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Memória Libertária

Documentos e Memórias da História do Movimento Libertário, Anarquista e Anarcosindicalista em Portugal

Documentos e Memórias da História do Movimento Libertário, Anarquista e Anarcosindicalista em Portugal

Memória Libertária

20
Out21

Primeiro disco de Vitorino "Morra quem não tem amores" com anarquista José de Brito na capa


vitorino

Primeiro disco de Vitorino Salomé, editado em 1975, com José de Brito, um velho anarquista lisboeta, na capa.

Vídeo com imagens de José De Brito, um dos anarquistas históricos do movimento libertário de antes do 25 de Abril de 1974. José de Brito teve uma juventude aventurosa na Argentina, militando no sindicato anarcosindicalista F.O.RA. Viveu muitos anos na Calçada da Bica, em Lisboa, onde possuía uma monumental biblioteca, e que serviu a muitos jovens, nos meses que se seguiram ao 25 de Abril, de espaço de convívio e de aproximação às ideias e à história do movimento libertário.

“José de Brito nasceu no Algarve no início do séc. XX, emigrou para a Argentina onde militou na organização anarcossindicalista FORA (Federación Obrera Regional Argentina) e regressou a Portugal cerca de 1940. Tendo antes trabalhado em feiras e mercados, estabeleceu-se depois em Lisboa com uma marisqueira em Cascais e uma casa de venda de mariscos na Praça da Figueira, denominado “O Cesteiro”, que passou a ser um ponto de encontro de camaradas anarquistas. Depois do 25 de Abril de 1974 ganhou notoriedade para além do seu bairro da Bica, criando a Cooperativa Cultural Editora Fomento Acrata e fazendo vender na rua o jornal “A Merda”, editando um cartaz com o galo de Barcelos em postura eleitoralista (“Ruim por ruim, vota em mim!”), etc. Publicou colaboração na imprensa libertária sob pseudónimos como “Zé Barembé”, “Barnabé de Bernardino Filho”(?) e outra assinada com o seu nome, tal como várias brochuras (por exemplo, “Uma revolução dentro da revolução social”, 1991). Há notas biográficas saídas após a sua morte em “Utopia”, 4, 1996; e em “Singularidades”, 9, 1997 (João Freire, 2012)

Mais fotos do José de Brito, aqui: http://domadordesonhos.wordpress.com/2012/11/05/avenida-anarquista-recordando-um-velho-companheiro/

Morra Quem Não Tem Amores

Vitorino

Ó que linda rama tem o alecrim
Ó que linda rama tem o alecrim
Toca-lhe mansinho que ele está em flor
Como vão os teus amores

No alto da serra está uma bandeira
No alto da serra está uma bandeira
Não tem uma letra, não tem um bordado
Deixa não te dê cuidado

Ó bandeira diz-me que cor é que tens
Ó bandeira diz-me que cor é que tens
Eu não tenho cor e sou de seda pura
Faço inveja à formosura

Negra como a noite, negra como os corvos
Negra como a noite, negra como os corvos
Crista em desafio contra os ditadores
Morra quem não tem amores.

galobarcelosVOTO

cartaz anarquista com o galo de Barcelos, editado pelo José de Brito, e muito divulgado em Lisboa, no pós 25 de Abril

aqui: https://colectivolibertarioevora.wordpress.com/2013/01/22/bandeira-negra/

 

20
Out21

POEMAS SOCIAIS EDITADOS PELA ASSOCIAÇÃO DOS TRABALHADORES RURAIS ESCOURALENSE (ESCOURAL-ÉVORA) POR VOLTA DE 1920


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No 2º poema há a indicação, manuscrita: “O presidente(*)  foi chamado ao juiz por causa disto”

(*) da Associação dos Trabalhadores Rurais Escouralense, fundada em 1911 – nota CLE

Fonte: projecto MOSCA (AQUI)

Título:
Caderno de poemas sociais
Data:
s.d. (c. 1920)
19
Out21

18 DE JANEIRO DE 1934: DEPOIMENTO COLECTIVO DE DIVERSOS MILITANTES CONFEDERAIS LIGADOS À SUA ORGANIZAÇÃO


Imagem

Em mais um aniversário do levantamento dos trabalhadores portugueses contra o fascismo, a 18 de Janeiro de 1934, organizado pela CGT anarcosindicalista e por outros elementos ligados ao movimento sindical, reproduzimos um texto da autoria de um grupo de militantes confederais com responsabilidades no movimento e que, na sua maioria, foram por isso deportados para o Tarrafal. O texto foi escrito e publicado já depois do 25 de Abril de 1974, numa altura em que o PCP tentou recuperar para si a organização deste movimento que teve dimensão nacional, mas em que a insurreição operária apenas teve visibilidade nalguns locais mais circunscritos: Silves, Almada, Sines, Marinha Grande, etc.. (colectivo libertário de évora)

Como a verdade ressalta

Com a prisão, julgamentos e deportação para o Tarrafal dos elementos que participaram no 18 de Janeiro e o período de intensa repressão que se seguiu e veio a agravar-se com a eclosão da guerra civil de Espanha, o acontecimento cobriu-se de esquecimento que se prolongou por quarenta anos.

