Jornal Anarquista Apoio Mútuo (Évora, 1976-1977)
EDITORIAL DO Nº 2
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EDITORIAL DO Nº 2
Ficha prisional de José Correia Pires
https://digitarq.arquivos.pt/viewer?id=4285647
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José Correia Pires foi libertado do Tarrafal 8 anos depois de ali ter chegado, sem julgamento. Em fevereiro de 1945, quando as autoridades carcerárias o informaram de que ia ser libertado em breve, com o seu também companheiro libertário José Rodrigues Reboredo (que esteve cerca de 3,5 anos no Tarrafal depois de uma vida de exilio, que o levou a Espanha e a França, onde conheceu os campos de concentração do fascismo), decidiram escrever uma carta de despedida aos seus companheiros da Organização Libertária do Campo do Tarrafal.
Nesta carta, que faz parte do espólio deixado pelo também libertário e tarrafalista António Gato Pinto, Correia Pires e Rodrigues Reboredo apelam à unidade de "sindicalistas, anarco-sindicalistas e anarquistas" para preservarem intacta a CGT, fundamental para "o triunfo dos sublimes ideais de emancipação humana por que lutamos", e impedindo que ela e "A Batalha" fossem "tomadas" pelos comunistas que, na altura, depois da reorganização partidária de 1940/41 e do fim da II Guerra Mundial gozavam de prestígio e apoio. Para os autores da missiva "separados os sindicalistas dos anarquistas ou os anarquistas dos sindicalistas, o nosso Movimento será absorvido pelos comunistas, pois todas as suas propostas de unidade e colaboração, por mais amigos e sinceros que se mostrem, não visam mais que um fim: o desaparecimento do nosso Movimento, para os comunistas estabelecerem o seu predomínio."
Para isso é fundamental a união e o companheirismo entre os libertários, mesmo que com opiniões diversas, uma vez que "desde (há) longos anos que combatemos juntos pela mesma causa, desde há muito tempo que o nosso sangue se verte na rua em conjunto, nas barricadas e em todos os locais de luta, morrendo lado a lado, varados pelas mesmas balas assassinas das hostes mercenárias da Burguesia ou abatidos traiçoeiramente pelas febres e outras doenças do clima tropical e doentio das regiões inóspitas da África, de Timor ou do maldito Tarrafal, mil vezes maldito pelas vítimas produzidas entre os nossos camaradas" referem os dois anarquistas no momento de deixarem o Tarrafal.
É essa carta/comunicado que a seguir se publica no dia em se assinalam os 46 anos da morte de José Correia Pires.
(1945), "A todos os componentes da Organização Libertária do Campo do Tarrafal", Fundação Mário Soares / António Gato Pinto, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_160528 . Cópia manuscrita de comunicado de José Rodrigues Reboredo e de José Correia Pires aos membros da Organização Libertária do Campo do Tarrafal, no momento da sua saída do campo. Fevereiro de 1945. 3 páginas.
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A todos os componentes da organização Libertária do Campo do Tarrafal
Prezados camaradas:
É costume corrente quando mudamos de localidade ou de país, despedirmo-nos dos nossos parentes, dos nossos amigos e todas as pessoas, enfim a quem nos sentimos ligados por laços de família, de amizade ou de companheirismo.
Ora, se é certo que há costumes que tendem a desaparecer por erróneos ou caricatos, o dever de cortesia, é crença nossa, perdurará pelas idades fora, porque tem um fundo humano, constitui uma prova dos instintos de sociabilidade do homem e, por consequência, corresponde a uma necessidade social.
Sendo assim, nós, ao deixarmos o Tarrafal faltaríamos a um dos mais elementares preceitos de civilidade, se não cumpríssemos o dever de nos despedirmos de todo os camaradas que compõem a nossa organização, aqui no campo.
É esse, pois, o motivo porque resolvemos dirigir-vos as presentes linhas como motivo da nossa despedida.
Certamente que poderíamos cumprir este dever indo pessoalmente junto de cada camarada.
Mas todos vós sabeis o que se passa aqui, no campo, quando estamos para sairmos. Em primeiro lugar não sabemos o dia nem a hora a que somos chamados e, quando nos chamam, não nos permitem mais falas com quer que seja. Em segundo lugar, uma despedida antecipada, não só perde o seu verdadeiro significado, como arrisca-nos a cair no rídiculo se a nossa saída se não realizar por qualquer motivo imprevisto.
Ponderadas, pois, todas estas circunstâncias optámos, antes, por dirigir-vos algumas linhas por escrito, como afirmação do nosso sincero espírito de solidariedade para com todos vós, linhas em que sintetizamos alguns pontos do nosso pensamento, neste momento de separação das nossas pessoas.
Ao deixarmos este maldito Tarrafal, mil vezes maldito pelos imensos sofrimentos nele padecidos por todos os nossos camaradas, alguns dos quais aqui encontraram a negra morte – camaradas para os quais vai, neste instante da nossa partida, a nossa mais comovida homenagem -, nós queremos que vós nitidamente saibais que, não obstante a diferença de critérios, talvez, entre nós existentes quanto a alguns problemas da nossa organização, não obstante, porventura, (d)a diferença de ideias que entre nós possa haver quanto à solução do problema social e humano, nós partimos deste campo mantendo para convosco a máxima estima e consideração, sentindo-nos ligados pelos laços da mais fraternal camaradagem, estabelecida e mantida sobre a égide da C.G.T. e da Organização Específica, Organismos, certamente, que todos nós desejamos ver fortes e engrandecidos, com uma extensão cada vez maior e mais rica em resultados concernentes ao triunfo dos sublimes ideais de emancipação humana por que lutamos.
