Cristiano Lima, Aurélio Quintanilha e outros propositadamente esquecidos, que abriram aos homens o Caminho da Liberdade.”

relacionado:

https://colectivolibertarioevora.wordpress.com/2022/01/11/a-liberdade-nao-se-concede-conquista-se-que-a-conquistem-os-negros-artigo-sobre-mario-domingues-no-publico-suplemento-ipsilon-de-30-3-2018/

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07
Mar23

(memória libertária) O I Forum Ibérico “Sem Fronteiras nem Bandeiras”, na Guarda, e a tentativa de criação da Associação de Classe Interprofissional


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Num momento em que tanto se fala de sindicalismo alternativo, combativo, de base, convém referir uma das iniciativas que pretenderam, no campo libertário,  furar o cerco que o sindicalismo partidarizado, hierárquico e reformista criou em torno do movimento dos trabalhadores.

Apesar do anarcosindicalismo, após o 25 de Abril, nunca se ter conseguido constituir como corrente alternativa, em Portugal, aos sindicatos oficiais, controlados pelo PCP, pelo PS ou pelo PSD, por várias vezes existiram tentativas para criar um movimento social de acção directa e um sindicalismo de base. Nas primeiras duas décadas do século XXI, foram criadas a secção portuguesa da AIT, formada por um pequeno núcleo de militantes, com especial incidência em Lisboa e no Porto,  e um colectivo, mais centrado nas questões da educação, e que editou um pequeno boletim intitulado “Luta Social”, mantendo contactos com organizações de base assemblearia e libertária de vários países europeus. 

Alguns dos seus membros integraram a secção portuguesa da Federação Europeia de Sindicalismo Alternativo – Educação, que reunia federações de ramo da CGT-Espanha (CGT-Enseñanza), UNICOBAS de Itália (UNICOBAS L'Altra Scuola), os sindicatos franceses SUD (Solidaires-Unitaires-Démocratiques) da Educação de Paris e de Grenoble; o sindicato SIP e o sindicato de estudantes (SISA), da Suiça Italiana, bem como outros colectivos (na Eslovénia, em Portugal, em Itália, em França).

A FESAL-E é apresentada em Abril de 2004 na sede de A Batalha  e, posteriormente, realizam-se várias reuniões internacionais desta organização em Lisboa.

A mais importante terá sido  na Guarda, em 2006, nos dias 4 e 5 de Março, com a realização do I FORUM IBÉRICO “SEM FRONTEIRAS SEM BANDEIRAS”, organizado pelo Núcleo Português da FESAL-E, com a colaboração do Coordenador Europeu da FESAL-E; e com a participação de colectivos da CGT-E; da CNT-AIT ; de “Ecologistas en Acción” e da Associação Ambientalista “Quercus”, conforme se pode ler nos materiais que publicitaram o encontro.

Há também uma descrição da forma como a reunião decorreu, feita por Davide Rossi, responsável das relações internacionais de UNICOBAS Itália, e publicada no nº 13 do boletim "Luta Social". 

O colectivo  era integrado por diversos companheiros de diversos pontos do pais e em Julho de 2006, realizou-se uma assembleia geral da secção portuguesa da FESAL-E em que foi criado um sindicato denominado Associação de Classe Interprofissional, que passou a ter o boletim “Luta Social”, como órgão informativo. Nesta mesma reunião foram aprovados os estatutos, regulamento interno e eleitos os corpos gerentes. (aqui

No entanto, o processo de legalização posterior foi sabotado pelo próprio Estado: mal a associação foi legalizada, o ministério público recorreu, obrigando à sua dissolução, supostamente pelo referido sindicato violar a lei, nos seus próprios estatutos, que haviam sido registados meses antes sem quaisquer problemas. (aqui)

A militância destes companheiros manteve-se durante alguns anos, tendo mesmo dado origem aos Cadernos de "Luta Social", temáticos, de que terão saído quatro números, extinguindo-se por volta de 2009.

Relacionado: https://colectivolibertarioevora.wordpress.com/2016/09/11/memoria-libertaria-ac-interpro-a-tentativa-de-construcao-de-uma-associacao-de-base-anarco-sindicalista-em-portugal-no-inicio-do-seculo-xxi/

Boletim Luta Social (até ao 15) : https://colectivolibertarioevora.wordpress.com/imprensa-libertaria/

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03
Mar23

A MANIFESTAÇÃO ANARQUISTA DE 3 DE MARÇO DE 1975 EM SOLIDARIEDADE COM OS TRABALHADORES ESPANHÓIS


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A 3 de março de 1975, vários grupos (uns anarquistas e outros afirmando-se apenas internacionalistas) de Lisboa organizaram uma manifestação de solidariedade para com os trabalhadores espanhóis ainda sob o jugo de Franco, aproveitando o aniversário do assassinato de Salvador Puig Antich, que tinha sido garrotado um ano antes, a 2 de março de 1974.

Foram várias centenas os manifestantes que desfilaram Avenida da Liberdade acima, provocando alguns estragos nas montras de companhias espanholas que ali tinham as suas delegações.

O comunicado que convocou a manifestação – para além de outro material publicado na altura – traduz o espírito da convocatória e a solidariedade que todo o movimento libertário português sempre prestou, neste período difícil, aos companheiros espanhóis.

Sobre esta manifestação, escreveu Júlio Carrapato, alguns anos depois, que "os jovens anarquistas e os velhos anarco-sindicalistas portugueses foram os únicos a organizar a manifestação de 3 de Março de 1975, contra o Pacto Ibérico e de solidariedade com os trabalhadores espanhóis, a única claramente antimilitarista que se fez no Portugal pós-fascista, na qual se gritou uma frase que os jornais servis nem se atreveram a transcrever na íntegra: “os soldados são filhos do povo; os generais são filhos da puta”. Coitados, com toda a boa vontade que os caracteriza em relação aos partidos do Governo ou aos da oposição legal democrática (sempre “a mudança”!), só ousavam citar a boutade até meio, o que, convenhamos, alterava “um pouquinho” o sentido da frase…”

Referindo-se a esta manifestação, Carlos Gordilho, escreve que: "A manifestação pública referida neste texto (...), foi planeada pela Associação de Grupos Autónomos Anarquistas. Na organização colectiva desse evento também participaram os companheiros espanhóis refugiados, que diáriamente conviveram connosco em Almada. Local onde estiveram alojados durante seis meses. A AGAA nessa época representava a única estrutura anarquista real, com capacidade de mobilização da juventude e com a força necessária de penetração em alguns sectores sociais. Na área indústrial da margem sul do Tejo (Lisnave, Oficinas do Arsenal do Alfeite, Companhia Nacional de Pescas, Siderurgia Nacional) a nossa propaganda era distribuida nos locais de trabalho, a partir de uma rede de jovens operários." (aqui)

Em baixo está a “notícia” do “insuspeito” Diário de Lisboa, então dominado pelo PCP e pela extrema-esquerda (a maioria hoje a militar em partidos de direita) que, num texto não assinado e demonstrativo daquilo que, na altura e agora, se chama “isenção jornalística”, tenta ironizar com a forma como decorreu o desfile de protesto. Quem lá esteve não se reconhece no tom faccioso e mentiroso da prosa! Mas fica como exemplo desses tempos, em que depois de 16 anos de repressão burguesa na 1ª República e de 48 anos de fascismo, o movimento anarquista ainda sofreu todo o tipo de silêncios, perseguições, mentiras e ocultações após o 25 de abril por parte de quem quis ocupar as primeiras filas de uma democracia de opereta.

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