Na altura o 18 de Janeiro veio a público apenas na versão dos comunicados oficiais e com os ataques da Imprensa. A verdade dos acontecimentos, dos seus objectivos e da sua organização e preparação ficou oculta.

Algum tempo mais tarde, de vez em quando, o partido comunista foi insinuando as suas versões do 18 de Janeiro, apropriando-as com a sua técnica stalinista de história controlada e pré-fabricada ao modo conveniente, à formação da auréola de «partido da resistência» que foram criando, até muito especialmente coma ajuda da propaganda reaccionária, do seu «papão comunista», ou na costumada expressão de Salazar insistindo no «perigo do comunismo internacional».

Necessariamente, para criar credibilidade e como base técnica da sua habitual propaganda, teriam de eliminar, denegrindo e insultando com o seu indispensável apodo de traidores, os homens e as organizações não comunistas que na verdade organizaram e sustentaram a luta, cujos méritos e feitos ainda não foram devidamente apreciados.

Bento Gonçalves, que nessa altura era o secretário-geral do partido comunista, construiu esse processo de adulteração histórica, anos depois e já na deportação, escrevendo um folheto intitulado «Duas Palavras», partindo dum ataque demolidor dos objectivos e acções do movimento, mistificando os factos e disfarçando uma acção reformista por certo calculada, embora numa aparência perfeitamente infantil, terminando por demegrir o movimento classificando-o de «pura anarqueirada».

O partido comunista sob a sua chefia opunha-se ao 18 de Janeiro como movimento de greve geral revolucionária, como acção personalizada da organização sindical, porque afinal queriam converter todas as manifestações ao domínio do partido. Todavia, nessa altura, o partido não estava apto a exercer esse liderismo pois atravessava uma crise interna bastante profunda e confessa.

É Bento Gonçalves que nos diz:«No Partido o ambiente geral era de fuga para as acções isoladas. A maior parte dos camaradas de base do Partido, aliás cheios de denodo revolucionário e cuja sinceridade proletariana ninguém ainda pôs em dúvida, eram novos e desprovidos da mínima experiência sobre a actividade sindical e sobre os métodos sãos da táctica do movimento operário. No Comité Regional de Lisboa se criou a tendência geral para a acção directa. Em quase todos os outros sítios a situação era idêntica (…) E entretanto era absolutamente necessário vir a público para resolver a questão no interior do Partido, todas em quase todos os escalões pro essa duplicidade de táctica».

Ao escrever as «Duas Palavras» Bento Gonçalves teria de fazer derivar o imperativo da luta para hipóteses diferentes da greve geral que cobrissem a debilidade que estavam sofrendo, mas não só, para aproveitarem uma passagem suave a um sindicalismo corporativista no qual se instalassem sem dificuldades introduzindo a influência do partido. E define a posição: «Colocámo-nos no terreno da utilização das condições legais. Qualquer forma de luta ilegal ainda aí nem sequer era frisada, nem mesmo subentendidamente. Dizíamos, em substância, que os sindicatos ainda se regiam pelo velho alvará (1). Era portanto necessário lutar sobre essa base. Convocar reuniões de assembleias gerais com o fim de levar os trabalhadores a votar contra o Estatuto do Trabalho Nacional. O que era preciso patentear bem alto e bem publicamente que os trabalhadores estavam contra a fascização dos Sindicatos, que continuavam a dispor do direito de organização independente»`.

Até ao 18 de Janeiro ninguém teve a idiotia de propor a realização de assembleias para impedir a fascização dos sindicatos; a ideia é divulgada mais tarde para dar a justificação da tal  utilização das condições legais. Tal intenção seria simplesmente inexequível, porque seria para a polícia a melhor forma de poder identificar quem se opunha à legislação fascista e de poder conhecer a movimentação em preparação.

Ao partido interessava a esterilização dos sindicatos enraizados nas tradições de luta dos trabalhadores e experimentados na sua autonomia em relação ao Estado, aos partidos e ao jogo parlamentarista. O estrangulamento e a subalternização dos sindicatos permitiria, como veio a permitir depois do 25 de Abril, que qualquer partido marxista ou similar pudesse liderar as classes trabalhadoras e integrá-las no sistema político e económico.

Noutro passo podemos ainda ler: “Dum modo geral, desde Setembro de 1933 até à data da eclosão do movimento, os militantes sindicais cristalizam-se em volta da preparação do movimento grevístico e sedicioso, mandando ao diabo a questão das assembleias e das formas de protesto público de massas contra as medidas eminentes».

Conclui-se que na cúpula do partido se optava por uma forma de protesto simbólica abrindo passagem à adaptação sindical. E prossegue: «Entre os trabalhadores do Estado parece que só o Sindicato do Pessoal do Arsenal de Marinha efectuou uma assembleia, aliás largamente assistida de reprovação do ENT. Porém, mesmo neste sindicato, ainda nos recordamos do trabalho e das imposições a militantes que foi necessário fazer para conseguir a convocação da tal assembleia.»