Falamos assim porque estamos absolutamente convencidos de que todos desejamos atingir o mesmo fim: realizarmos a transformação social e estabelecermos um sistema de vida que assegure à classe trabalhadora, a todos os homens, a garantia dos direitos que lhe são devidos por direito próprio e condição natural.
Porque pensamos desta forma, entendemos que era nosso dever neste momento de separação (decerto breve) dar-vos conta da nossa incondicional solidariedade hoje, e amanhã, lá fora, em qualquer parte [em] que nos encontremos, dentro dos organismos acima indicados.
Podeis estar certos que encontrareis sempre em nós o melhor dos desejos, a maior boa vontade e o máximo interesse de contribuir, tanto quanto possível, para a união da família Libertária. Entendemos sempre e continuamos a manter o mesmo critério de que todas as opiniões são respeitáveis, todos os juízos devem ser tomados em consideração e todas as ideias devem ser ouvidas dentro das nossas organizações.
O que é necessário é que respeitando-se precisamente este princípio, cada um respeite a opinião dos demais e haja a maior elevação possível na exposição das ideias e conceitos, buscando-se uma solução conciliadora, sempre que surjam critérios diferentes acerca dos problemas em causa.
Dentro desta orientação, possivelmente, (que) chegaremos em todas as ocasiões a um bom e franco entendimento e observar-se-á a harmonia e a confiança necessárias para continuarmos a lutar juntos contra o inimigo comum.
Permiti-nos, camaradas, dizer-vos com toda a sinceridade: qualquer rompimento entre nós representaria um perigo gravíssimo para o nosso Movimento. Seria a destruição de todo o labor realizado com tanto sacrifício, através de longos anos dos nossos camaradas, seria a perda de milhares de esforços que foi necessário despender para levar a cabo a nossa organização.
A desunião entre nós não pode produzir mais que o enfraquecimento imediato da nossa querida C.G.T., ocasionando que, no futuro, essa seja tomada pelos nossos adversários.
Haja em vista, camaradas, o que se passou em França com o Movimento Operário que, fracionando-se, tinha três C.G.T.!
Sindicalistas neutros, anarco-sindicalistas e anarquistas, todos unidos e lutando dentro de uma só C.G.T., representam uma força poderosa no nosso país – a única que pode garantir confiança às massas -, podem fazer-se respeitar pelas outras correntes, impedindo que estas se apoderem da C.G.T., e podem vantajosamente sustentar a luta contra a burguesia.
Separados os sindicalistas dos anarquistas ou os anarquistas dos sindicalistas, o nosso Movimento será absorvido pelos comunistas, pois todas as suas propostas de unidade e colaboração, por mais amigos e sinceros que se mostrem, não visam mais que um fim: o desaparecimento do nosso Movimento, para os comunistas estabelecerem o seu predomínio.
É este, camaradas, o panorama que se oferece neste momento à nossa Organização Confederal.
Através desta simples anunciação se pode ver o enormíssimo perigo que representa uma rutura no nosso Movimento – o Movimento Libertário –, ou seja dentro da C.G.T., mal já agravado com a criação da célebre Comissão Inter-sindical e outras dissenções anteriores.
Em face de tudo isto, camaradas, afigura-se-nos que devemos congregar todos os esforços para que esse perigo desapareça. É preciso conjugarmos todas as nossas energias para que os nossos adversários não possam amanhã apoderar-se da C.G.T. e do nosso jornal “A Batalha”, valendo-se da nossa desunião. Alerta, camaradas. Alerta, que o adversário é activo, tenaz e inteligente. Não é de estranhar que ele busque os meios para estabelecer um choque entre nós. Dividir para reinar! Eis a máxima de todos que pretendem vencer para estabelecerem o seu reinado.
Pensemos, pois, seriamente na responsabilidade que pesa sobre os nossos ombros, se contribuíssemos, porventura, para uma cisão entre nós.
Desde longos anos que combatemos juntos pela mesma causa, desde há muito tempo que o nosso sangue se verte na rua em conjunto, nas barricadas e em todos os locais de luta, morrendo lado a lado, varados pelas mesmas balas assassinas das hostes mercenárias da Burguesia ou abatidos traiçoeiramente pelas febres e outras doenças do clima tropical e doentio das regiões inóspitas da África, de Timor ou do maldito Tarrafal, mil vezes maldito pelas vítimas produzidas entre os nossos camaradas.
Pois bem! Evitemos romper essa união consagrada por tantos anos de luta em conjunto, essa união cimentada sobre tantas dores e tanto sangue vertido! Continuemos irmanados e identifiquemos mais, se é possível, ainda os nossos propósitos de união. Dentro da C.G.T. há lugar para todos desenvolverem a sua actividade e darem expansão ao seu saber e à sua capacidade construtiva e revolucionária. Que é necessário dar mais amplitude à C.G.T. para que ela possa estar à altura das circunstâncias? Nisso estamos todos de acordo. Unamo-nos, pois, para que isso se faça, para que a C.G.T. viva e se torne cada vez maior, realizando a missão histórica que lhe cabe na obra de transformação económica-social da classe trabalhadora no nosso país. É este o nosso pensamento, neste momento, camaradas. E fiéis a ele, partimos de aqui absolutamente convictos de que amanhã, dentro da C.G.T., não surgirão quaisquer motivos que nos possam separar, tanto na luta pela realização dos nossos ideais, como na luta contra o sistema capitalista.
