A Internacional Anarquista e a Guerra
Apesar das divergências no seio do movimento anarquista (um grupo de 16 anarquistas, entre eles Kropotkine e Jean Grave, tomou posição pública a 14 de março de 1916, durante a 1ª guerra mundial, apoiando os Aliados contra o Império Alemão), um ano antes, a 12 de fevereiro de 1915, é divulgado em três línguas (inglês, francês e alemão), em Londres, o manifesto anti-belicista intitulado “A Internacional Anarquista e a Guerra”, que será publicado no número de março da revista anarquista Freedom.
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"Manifesto dos 35"
A Europa em chamas, dez milhões de homens a combaterem na carnificina mais terrível já registada na história, milhões de mulheres e crianças em lágrimas, a vida económica, intelectual e moral de sete grandes povos brutalmente suspensa, a ameaça cada vez mais séria de novas operações militares , - tal é, desde há sete meses, o espetáculo doloroso, angustiante e odioso que o mundo civilizado nos oferece.
Mas um espetáculo esperado, pelo menos pelos anarquistas.
Porque para eles nunca houve e não há qualquer dúvida - os terríveis acontecimentos de hoje reforçam essa certeza - que a guerra está em permanente gestação no atual organismo social e que o conflito armado, restrito ou generalizado, colonial ou europeu, é a consequência e o culminar necessário e inevitável de um regime que se baseia na desigualdade económica dos cidadãos, repousa sobre o antagonismo selvagem de interesses e coloca o mundo do trabalho sob a estreita e dolorosa dependência de uma minoria de parasitas, detentores de ambos os poderes político e económico. A guerra era inevitável: de onde quer que viesse, tinha que rebentar. Não é em vão que durante meio século se preparam febrilmente os armamentos mais formidáveis e que os orçamentos da morte aumentam a cada dia que passa. O material da guerra, ao ser constantemente melhorado, ao pretender-se continuamente conduzir todas as pessoas e todas as vontades para uma melhor organização da máquina militar, não se trabalha para a paz.
É, portanto, ingénuo e pueril, depois de se terem multiplicado as causas e as ocasiões dos conflitos, tentar estabelecer as responsabilidades relativamente a tal ou tal governo. Não há distinção possível entre guerras ofensivas e guerras defensivas. No conflito atual, os governos de Berlim e Viena justificaram-se com documentos não menos autênticos que os governos de Paris, Londres e Petrogrado. E qualquer destes ou daqueles produzirá os documentos mais indiscutíveis e decisivos para firmar a sua boa-fé e apresentar-se como o defensor imaculado do direito e da liberdade, o campeão da civilização.
A civilização? Quem a representa neste momento? É o estado alemão com o seu formidável militarismo e tão poderoso que sufocou qualquer indício de revolta? É o Estado russo em que o knout (chicote russo), a forca e a Sibéria são os únicos meios de persuasão? É o Estado francês, com Biribi (calão militar: as companhias disciplinares instaladas no norte de África), as conquistas sangrentas de Tonkin (Vietname), de Madagascar, de Marrocos, com o recrutamento forçado de tropas negras; a França que mantém nas prisões. durante anos, camaradas acusados apenas por terem escrito e se manifestado contra a guerra? É a Inglaterra que explora, divide, espalha a fome e oprime as populações do seu imenso império colonial?
Não. Nenhum dos beligerantes tem o direito de se reivindicar da civilização, assim como nenhum tem o direito de se declarar na posição de legítima defesa.
A verdade é que a causa das guerras, daquela que hoje enche de sangue as planícies da Europa, como de todas as que a precederam, reside unicamente na existência do Estado, que é a forma política do privilégio.
O Estado nasceu da força militar; desenvolveu-se servindo-se da força militar; e é, ainda , na força militar que ele deve logicamente confiar para manter sua força toda poderosa. Seja qual for a forma que assuma, o Estado nada mais é mais do que a opressão organizada para benefício de uma minoria privilegiada. O conflito atual ilustra isso de maneira impressionante: todas as formas de Estado estão envolvidas na guerra atual: o absolutismo através da Rússia, o absolutismo mitigado do parlamentarismo através da Alemanha, o Estado reinando sobre povos de países muito diferentes através da Áustria, o regime de democracia constitucional através da Inglaterra e o regime democrático republicano através da França.