Bento Gonçalves foi operário do Arsenal da Marinha; é estranho que diga parece que só o Sindicato do Pessoal da Marinha (o sublinhado é nosso) e por outro lado recorde das imposições a militantes (o sublinhado é nosso) para conseguir a convocação. O que não é de crer que a assembleia fosse para reprovar o ENT. A polícia estava pronta para reprimir manifestações desse género, e o pessoal não arrostaria a desencadear ordens cominatórias da direcção militar do arsenal. Tentaria a direcção do sindicato evitar que lhe fosse aplicada a supressão do direito de sindicalização prevista para os funcionários do Estado?

Deduz-se das declarações de Bento Gonçalves:

a) Que o partido estava na altura desorganizado e que nas bases se optava de preferência por uma acção revolucionária que a chfia condenava;

b) Que a cúpula do partido optava por uma acção legal que seria, naturalmente, pela aceitação da estatização dos sindicatos onde os quadros do partido se infiltrariam, facilmente acomodados ao estilo burocrático e centralista das direcções sindicais;

c) Que o partido estava em oposição a toda e qualquer acção revolucionária, preparando-se para a infiltração.

Confirma o que noutro passo escreveu: “Sobre a base desta dupla apreciação nós trazíamos todas as condições para empreender uma viragem de harmonia com o VII Congresso (2): a) os efectivos dos sindicatos ilegais deviam ser incorporados no partido; b)o centro do trabalho sindical devia deslocar-se para dentro dos sindicatos nacionais c) a unidade sindical (…) sobre a base da utilização de todas as possibilidades legais, interiores e exteriores ao sindicato nacional».

Confrontando as declarações de José Gregório num relatório tantas vezes evocado pelas várias seitas marxistas com as declarações de Bento Gonçalves, torna-se evidente a contradição.

Escreve José Gregório: «O Partido nomeou um comité para preparar e dirigir o movimento debaixo da seguinte orientação: Para que os operários pudessem alcançar a satisfação das suas aspirações precisavam de se apoderar das armas que estavam na posse duma força da GNR (…).»

O que vigorava no partido. a acção legalista ou a acção revolucionária? Como é que o partido nuns lados optava por uma acção de infiltração e na Marinha Grande o partido nomeava um comité para dirigir uma acção que depois viria a ser considerada putschista?

Se o partido, segundo a afirmação de José Gregório, nomeou um comité para preparar e dirigir o movimento, pode concluir-se que o 18 de Janeiro foi exclusivamente da sua iniciativa? Mas Bento Gonçalves, secretário-geral do partido, nessa altura, escreveu (3): «Esta questão (o 18 de Janeiro) não pode dizer-se que tenha entre nós uma análise completamente virgem. No «Avante!», logo após a eclosão deste movimento, conduzimos uma crítica ao caminho terrorista que, em vários sítios (por certo incluindo a Marinha Grande), se constatou nessa jornada e à táctica dominante, por vezes, no movimento sindical português que consistia em elaborar as acções muito para além das condições concretas e do estado das forças da organização operária.

«Se em vários aspectos, essa crítica foi deficiente, isso deve-se, em primeiro lugar, à deficiência dos nossos meios de informação. Por exemplo, o caso da Marinha Grande foi apresentado como um «modelo» de boa táctica. Só em Angra viemos a verificar que o feito ali, também, nem por isso tinha sido menos putchista.”

Não se compreende que tendo o partido nomeado o comité do movimento na Marinha Grande, segundo José Gregório, Bento Gonçalves venha considerar o movimento terrorista, negando-lhe a qualidade de «modelo» de boa táctica, e, o que é pior ainda, só se tivesse dado conta disso depois, já em Angra, e por deficiência de meios de informação. Esta deficiência só se pode aceitar em duas condições: ou estar afastado dos acontecimentos ou se se tivesse dado o caso de nomear o comité e tê-lo deixado desamparado.

De resto Bento Gonçalves acentua que acções daquele género (o 18 de Janeiro) de caminho terrorista era táctica dominante, por vezes, no movimento sindical português, assinalando deste modo qual era na verdade a autêntica origem do movimento e que o partido, pela boca autorizada de Bento Gonçalves, recusava e condenava.

José Gregório, presidente do Sindicato dos Vidreiros e pelo que entrou na preparação e condução do movimento na Marinha Grande, veio depois com o seu relatório dar uma contribuição falsa para a história pré-fabricada atribuindo ao partido o que fora iniciativa do sindicato. E é Bento Gonçalves que o desmente, mas por outro lado o pode acusar de pior.

Ouçamos ainda Bento Gonçalves, referindo-se à Marinha Grande: «Não estamos em presença duma acção do proletariado local, dum movimento grevista de protesto contra o Estatuto do Trabalho Nacional, que as massas alargam, em virtude da sua efervescência revolucionária, mas sim ante uma acção estruturalmente de vanguarda de membros do Partido e de comunistas sem partido, convencidos de que uma greve geral eclodiria em todo o país, à qual se junatria o reviralho» (o sublinhado é nosso).