Partimos de aqui desejosos de contribuir o mais possível para a nossa união. Não alimentamos quaisquer ressentimentos que, porventura, possam impedir a mais estreita e leal colaboração entre todos nós em relação aos futuros trabalhos dentro do nosso Movimento.
São estes, camaradas, os propósitos que nos animam ao sairmos de aqui e que vos fazer conhecer neste momento da nossa despedida do Tarrafal. Recebei, camaradas, as nossas mais fraternais saudações, vossos e da causa, Tarrafal Fevereiro 1945
a) José R. R. e J. C P
(Actualizados vocabulário e pontuação do texto)
Ficha prisional de José Rodrigues Reboredo
https://digitarq.arquivos.pt/viewer?id=4293448
O anarquista e antigo tarrafalista José Correia Pires nasceu em 1907, em Messines, no Algarve e morreu a 28 de Outubro de 1976, em Almada, onde residia. Um vida dedicada à militância anarquista primeiro em tempos de Republica; depois contra o fascismo, na clandestinidade e no Tarrafal; mais tarde, já em democracia, com a fundação do jornal Voz Anarquista e do Centro de Cultura Libertária, em Almada.
Carlos Gordilho, que o conheceu e acompanhou, recolheu alguns dados sobre José Correia Pires e coligiu-os, levantando a questão dele – tão prolixo na escrita – ter deixado tão poucos textos enquanto esteve no Tarrafal (8 anos) e lançando a pergunta: “após 46 anos da sua morte, emerge a questão da sobrevivência dos seus escritos do campo de concentração do Tarrafal. Os escritos deste autor desapareceram ou encontram-se depositados, organizados e indevidamente identificados em fundos documentais?”
O também tarrafalista António Gato Pinto, residente no Barreiro, foi um dos seus amigos e companheiro e a ele se deve ter guardado no seu espólio alguns textos de José Correia Pires, entre os quais a versão original do livro “A Revolução Social e a sua Interpretação Anarquista” (publicado em 1975).
Textos e anotações sobre José Correia Pires, anarquista, coligidos e contextualizados por Carlos Gordilho
José Correia Pires
"Podem chacinar-nos, podem algemar a liberdade, podem erguer uma prisão em cada lar e abrir uma sepultura em cada metro de terra! Os homens tombarão, mas as ideias nobres ficarão sempre de pé até que, por sua vez, possam triunfar sobre o último dos algoses".
(J. Correia Pires)
Campo de Concentração do Tarrafal onde José Correia Pires esteve preso durante 8 anos
1 – ONDE PARAM OS ESCRITOS DE JOSÉ CORREIA PIRES NO TARRAFAL?
O tarrafalista António Gato Pinto, nunca se declarou anarquista, mas era de orientação libertária. Entrou no campo de concentração do Tarrafal na primeira leva de prisioneiros, em 29 de outubro de 1936. Libertado, saiu em 1949. Conhece José Correia Pires no primeiro momento em que este chega ao campo, no dia 12 de junho de 1937. Ficam amigos por longos anos. E nessa posição de entreajuda, trabalham em conjunto, quando José Correia Pires instala uma carpintaria e uma loja de mobiliário, ambos os espaços na avenida D. Afonso Henriques, em Almada, e uma sucursal na Baixa da Banheira, Barreiro, área onde reside António Gato Pinto.
C. Pedro, pseudónimo de José Correia Pires, entra a 1 de março de 1946 no Comité Confederal, substituindo "Camilo", como elemento de ligação entre o Comité e o Conselho Confederal. No vigésimo nono ano da fundação do jornal «A Batalha», "apreciou-se o artigo de fundo escrito por C. Pedro para o próximo número de «A Batalha», que foi aprovado, embora Pinto e Lima (pseudónimos) tivessem feito algumas observações por causa das alusões à Rússia".
Esta referência à pratica de escrita de José Correia Pires, procura destacar a sua participação dotada de uma preparação intelectual e desambigua afirmação ideológica. Por esse motivo é surpreendente que lhe seja atribuído, isto no âmbito do espólio de António Gato Pinto, a autoria de só dois manuscritos (um artigo de fundo que circulou no sector libertário do campo (1938) e uma carta de despedida (1945) em co-autoria com José Rodrigues Reboredo, quando saiu do campo), tendo-se em conta que antes de ser deportado, em 1937, para o campo de concentração do Tarrafal, onde permaneceu oito anos, já publicava artigos de opinião na imprensa regional do sul do país. No período do seu exílio em Espanha (1932), editou um número do órgão da Federação Anarquista de Portugueses Exilados, «Rebelião», inserindo nesta publicação com 25 páginas vários artigos da sua autoria.
Imagem: visita de Edgar Rodrigues (à direita) a Paiva Moura, em Almada.
2 - PERFIL BIOGRÁFICO DE JOSÉ CORREIA PIRES, POR EDGAR RODRIGUES.
Correia Pires nasceu em Messines, Algarve no ano de 1907.
Ali aprendeu três importantes conhecimentos: a ler, a profissão de carpinteiro e as ideias anarquistas.
Pouco depois ingressa nas Juventudes Sindicalistas e luta até ser preso em 1932, sendo então conduzido para o Aljube de Lisboa.
Libertado, volta à luta e participa do movimento de 18 de Janeiro de 1934. Mas o insucesso deste obriga-o a exilar-se em Espanha onde chega clandestinamente.