O mal dos povos, que no entanto estavam todos profundamente interessados na paz, foi terem confiado no Estado com os seus diplomatas ardilosos, na democracia e nos partidos políticos (mesmo da oposição como o socialismo parlamentar), para evitar a guerra. Esta confiança foi propositadamente frustrada e continua a sê-lo quando os governantes, com a ajuda de toda a sua imprensa, querem persuadir os seus respetivos povos de que esta guerra é uma guerra de libertação.
Nós somos claramente contra qualquer guerra entre os povos e, nos países neutrais, como a Itália, onde os governantes pretendem lançar novos povos na fornalha da guerra, os nossos camaradas opuseram-se, opõem-se e sempre se oporão à guerra com toda a energia.
O papel dos anarquistas, onde quer que, ou em que situação, se encontrem, na tragédia atual, é continuar a proclamar que há apenas uma guerra de libertação: aquela que, em todos os países, é travada pelos oprimidos contra os opressores, pelos explorados contra os exploradores. O nosso papel é chamar os escravos às revolta contra os seus senhores.
A propaganda e a ação anarquistas devem ser usadas com perseverança para enfraquecer e desmantelar os vários Estados, cultivar o espírito de revolta e criar descontentamento nos povos e nos exércitos.
A todos os soldados de todos os países, que têm a convicção de que estão a lutar pela justiça e pela liberdade, devemos explicar que o seu heroísmo e a sua valentia servirão apenas para perpetuar o ódio, a tirania e a miséria.
Aos operários devemos lembrar que as armas que agora têm nas mãos foram usadas contra eles nos dias de greves e de justificadas revoltas, e que serão usadas novamente contra eles para forçá-los a sofrer a exploração patronal.
Aos camponeses, para lhes mostrar que depois da guerra será necessário mais uma vez curvarem-se ao jugo, e continuarem a cultivar a terra dos seus senhores e a alimentarem os ricos.
A todos os párias, para que não devem largar as suas armas até que tenham acertado contas com os seus opressores, antes de tomarem para si as terras e a fábricas.
Às mães, companheiras e filhas, vítimas do aumento da miséria e da privação, mostremos quem é realmente o responsável pela sua dor e pelo massacre dos seus pais, filhos e maridos.
Devemos aproveitar todos os movimentos de revolta, todos os descontentamentos, para fomentar a insurreição, para organizar a Revolução da qual esperamos o fim de todas as iniquidades sociais. Sem desânimo - mesmo diante de uma calamidade como a guerra actual !
É em tempos tão conturbados, quando milhares de homens dão as suas vidas heroicamente por uma ideia, que devemos mostrar a esses homens a generosidade, a grandeza e a beleza do ideal anarquista; justiça social alcançada através da livre organização dos produtores; a guerra e o militarismo suprimidos para sempre, a liberdade conquistada pela destruição total do Estado e dos seus órgãos de coerção.
Viva a Anarquia!
Leonard D. Abbott, Alexander Berkman, L. Bertoni, L. Bersani, G. Bernard, A. Bernardo, G. Barret, E. Boudot, A. Calzitta, Joseph J. Cohen, Henry Combes, Nestor Ciele van Diepen, FW Dunn, Ch. Frigerio, Emma Goldman, V. Garcia, Hippolyte Havel, TH Keell, Harry Kelly. J. Lemaire, E. Malatesta, A. Marquez, F. Domela Nieuwenhuis, Noel Paravich, E. Recchioni, G. Rijnders, I. Rochtchine, A. Savioli, A. Schapiro, William Shatoff, VJC Schermerhorn, C. Trombetti, P. Vallina, G. Vignati, LG Woolf, S. Yanovsky.
Londres, fevereiro de 1915.
Pedimos à imprensa anarquista de todo o país que amavelmente reproduza ou traduza este manifesto que é publicado apenas em alemão, inglês e francês.
(tradução Portal Anarquista)