Se José Gregório actuou como membro do partido, a sua acção, segundo Bento Gonçalves, foi uma acção estruturalmente de vanguarda e à espera do «reviralho», e não escapou à acusação de «anarqueirada».

Se Bento desmente o Gregório, este desmente ainda aquele. Se o movimento foi organizado pelo partido, segundo José Gregório, o Bento reconhece a origem sindical do movimento, que a greve geral preconizada pela CGT fora aceite, contrariamente ao que pensava o partido, que preconizava um «movimento de massas» através de assembleias gerais e pela utilização das condições legais, isto é, pela disfarçada aceitação dos «sindicatos nacionais» para neles se introduzirem, atribuindo a derrota do 18 de Janeiro ao «provincianismo anarco-sindicalista».

Todavia, apesar destas contradições, existe um nexo notável que interessa analisar.

«Duas Palavras» de Bento Gonçalves foi escrito em 1941 quando se encontrava deportado no Tarrafal, um ano antes da sua morte; o relatório Alberto, de José Gregório, está datado de Agosto de 1955.

Em 1941 tinham decorrido já 15 anos de regime ditatorial, a panóplia do partido estava vazia de qualquer acção contra o regime, pois até o 29 de Fevereiro de 1932, de que  nunca se fala, se cifrou num fracasso como organização e dos seus objectivos, pois uma das suas reivindicações, o subsídio de desemprego, foi aproveitada pelo governo para impor um desconto de 2% que nem o 25 de Abril nem a Intersindical contestaram. Era necessário adaptar a história, distorcer a verdade do 18 de Janeiro e pregá-los com alfinetes na panóplia vazia. O seu autor lançava assim as bases do seu culto de personalidade.

Em 1955, José Gregório, depois de ter em 1942 aparelhado com Cunhal no secretariado do partido, teria de ajudar a mistificar a história do 18 de Janeiro, aproveitando o seu título de presidente do Sindicato dos Vidreiros nessa altura para depôr com «autoridade».

Como toda a mistificação deixa sempre qualquer coisa de fora, que pode vir desmentir, assistiremos agora a José Gregório desmentir-se a si próprio.

No relatório «Alberto», José Gregório afirmou que «o partido nomeou um comité para preparar e dirigir o movimento…» faltando todavia esclarecer se isso foi a nível local ou nacional.

No mesmo relatório, referindo-se à organização e actuação do partido, faz certas análises das experiências recolhidas e tira algumas conclusões.

Analisemo-las tal como nos diz José Gregório.

«1º- A organização do Partido que foi montada em 1932 só passou a funcionar de um modo um pouco mais regular em princípios de 1933. Na prática não havia mais que um núcleo de camaradas a que se poderia dar o nome de organização local. Nas fábricas não havia organismos. Por outro lado o contacto com a direcção do Partido fazia-se muito raramente. Nestas condições os camaradas do Partido não reuniam numa base de Partido, não actuavam dentro das normas de disciplina de Partido, não se sentiam obrigados a prestar-lhe contas da sua acção. Por outro lado não era utilizada a  crítica nem a autocrítica. Criou-se o hábito de ver as coisas não sob o ponto de vista do Partido, mas sim na base individual, na base da legalidade sindical, crendo-se não poucas vezes na burocracia sindicalista (4). Tudo isso se tornou muito inconveniente para a formação e desenvolvimento dos quadros do Partido. Tudo isso contribuiu para que não fossem recrutados para o Partido bons operários de vanguarda homens e mulheres cheios de qualidade e de possibilidades para virem a ser um precioso material do Partido».

Com este quadro do partido como crer que ele fosse o organizador do 18 de Janeiro, que teve a extensão que teve. Quase temos vontade de dizer: que grande «anarquia» havia então dentro do Partido!

Esta desconformidade entre a organização interna do partido na ocasião e as proporções do 18 de Janeiro, confirma que este decorreu à margem daquele, embora elementos comunistas tivessem actuado, mas por via sindical. De resto, no mesmo relatório e ao terminar, José Gregório confessa: «O movimento de 18 de Janeiro também teve a participação dos anarquistas locais e de operários que influenciavam (certamente, dizemos nós, não orientados pelo partido). Deste modo se pode afirmar haver nesta data a  mesma característica de unidade que sempre existiu na nossa organização sindical desde 1931 até então». (O sublinhado é nosso).

1ª conclusão: «Ao elaborar o plano de acção para o 18 de Janeiro o Partido e o Comité Revolucionário, deixaram-se levar pela ideia feita de que a vitória era certa, que o fascismo seria derrubado sucedendo-lhe um regime de tipo proletário. Partindo-se deste princípio não se considerou a necessidade de encarar uma retirada de modo ordenado. Esta orientação é errada de nem sequer admitir revezes parciais…».