Ali viveu algum tempo sem conseguir emprego. Foi o seu amigo José Rodrigues Reboredo quem lhe conseguiu meios para sobreviver pelo seu próprio esforço.
Antes de explodir a revolução em Espanha retorna a Portugal e depois de viver na clandestinidade por algum tempo, trabalhando no sector da Federação Anarquista da Região Portuguesa (F.A.R.P.) acaba preso, processado e enviado para o Campo de Concentração do Tarrafal, de onde regressou combalido, praticamente incapaz fisicamente de exercer a sua profissão.
Assim mesmo não perdeu as convicções anarquistas. Lutou sempre escrevendo e dando exemplos de tolerância, de bondade e de coerência libertária.
Estudou na universidade da vida que lhe abriu suas portas bem cedo, e nela conseguiu grandes conhecimentos, uma excelente cultura sociológica, tornou-se um autodidacta respeitável, um homem bom!
Escrevia e falava sem dificuldades, com fluência, raciocinava progressivamente, fora sempre um anarquista actualizado.
Com o derrube da ditadura fascista portuguesa, uniu-se aos seus companheiros que haviam escapado aos 48 anos de perseguições. A todos movia a mesma intenção: publicar A Batalha. Mas o comportamento autoritário, de intolerância e o desejo de supremacia de alguns sobreviventes, fê-lo retornar a Almada e com Francisco Quintal, Sebastião Almeida, Jorge Quaresma, José Eduardo, Paulo Lola, Adriano Botelho, entre outros, fundar Voz Anarquista, onde colaborou até morrer, em Outubro de 1976.
Antes, porém escreveu a publicou 2 livros: Memórias de Um Prisioneiro do Tarrafal e A Revolução Social e a sua Interpretação Anarquista.
Pode dizer-se que Correia Pires se realizou, assistiu à derrocada da ditadura fascista portuguesa, ao desfalecimento dos seus algozes, a famigerada P.I.D.E., pôde ajudar a fundar um jornal genuinamente anarquista e morreu como viveu, de bem consigo mesmo, com o seu Eu, homem bom como sempre fôra.
(in Edgar Rodrigues, «A Oposição Libertária em Portugal - 1939/1974», pp. 203)
3 - O PAPEL DE JOSÉ CORREIA PIRES, NO REAPARECIMENTO DO MOVIMENTO ANARQUISTA ORGANIZADO
É um elemento do grupo anarquista de Almada «Luz e Vida», e a partir de março de 1946, é também membro do comité confederal da C.G.T..
"Informei então das tentativas feitas no sentido de dar vida ao anarquismo militante, com organização própria, a primeira por um grupo de Lisboa, da qual fazia parte o camarada Lima, há perto de dois anos, que distribuiu um questionário aos camaradas e grupos anarquistas conhecidos e em actividade, pedindo a sua opinião sobre os vários pontos apresentados, entre os quais estava o sistematizado que devíamos optar de relação com o movimento operário. Era intenção do grupo distribuidor do questionário fazer uma publicação com todas as respostas recebidas e se as mesmas fossem favoráveis á organização específica dos anarquistas ou à criação dum simples comité de relações entre os grupos autónomos, convocar todos os grupos e camaradas para uma conferência plenária onde se tomariam acordos definitivos, num ou noutro sentido.
Só dois grupos, de lisboa, mandaram resposta ao questionário. Ultimamente um grupo de Almada, "Luz e Vida", distribuiu uma circular interessando os camaradas anarquistas na sua organização regional."
(Texto extraído do relatório do delegado da C.G.T. a Coimbra em 8 de novembro de 1947, in Edgar Rodrigues, «A Oposição Libertária em Portugal - 1939/1974», pp. 298-307)
Observação: o camarada Lima é o anarquista Adriano Botelho. A carta-questionário foi distribuída no ano de 1945. Mais tarde, em 1982, foi publicado no livro de Edgar Rodrigues, por nós aqui destacado, pp. 95-97. O relatório está assinado por Vicente, pseudónimo de Vivaldo Fagundes, e pelas letras M.R. (Moisés Ramos), Lisboa, 8/11/1947. Aquando da sua chegada a Lisboa, no regresso do campo de Concentação do Tarrafal, onde permaneceu oito anos, José Correia Pires foi libertado no Forte de Caxias, a 9 de março de 1945.
http://casacomum.org/cc/visualizador?pasta=10439.005
4-GRUPO ANARQUISTA DE ALMADA (CLANDESTINO) «LUZ E VIDA»
O grupo anarquista “Luz e Vida” é o grupo anarquista de Almada (clandestino), que depois de 25 de Abril de 1974 veio a designar-se “Grupo Cultura e Acção Libertária”, editor do jornal Voz Anarquista.
“Prezados camaradas:
Subordinados à ideia de dar às actividades dos anarquistas portugueses um carácter homogéneo e eficiente, tanto na defesa e empenhamento do anarquismo, como na conquista de mais liberdade [...], foi, por um grupo anarquista de Lisboa, distribuído uma circular questionário, que este grupo (Luz e Vida) considera oportuno e assás interessante e à qual nos propomos responder:
A) organização especifica - à pergunta feita se veem os indivíduos continuarem a agrupar-se à base de afinidade ou entre os que vivem mais próximos, diremos: - o princípio de afinidade deverá ser sempre o preferido, não só como determinação a nosso princípio ideal mas muito especialmente como exigência de um maior aproveitamento do nosso labor revolucionário e ideológico, sabido com é que todo e qualquer empreendimento reclama sempre muita compreensão e geral entendimento entre os respectivos empreendedores. Diz-nos a experiência que quando não há a verdadeira afinidade entre um agrupamento, uma organização perde-se um tempo enorme com discussões inúteis e dificilmente pode surgir trabalho eficiente e valioso de agrupamentos que não assentem no princípio de afinidade. Assiste-se muitas vezes entre camaradas nossos a discussões estéreis e facilmente altercando-se sem motivo justificado exactamente por não haver entre si muita simpatia e menos afinidade, explodindo por vezes tempestades pouco edificantes e que em nada nos elevam. Significa isto, que o princípio de afinidade é entre nós o preferido, embora não deixemos de reconhecer que onde não seja possível a sua total aplicação, por falta de elementos ou ainda pela sua dispersão, se opte por qualquer sistema, sendo forçoso onde hajam anarquistas que se agrupem, pois se outros motivos não houverem a forçar os nossos vinculos e a nossa aproximação, bastam-nos a nossa comum repulsa pelo autoritarismo e apêgo às ideias de liberdade.
B) como se devem relacionar-se os grupos e indivíduos isolados? O anarquismo é essencialmente contrário a todo o princípio de uniformidade, a toda a ideia totalitária, por contrária à diversidade da vida e inimiga do princípio de liberdade e por isso em nenhuma das suas actividades ou desdobramentos persiste um critério rígido, inflexível, sendo notória uma maleabilidade quer no tempo quer no espaço, no referente a tática e método de luta, contrariamente ao que dizem e supõem os seus detractores. É por isso que não podemos estabelecer que as nossas relações tomem este ou aquele carácter uniforme, dado que o que não se pode fazer aqui se não poderia fazer ali e o que convenha a uma realidade pode não convir a outra. Significa isto que serão sempre as circunstâncias que terão a última palavra e os camaradas das respectivas localidades deverão ver qual o processo que melhor sirva as necessidades das nossas actividades relacionadoras. Isto quanto às relações individuais e de grupo para grupo. No referente às relações nacionais, cremos indispensável um comité relacionador que não só estreite relações com todos os grupos e camaradas isolados, como até procure compulsar as necessidades e iniciativas gerais e dar-lhes a expansão correspondente. É forçoso acentuar que em qualquer agrupamento anarquista a pratica dos princípios federalistas são sempre a sua norma e por princípios federalistas se compreende a pratica das normas gerais das actividades com observância rigorosa dos princípios de liberdade, que dizem salientar a possibilidade e conveniência do indivíduo livre no grupo livre e este dentro da realidade, e assim em toda a ordem social. Tanto em tempo de repressão como de liberdade, as nossas relações deverão ser sempre mantidas com a máxima precaução e cautela, optando materialmente pelos métodos que a experiência aconselhe. Neste sentido também não pode haver um critério único, para cada caso terão os camaradas encarregados dessa função que escolher o que menos perigos garantir.
Propaganda - Independentemente do que cada grupo ou indivíduo isolados possamos fazer, cremos ser de absoluta necessidade a criação de um comité ou secretariado de propaganda, coordenando tudo que possa concorrer para a disseminação e esclarecimento das ideias e problemas que com as mesmas se prendam e que aceitamos a ideia de um órgão na imprensa com carácter fraccional, ainda que com o apoio geral, sabido como é que de outro modo seria desbaratar energia e tempo.”
Observação: Concordante com o seu próprio estilo de escrita, o autor do texto deve ser o José Correia Pires.
Imagem: o texto original «A Revolução Social e a sua Interpretação Anarquista» com 21 páginas, datado de 18 de Fevereiro de 1938, encontra-se inserido no espólio de António Gato Pinto, deportado no Campo de Concentração do Tarrafal, e depositado na «Casa comum-Fundação Mário Soares», pasta 10439.001.014. Na "Introdução" da presente edição do texto que redigiu em 1971, editado em 1975, José Correia Pires escreve com imprecisão, informando o leitor que o texto circulou no Campo aí por volta dos anos 39, não está certo, e isso é prova que não teve oportunidade para dissipar a dúvida, isto é, de consultar o texto original de sua autoria. António Gato Pinto, morreu em 1973.
José Correia Pires, (1907-1976,) discursa no encontro anarquista celebrativo do 1º Maio de 1974, na cervejaria Canecão, em Cacilhas, ladeado pelos companheiros, à esquerda, Sebastião Almeida. À direita, Emídio Santana e Francisco Quintal.
5 - RELEMBRAR A MUTAÇÃO DO GRUPO ANARQUISTA (CLANDESTINO) DE ALMADA. O MESMO GRUPO DEPOIS DO 25 DE ABRIL DE 1974, PASSA A SER DESIGNADO «GRUPO CULTURA E ACÇÃO LIBERTÁRIA», EDITOR DO JORNAL VOZ ANARQUISTA.