Deve prestar-se justiça ao José Gregório. Se ele se apropriou da organização do 18 de Janeiro para o Partido é justo que reivindique para ele os insucessos e os erros. A mesma coerência não a teve Bento Gonçalves quando apelidou o 18 de Janeiro de «pura anarqueirada».Não sabemos se José Gregório reivindicou para si e para o seu partido o insulto soez de Bento Gonçalves que por essa altura deportado no Tarrafal, lá mesmo no campo de concentração se prestou a fundir em bronze dois escudos evocativos da passagem do Carmona, manequim do regime fascista, por Cabo Verde na sua viagem a África, e ao deflagrar a guerra, ele em pessoa, foi apresentar ao director do acampamento, o sinistro capitão João Silva, a «colaboração do PC na defesa da pátria contra o imperialismo».

Conhecemos sempre o partido comunista como o modelo e o manual do perfeito oportunismo, do impudor das afirmações e das acusações torpes, além do exercício do mais completo reformismo embora besuntado de revolucionarismo, mas também o reconhecemos camaleónico, dizendo hoje o que ontem terá negado.

Se a CGT e os anarco-sindicalistas «traíram» o 18 de Janeiro, como também afirmam os trabalhadores, porquê o seu órgão «O Avante» de Maio de 1937, portanto 3 anos depois, com o Bento Gonçalves vivo e à frente do partido, publicava uma notícia, aliás falsa e simplesmente arquitectada, na primeira página e intitulada «Viva a Frente Única Proletária» aplaudindo a «unidade com a CGT»?

Começa a notícia assim redigida: «Pede-nos a CIS a publicação do documento que a seguir inserimos.»

«Fazemo-lo com a máxima alegria por este documento dar notícia de um acontecimento importante da vida do movimento operário português. Por ele se vê que a Frente Única Proletária está em via da sua imediata realização». E a CIS (a célebre Comissão Intersindical) dá a seguir a notícia de a CGT ter acedido às suas propostas para a constituição de um Comité de Frente Única Proletária, acrescentando: «No que se refere aos problemas de orientação da CGT nós pensamos que só a neutralidade em questões de tendência pode permitir a Unificação».

«Uma CGT comunista não contaria, com certeza com o apoio dos camaradas anarquistas, da mesma maneira uma CGT anarquista dificilmente encontraria apoio nos partidários da Ditadura do Proletariado” (5)

Além desta notícia ser totalmente desprovida de qualquer resquício de verdade é de pôr em evidência o impudor de afirmar a «máxima alegria» em quererem fazer uma união com aqueles que acusaram de traidores, de admitirem em emparceirar com os que têm denegrido.

Nunca a CGT teve qualquer contacto com o partido comunista e com a Comissão Inter-Sindical, apenas estabeleceu os contactos para o 18 de Janeiro cuja experiência e resultados deixámos já descritos.

O comportamento da CIS, toda a campanha posterior, tornaram evidente que não é possível qualquer colaboração com os comunistas como partido ou como qualquer agrupação, mesmo sindical, em que preponderem. O amoralismo dos seus processos, o desrespeito pelos compromissos assumidos produz-se logo que lhes seja oportuno.

A experiência do 18 de Janeiro não poderia voltar a permitir qualquer acercamento. Apertam a mão que não podem cortar e os acordos que estabelecerem hão-de resultar em seu benefício. Se não colherem o resultado total acusarão os outros de traidores.

(“Como a verdade ressalta”, capítulo do livro “O 18 de Janeiro de 1934 e alguns antecedentes”, um depoimento colectivo de Acácio Tomaz de Aquino, Américo Martins, Custódio da Costa, José Francisco, Marcelino Mesquista e Emídio Santana, que coligiu. Regra do Jogo, 1978.)

Notas

(1) O itálico é nosso para assinalar a declarada posição reformista. Não se compreende a relação entendida entre o alvará e a forma de actuação dos sindicatos de então. O alvará era o certificado do governo civil que reconhecia a legalidade dos sindicatos mas que não tinha qualquer relação com a sua orgânica e orientação.

(2) Ver «SEARA NOVA» nº 1513 – Março 1975, Movimento das Ideias; de Fernando Guerreiro.

(3) «Duas Palavras», de que vimos fazendo citações. O sublinhado é nosso.

(4) É surpreendente que, sendo José Gregório Presidente do Sindicato, ele não se queira responsabilizar pela «burocracia sindicalista».

(5) O Avante, Série II – 35 da 3ª semana de Maio de 1937

aqui: https://colectivolibertarioevora.wordpress.com/2013/01/17/18-de-janeiro-de-1934-depoimento-colectivo-de-diversos-militantes-confederais-ligados-a-sua-organizacao/

19
Out21

REVISTA "APOIO MÚTUO", nº2, DA AIT-SP


Imagempara descarregar: AQUI

19 de Janeiro (sábado)
no Centro de Cultura Libertária em Cacilhas/Almada17h30
Apresentação da Revista Apoio Mútuo
Segundo número desta publicação da Secção Portuguesa da Associação Internacional dos Trabalhadores.