Nesta "Acta", no ponto 1º, é referido a questão do Movimento Libertário Português e a publicação do jornal A Batalha. A tensão dos companheiros veteranos de Almada, com o grupo informal reunido à volta de Emídio Santana, aquando da edição em Setembro de 1974 do mencionado jornal, tem uma proveniência anterior. Ou seja, está na origem do apelo politiqueiro de Santana a candidaturas eleitorais dos anarcosindicalistas para os municípios; "O Emídio Santana, depois de sair da prisão, tentou formar um grupo político para concorrer às eleições municipais - ele e o Germinal de Sousa, filho do Manuel Joaquim de Sousa. Publicaram um manifesto e por causa disso houve uma grande bronca com os companheiros, mais ou menos chefiados pelo Correia Pires." (1)
Claro, a tensão foi acentuada, quando o Santana e os seus acólitos se apropriaram de todas as verbas enviadas do estrangeiro para o Movimento Libertário Português, aplicando esse fundo nas despesas com a produção do jornal A Batalha. Eu assisti à discussão levantada pelos companheiros Paulo Lola (elemento da FAI) e José Correia Pires, ambos delegados do GCAL, em oposição ao senhor pseudo anarquista Moisés Ramos e todos os outros implicados que acompanharam o Santana. Passaram-se quatro meses, entretanto, como águas paradas não move seja o que for, os veteranos anarquistas em conjunto respondem editando o jornal Voz Anarquista, que começa a circular nas bancas em Janeiro de 1975.
(1) José de Brito, Retalhos da Memória, in Utopia, nº4, Outono-Inverno de 1996, pp. 63-68.
http://casacomum.org/cc/visualizador?pasta=10439.011
6 - OUÇA ZACARIAS
O anarquista José Correia Pires, operário carpinteiro, sem nunca ter chegado a ser trabalhador efectivo na Companhia Portuguesa de Pesca, no sitio do Olho de Boi, aqui trabalhou dois anos e tal, isto quando se instalou em Almada, em 1945.
O documento que transcrevemos está do seguinte modo identificado: trata-se de um manuscrito reproduzindo uma carta de um carpinteiro (anónimo), após o seu despedimento. Documento de 8 páginas, com o título "Ouça Zacarias", é datado de setembro de 1947. O documento está inserido no espólio de Antonio Gato Pinto, ex-guarda nacional republicano e ferroviário, prisioneiro e amigo do Tarrafal de José Correia Pires.
“OUÇA ZACARIAS!
O que vou dizer-lhe não é propriamente uma explicação, que não lhe devo, mas antes um desabafo que não resisto à tentação de lhe fazer, exactamente porque a despeito da decepção porque me fez passar ainda tenho por você alguma consideração. É meu desejo que não veja nestas simples linhas mais que o desejo de o fazer pensar alguns minutos no meu caso, que você julgou arrumado com o meu despedimento, e que pondere as razões que tenho para estar ressentido e confessar que me enganei acerca da sua amizade e do que me prometeu, sem nada lhe ter pedido.
O que me acaba de suceder estou firmemente convencido que em nada o incomodou e nem o conteúdo desta carta lhe merecerá o menor interesse. Ora não importa. Há coisas que nos ocorrem que só nós as valorizamos, precisamente porque só nós as sentimos e compreendemos devidamente. Depois, que importa uma injustiça na pessoa de um simples operário se todos os dias e a todas as horas se praticam infâmias na pessoa de milhões? Que importância pode revestir o caso de se despedir um operário que se considera bem comportado e em tudo cumprindo os seus deveres numa fase em povos inteiros se humilham e se deprimem? Não, num mundo onde só prepondera a injustiça em nada, absolutamente em nada, conta a desconsideração e injustiça de que eu me considero vítima e nem eu quero que você lhe dê mais importância que a que lhe mereceu quando pensou incluir-me na lista dos que iam ser despedidos. Que pretendo então? Dizer-lhe que o seu espírito de justiça e lealdade está profundamente embotado e que perde muito no meu conceito todo o indivíduo que não cumpre o que promete, qualquer que seja o motivo do seu não cumprimento e muito mais quando simples futilidades são o motivo de tal procedimento. Não sei as razões que possa ter a meu respeito, mas o respeito pela sua própria dignidade e muito especialmente em obediência a uma situação que aí criei (e foi você que inicialmente mais para tal contribuiu) era forçoso da sua parte proceder de maneira diferente daquela que procedeu. Mais que uma vez e mais que um indivíduo me asseveraram espontaneamente que enquanto você estivesse à frente dos trabalhos da carpintaria eu não sairia do Olho de Boi, e isto, certamente, foi você quem propalou. Mas não foi pelo que outros me disseram, apenas guardo bem vivo na minha memória o seu prometimento de efectividade na casa, embora, como é lógico que assim fosse, nunca nada a tal respeito lhe tivesse pedido. Que aconteceu para que passados dois anos e tal de casa (situação que por si só já me dava o direito de não ser despedido por dá cá aquela palha) ser assim despedido? Disse-me você que tinha ordem para reduzir ao mínimo o pessoal e que não iria despedir carpinteiros mais velhos que eu na casa, deixando-me ficar. Absolutamente de acordo e não serei eu quem condene um tal proceder. Mas procedeu você assim? Não, e considero que os despedimentos que você ultimamente aí fez foram de uma injustiça a toda a prova e para um espírito recto e justo seriam motivo forte para sentidos arrependimentos e remorsos para toda a vida. Mas o meu caso é o mais flagrante e nunca pensei que você procedesse para mim como realmente procedeu!
Acredite que um dia me falaram muito mal de si, mas julguei estar em presença de um despeitado e não acreditei. Mais tarde mostrou-me uma ou duas cartas anónimas que também as não tomei a sério e até me revoltaram especialmente porque sempre detestei o anonimato, quando se acusa. Depois disto tudo confesso que se alguma vez mais ouvir falar mal de você não terei a mesma atitude de descrença que antes mantive. Porquê? Apenas porque embora o não considere um indivíduo mau, depois do que me fez sei que não é suficientemente cauteloso na não prática de qualquer injustiça que o ponha na alçada da critica e dos reparos dos que possam ser afectados ou tenham por habito criticar o que não for razoável e justo.