20h
Jantar vegetariano – Celebração do 90º Aniversário da Associação Internacional dos Trabalhadores

Nº 1 da Revista “Apoio Mútuo”

Centro de Cultura Libertária
Rua Cândido dos Reis, 121, 1º Dto. – Cacilhas – Almada
http://culturalibertaria.blogspot.pt/

Associação Internacional dos Trabalhadores – Secção Portuguesa
Apartado 50029 / 1701-001 Lisboa / Portugal
http://ait-sp.blogspot.pt/

aqui: https://colectivolibertarioevora.wordpress.com/2013/01/16/no-2-da-revista-apoio-mutuo-aitsp-e-apresentada-no-centro-de-cultura-libertaria-cacilhasalmada/

19
Out21

18 DE JANEIRO DE 1934 ASSINALADO NO PORTO 79 ANOS DEPOIS


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Alguns textos: Irene Pimentel: 18 de Janeiro de 1934

 Paulo Guimarães:  Cercados e Perseguidos: a Confederação Geral do  Trabalho (CGT) nos últimos anos do sindicalismo  revolucionário em Portugal (1926-1938)

 Maria de Fátima Patriarca: O «18 de Janeiro»: uma proposta de releitura

18Forças de infantaria ocupam a Marinha Grande

11 (1)Largo da Marinha Grande ocupado pelas  forças repressivas

12 (2)Alguns dos operários detidos na Marinha Grande

embarquePresos  do 18 de Janeiro, a caminho da prisão em Angra do Heroísmo (a bordo do Carvalho Araújo).

CarvAraujoEmbarque dos insurrectos do 18 de Janeiro (entre os quais muitos anarquistas e anarco-sindicalistas, nomeadamente o coordenador da CGT e director da “Batalha”, Mário Castelhano) com  destino aos Açores (Angra do Heroísmo)

familiaFamilias dos presos da Marinha Grande numa manifestação junto ao Governo Civil de Leiria, em 1935, pedindo a sua libertação

aqui: https://colectivolibertarioevora.wordpress.com/2013/01/14/movimento-de-18-de-janeiro-de-1934-assinalado-no-porto-esta-sexta-feira/

 

19
Out21

CONCENTRAÇÃO FRENTE AO ESTABELECIMENTO PRISIONAL DE LISBOA ÀS 11 HORAS, DO DIA 8 DE JANEIRO DE 2013


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Cartaz aqui 

“Presos/as, familiares e movimentos sociais convocam uma concentração de solidariedade e denúncia no dia 8 de Janeiro de 2013 (amanhã) pelas 11horas da manhã, em frente ao Estabelecimento Prisional de Lisboa. Haverá visita para familiares que termina pelas 11:30h. Apareçam! Circulem esta mensagem.

São diversas as denúncias sobre a tensão vivida por presos e familiares de presos no Estabelecimento Prisional de Lisboa (bem como noutras prisões em portugal), a prática de tortura dentro desta instituição do Estado viola leis nacionais e internacionais de Direitos Humanos. São diversos os casos de espancamento praticados por guardas no Estabelecimento Prisional de Lisboa, são relatados com regularidade bem como outras queixas relativas a condições de celas, comida, cuidados de saúde e tratamento humilhante de familiares. Presos/as, familiares e movimentos sociais solicitam a intervenção urgente sobre o comprometimento do Estado Português com a não violação dos Direitos Humanos nas prisões em Portugal (inclusive recentemente Portugal ratificou o Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes da ONU, convenção que assinou em 2006.).

Vamos dar voz a esta opressão!
Circulem sff pelos vossos contactos.”

fonte: https://www.facebook.com/IndignadosLisboa?fref=ts

aqui: https://colectivolibertarioevora.wordpress.com/2013/01/08/concentracao-hoje-terca-feira-frente-ao-estabelecimento-prisional-de-lisboa-as-11-horas/

19
Out21

ANIVERSÁRIO DOS 91 ANOS DA AIT ASSINALADO NO PORTO A 5 E 6 DE JANEIRO DE 2013


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Os 91 anos da Associação internacional de Trabalhadores (AIT) vão ser assinalado no Porto este fim de semana. A iniciativa é do Sindicato de Oficios Vários, da Secção Portuguesa da AIT.

No sábado, dia 5 de Janeiro  haverá na Casa Viva , às 15h. uma “Perfomance Tecnorevolucionária” e no domingo, 6 de Janeiro, no Terra Viva, às 15h. – “Palestra: AIT, história e actualidade”.

 
19
Out21

“MISSIONÁRIOS DO ERRO E DA MENTIRA” – UM OPÚSCULO ANTICLERICAL EDITADO PELA FEDERAÇÃO ANARQUISTA DA REGIÃO SUL (ANOS 20)


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Capturar 5

Capturar1

Capturar2

*

Núncios, bispos, cardeais, cónegos, monsenhores,

— Truculenta manada obesa de hipopótamos —

Virgem mãe dos heróis, ó Liberdade! enxóta-mos,

E fazemos transpôr, a grunhir, sem demoras,

As fronteiras do globo em vinte e quatro horas! 