Durante o tempo que aí trabalhei pude verificar que na luta que você mantinha entre a defesa dos interesses da Companhia que você representa, e a defesa dos operários que por sentimentos e responsabilidades contraídas pelas suas afirmações em parte lhe competia defender, a sua conduta interpretei-a como bastante equilibrada e até com certa inteligência, sempre mais inclinado a defender os que na verdade mais necessitam que os defendam. Significa isto que como mestre não o considero pior, outrotanto não dizendo se se trata de camarada ou simplesmente de amigo. O que me fez tenho-o como uma grande deslealdade e, para melhorar a compreensão, ponha-se no meu lugar e veja se é ou não lamentável o que me aconteceu, partindo de um indivíduo de quem não esperava, não porque fosse meu desejo que não acontecesse, mas tão somente porque até no último momento conseguiu enganar-me sem necessidade nenhuma de o fazer. Não acha que tendo você tornado a resolução de me despedir que mo devia ter dito franca e lealmente quando me comunicou que o Victor Hugo também estava despedido e que tivesse eu paciência? Quando me disse que “nos puséssemos a pau” porque não disse concretamente o que pensava fazer? Admito ainda que vacilasse e temesse directamente dar-me assim essa notícia (no seu foro íntimo você tinha consciência do que isso representava), mas não merece perdão de me não ter dito o que pensava definitivamente fazer quando me dirigi, pedindo que me explicasse o que queria dizer aquele “ponham-se a pau” e que terminou por me dizer que me fosse aguentando e que se não pudesse aguentar que me diria com antecedência. Reconsidere bem este seu último prometimento e veja que nesse mesmo dia entrava de licença e com a lista dos que iam ser despedidos nas mãos dos seus operários-chefes e no número dos quais não hesitou em me incluir. Como classificaria você um indivíduo que o tivesse como amigo e lhe fizesse uma partida destas?
Não quero nem devo continuar, e termino por lhe asseverar que sofri uma grande desilusão exactamente por o ter tomado a sério. Mas já estou curado e presentemente só lamento o tempo que aí trabalhei que talvez noutros locais teriam modificado em parte o meu modo de vida. Sem mais não lhe prometo utilidade mas garanto-lhe que nunca lhe serei prejudicial.
Observações:
Instalações da Companhia Portuguesa de Pesca, Olho de Boi, Almada
Sobre José Correia Pires, autor de A Revolução Social e Sua Interpretação Anarquista (disponível aqui) ver textos de Irene Pimentel (aqui) e de Maria João Raminhos Duarte (aqui) e do próprio Correia Pires (aqui). Para uma contextualização dos anos 30 no movimento anarquista ver o artigo de Paulo Guimarães “Cercados e Perseguidos: a Confederação Geral doTrabalho (CGT) nos últimos anos do sindicalismo revolucionário em Portugal (1926-1938)” (aqui), a tese de doutoramento de Antónia Gato "Tarrafal: resistir como promessa. O poder de transformar uma experiência de opressão numa história de grandeza" (aqui) ou, sobre a reconstituição do movimento anarquista pós 25 de Abril de 74, o artigo de Carlos Gordilho "Vestigios da vida do "outro" anarquismo em Almada" (aqui)
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José de Brito (Algarve, 1901- Lisboa, 21 de agosto de 1996) foi um anarquista muito interventivo, que suscitou alguns conflitos, mas que deixou também naqueles que o conheceram uma chama de rebeldia e de inconformismo salutar. A sua casa na Calçada da Bica, em Lisboa, era lugar de encontro de libertários de várias gerações e de várias nacionalidades nos anos que se seguiram a Abril de 1974. Tendo passado a sua juventude na América Latina, sobretudo na Argentina, regressa a Portugal depois de escapar por uma "unha negra" ao pelotão de fuzilamento. Aqui desenvolve uma forte actividade comercial, mantendo sempre ligação aos companheiros anarquistas.
Após o 25 de Abril de 1974 participa no esforço organizativo do movimento libertário e, ao mesmo tempo, edita uma pequena publicação, com outros companheiros, "A merda", que vende dezenas e dezenas de milhar de exemplares, mas que alguns sectores libertários contestam e repudiam. Numa célebre nota publicada nos jornais A Batalha e na Voz Anarquista, em Janeiro de 1976, intitulada "Desfazendo a confusão" os colectivos de "A Batalha", da "Voz Anarquista" e de "A Ideia" denunciam "certo grupo de baixo espírito mercantil (que) edita, além doutras, uma publicação intitulada MERDA, único produto da sua facúndia, que se reclama de ANARCA, e em seguimento se vende em bancas juntamente com obscenidades como exploração de baixo gosto".
No entanto, José de Brito continuou a editar diversas publicações, muitas delas textos teóricos do anarquismo, na Cooperativa Fomento Ácrata mantendo também um forte relacionamento com os sectores mais jovens do movimento libertário, nomeadamente com a Associação Cultural "A Vida" que, entre os anos de 1995 e 2012, editou a revista "Utopia".