GUERRA JUNQUEIRO

 

Eis um homem que passa de olhos no chão ou de olhar fito vagamente no espaço, sem se fixar nos outros homens  a não ser quando estes o não podem ver.

Para ainda mais acentuar o carácter dúplice e indeciso da sua individualidade, este homem é aparentemente uma mulher pois que veste saias, não usa barba, tem a pele setinosa como as damas e o andar participa um tanto ou quanto do ondulado mulheril…

A cor do traje reflete também o carácter deste vivente ou o da sua missão nas sociedades que o criaram: ou é negra como a treva da ignorância que ele espalha e propaga, sombria como o crime que encarna; ou é vermelha como os apetites sanguinários da sua natureza, cor simbólica da impetuosidade e veemência das suas paixões; ou é roxa como a hipócrita penitência da sua vida, roxa como a violeta cuja modéstia quer imitar e que na vida deste homem só serve para ocultar a traição pronta a ferir o adversário desprevenido.

Vede o seu todo: aquela adiposidade dá a conhecer a madraçaria, apanágio do seu viver. Aqueles lábios grossos são indício da sua sensualidade. Aquele olhar infixo, miado encoberto, voltado sob os cílios, denota a dissimulação do seu pensar; aquele vago retraimento do seu corpo, que parece sempre prestes a fugir, descobre a cobardia da sua alma.

Misto de camaleão, porco, raposa e hiena. As suas falas são untuosas, melífluas. As suas maneiras insinuantes, muitas vezes pegajosas, permitam-me a expressão.

Dir-se-ia que em certas ocasiões de toda a sua natureza golfa a baba, escorre um pus oleoso que lhe facilita o escorregar-se por entre aqueles que, enojando-se com o seu contacto, não obstante pretendem apanhá-lo para o aniquilar sentindo com pesar que em virtude da oleosidade de todo o seu ser, se lhes escapa.

E contudo, eis que em consequência dessas secreções repugnantes, conseguiu como a lesma agarrar-se a esta ou aquela sociedade ou deslizar sem que o pressintam. Este homem, que sem ser hermafrodita é, por assim dizer, meio homem meio mulher, castrado e sátiro, sodomita e femeeiro, asceta e libidinoso, ente inqualificável que afinal, em última análise, nem é homem nem mulher, pois que ambas estas entidades nega, acervo híbrido de todas as incongruências sociais que censura e aproveita, este homem, dizia eu, é o padre!

Não nos iludamos.

Por mais belas que sejam as imagens que Victor Hugo fez deste produto não há padres bons. Todos eles são perigosos; são missionários do erro, da mentira.

E, embora o grande poeta nos pintasse com mãos de mestre um exemplar virtuoso entre os que mais o poderiam ser, a verdade e que, quanto mais virtuosos os padres são, isto é, quanto mais ricos daquela virtude de convenção social religiosa, tanto mais nocivos, pois mais iludem e arrastam a humanidade à servidão, à inconsciência e inciência, à abjeção da vida, à impassibilidade sofredora de todas as explorações. Que nos importa que um padre seja virtuoso se ele, ministro de uma religião de mentira, é obrigado, como tal, a manter a sociedade no desconhecimento do que a cerca, na subserviência ao desconhecimento, na sujeição aos que a governam e exploram, no terror do que não compreende nem convém ao padre que lhe expliquem?

O padre vem, cheio de fé ou inconvicto dizer-nos, por exemplo, que tem o poder de nos perdoar os agravos, ofensas, pecados que tenhamos cometido – não contra ele mas em prejuízo de outrem; que tem o dom de ler as nossas consciências; que só ele poder intermediário entre nós e Deus; que só ele nos pode encaminhar para o Ceu; que só ele poderá convencer o velho chaveiro Pedro a abrir-nos as portas do Paraíso.

Este homem dizendo tudo isto mente: tanto basta para que seja perigoso e daninho;para perpetuar um estado de coisasque é fonte de todos os sofrimentos dahumanidade em benefício de uma ou váriascastas açambarcadoras do produto do trabalhodos crentes e supersticiosos miseráveis.

Como pode um padre, tenha ele a alma de um justo (?) acreditar que possui a faculdade de remir as ofensas, erros, crimes dos outros homens, ele que é tão susceptível de pecar como qualquer mortal?

E poderá garantir que em certo modo ele os seus colegas não tenham concorrido para a existência do crime que vão julgar? Um homem que prevarica porque ignora, porque foi embrutecido por ideias falsas, desviado da verdade por mistificações religiosas, alucinado nos seus vícios por uma educação jesuítica, não pratica um crime contra as leis da convenção social, ou contra as leis inidilúveis da natureza senão porque a isso foi levado pela influência do meio que o cerca, na elaboração do qual foi agente ou factor, entre outros, o padre.

Portanto esse padre quando lança aabsolvição sobre os delinquentes ou oscondena a uma penitência, mente aos homense a si mesmo.