Esta revista, na altura da sua morte, publicou um texto autobiográfico de José de Brito, reunindo passagens de várias entrevistas dadas a José Tavares e a Stephanie Zoche para o filme Memória Subversiva, onde nos conta em linhas gerais o percuso da sua vida, que agora recuperamos:
Mais sobre José de Brito: https://colectivolibertarioevora.wordpress.com/2013/01/22/bandeira-negra/
Notas necrológicas por José M. Carvalho Ferreira e de José Luís Félix: http://www.utopia.pt/edicoes/Binder4.pdf
José de Brito e a mulher, Serafina, na sua casa na Calçada da Bica, rodeados de livros
Foto publicada no nº 4 da revista Utopia, de 1996
No dia 27 de setembro de 1979, dois trabalhadores agrícolas, Casquinha, de 17 anos, e "Caravela", de 57 anos, foram mortos pela GNR durante a entrega de uma reserva que fora retirada à Cooperativa Bento Gonçalves, na Herdade Vale do Nobre, no Escoural, Montemor-o-Novo. De todos os quadrantes situados à esquerda o crime da GNR foi alvo de crítica e de denúncia.
Os anarquistas também juntaram a sua voz aos protestos e a revista "Acção Directa" publicou na sua edição nº 15, de novembro de 1979, um comunicado assinado por "um grupo de anarquistas" exortando os trabalhadores alentejanos a organizarem-se e a passarem à ofensiva, através da violência revolucionária, não se deixando anestesiar pelo discuros das cúpulas partidárias e sindicais.
A revista Acção Directa foi uma das publicações anarquistas mais relevantes em Portugal a seguir ao 25 de Abril de 1974. Paralelamente com "A Batalha", a "Voz Anarquista" e "A Ideia" constituiu, nesses primeiro anos após a revolta militar, um dos pólos aglutinadores dos anarquistas, sobretudo dos mais jovens e daqueles que, embora tendo militado noutras áreas políticas, se foram aproximando do anarquismo. Pugnava por um anarquismo militante e pelo comunismo libertário, embora o individualismo e a propaganda pelo acto perpassassem também muito pelas suas páginas, tal como o anti-militarismo e a denúncia da "mentira democrática".
Inicialmente constituiu-se como boletim da Associação de Grupos Autónomos Anarquistas, assumindo a partir do 2º número a denominação de “Acção Directa”. No entanto, logo a partir do 3º número, de Janeiro de 1976 autonomiza-se, identificando-se apenas como revista anarquista e pelo comunismo libertário.
Nos nºs 7 de Novembro/Dezembro de 1976 e 8 deJaneiro/Fevereiro de 1977 exibe, na contra-capa, a indicação: "Revista editada pelo Grupo Anarquista “Acção Directa” federado na FARP-FAI", referência que já não ostenta no nº9.
Durante a sua primeira série teve como director (e proprietário) António Mota e a sua sede no Largo dos Bombeiros Voluntários, 121-1º drt, em Cacilhas, onde funcionava e funciona, o Centro de Cultura Libertária. A revista, com pelo menos duas séries, foi publicada até depois do ano 2000.
Seria útil que a colecção no seu todo fosse estudada e eventualmente digitalizada dada a relevância de muitos dos textos que nela foram publicados, a maioria originais de elementos da redacção ou traduções de textos importantes que ainda não tinham tido uma versão em português.
Na Biblioteca Nacional existem algumas edições da "Acção Directa", tal como na Hemeroteca de Lisboa:
Exemplares disponíveis na Biblioteca Nacional
(1ª serie) Nº 1 - 17 (Jul. 1975-Jul./Ag. 1998 ?)
(2ª serie) nº 1-2 (Jun.-Ag. 1999)
Nº 3 (Nov. 1999) –Nº 7 (Jun. 2000)
Nº 8 (Esp. Verão)
Nº 9 (Out. 2000) – Nº 15 (Out. 2001)
Nº 16 (Dez. 2001)
Nº 17 (Jan. 2002)
Nº 18 (Abr. 2002) – Nº 19 (Jun. 2002)
Nº 20 (Ag. 2002) – Nº 22 (Dez. 2002)
Nº 23 (Fev. 2003) – Nº 24 (Mar. 2003)
Nº 25 (Jun. 2003)
Nº 26 (Jul. 2003)
Nº 27 (Out. 2003)
Nº 28 (Dez. 2003) - Nº 39 (Jul. 2006)
Exemplares disponíveis na Hemeroteca de Lisboa
Nº 1 (Jul de 1975)
N.º 2 (Out. 1975)-n.º 6 (Ag./Set. 1976)
N.º 8 (Jan./Fev. 1977)-s. 2, n.º 39 (Jul. 2006)
Acta da 1ª reunião realizada a 13 de Maio de 1974, por um "grupo de afinidade de onze camaradas libertários", em Almada (de que resultaria o Grupo de Cultura e Acção Libertária, que mais tarde viria dar origem ao Centro de Cultura Libertária, na Rua Cândido dos Reis, em Cacilhas), secretariada por Sebastião de Almeida. Nesta reunião estiveram presentes Adelino, Carlos Gordilho, Correia Pires, José Eduardo, José de Brito, Jorge Quaresma, Paiva Moura, Paulo Lola, Sebastião Almeida, Tarquino e Viriato Pereira.
Inicialmente o Grupo teve a sua sede provisória na Rua Fernão Lopes, onde decorriam as reuniões, até à primavera de 1975 - altura em que passou para a Rua Cândido dos Reis - , numa sala de um armazém de brinquedos, inicialmente uma fábrica de sorvetes com loja na Praça da Renovação, em Almada, e que pertencia à familia de um dos elementos do grupo (Paiva Moura, cujo pai era um distinto anarcosindicalista e que pertenceu ao sindicato da construção civil da Confederação Geral do Trabalho).
(informações e foto das actas cedidas por Carlos Gordilho)
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