Se tem a noção dessa mentira, é um impostor, um burlão. Se não tem, é idiota.

Em ambos os casos é um mal pela perniciosa influência que o seu proceder vai operar nas massas ignaras.

Não há religião que, analisada friamente pelo espírito amante da verdade, se não revele um tecido de necedades e torpezas com um recheio de moral que a própria religião é a primeira a tornar ineficaz por motivo das suas contradições.

Como pode pois um homem ministrar semelhante cúmulo de despautérios e imoralidades com a convicção de que faz obra meritória a não ser esse homem um imbecil?

Forçosamente é tolo e se não é, teremos de concluir que é velhaco e mistificador!

Não vos deixeis pois iludir, ó povos, por esses tartufos de saias, insexuadas que negam a virilidade humana, santificam o ódio ao sol brilhante e vivificador da natureza; glorificam noite do espírito, a humanidade servil, a renúncia à vida, a aversão à família que eles por condição abjecta nunca poderão compreender.

O padre é a entidade mais prejudicial que a fatalidade das coisas criou. Ele é o consagrador da torpeza social que nos esmaga!

Urge pois extirpar firmemente, rapidamente, implacavelmente, sem contemplações algumas, este maldito cancro.

JOSÉ CARLOS DE SOUSA

Reprodução de brochura editada  nos anos 20 pela Federação Anarquista da Região Sul, com sede em Cercal do Alentejo e reproduzida em facsimile aqui: http://mosca-servidor.xdi.uevora.pt/projecto/components/com_library/texts/41_BNP_AHS548.pdf )

aqui: https://colectivolibertarioevora.wordpress.com/2013/01/02/missionarios-do-erro-e-da-mentira-um-opusculo-anticlerical-editado-pela-federacao-anarquista-da-regiao-sul-anos-20-e-divulgado-pela-revista-alambique/

19
Out21

MINAS DE ALJUSTREL: HÁ 90 ANOS UMA GREVE DE QUATRO MESES OBRIGOU OS MINEIROS A ENVIAREM OS FILHOS PARA OUTRAS FAMÍLIAS OPERÁRIAS DE BEJA, BARREIRO E LISBOA


Imagem

“Aos heróicos mineiros e metalúrgicos de Aljustrel”

Esta fotografia mostra diversas Associações de Classe e Sindicatos de vários pontos do País, com as suas bandeiras,  que em 1923 vieram apoiar e solidarizar-se com a greve dos mineiros de Aljustrel travada alguns meses antes. Muitas destas associações já tinham demonstrado a sua solidariedade quando os filhos dos mineiros – eventualmente alguns ou a totalidade das crianças que estão na foto –  foram recebidos em Beja, Lisboa ou Barreiro por famílias operárias, enquanto a greve decorria.

Em baixo publicamos dois artigos de jornal. Um datado de Outubro de 1922, publicado no jornal “O Século”, não assinado, em que se dá conta da greve nas Minas de Aljustrel e da chegada de um grupo de filhos de mineiros a Lisboa, que fugiam assim à fome e à falta de condições que os pais em greve não lhes podiam dar.

O segundo artigo foi escrito cerca de 90 anos depois, em Maio de 2012 e publicado, como opinião, no “Diário do Alentejo”, pelo psicólogo Marcos Aguiar. São as memórias ainda vivas de um passado de luta que deve orgulhar gerações de aljustrelenses a quem, por este ou aquele motivo, esta gesta heróica tem sido ocultada. O roubo da memória colectiva é um instrumento do fascismo e das ditaduras.

século

Os resultados de uma gréve

Chegam a Lisboa 19 filhos dos mineiros grévistas de Aljustrel, para se acolherem á proteção dos operarios da capital

Nas minas de Aljustrel declarou-se ha cêrca de um mez uma gréve que, até hoje, ainda não teve solução satisfatoria. Nem os industriaes transigem nem os operarios e estes debatem-se hoje na mais agonica das miserias. As suas reclamações são de mais tres escudos por dia, o que, junto aos 3$50 que ganhavam, lhes dava uma totalidade de 6$50, pouco mais ou menos o que tem qualquer operario em qualquer terra do paiz. Não transigem uns nem outros e assim as crianças, filhas dos mineiros, passavam já fome e inclemencias, o que, sabido dos operarios de Lisboa, resolveram estes tomar conta d’elas, mandando-as vir, para o que foi a Aljustrel um delegado da C. G. T. Antehontem partiram de Aljustrel para Beja 25, vindo depois 24 para Lisboa, por n’aquela cidade ter ficado uma, a cargo de uma familia compassiva. No Barreiro o operariado d’aquela vila tomou a seu cargo 5, chegando hontem, no comboio da manhã, 19 a Lisboa.

Estas eram esperadas por inumeras pessoas, que disputavam entre si a primasia no bemfazer.

A vinda das crianças, cujo aspéto não era feliz, como se calcula, deu logar a cenas comoventes. Bem cedo começam a sentir as agruras da vida os pobres inocentes que nenhuma culpa teem nos conflitos de que são vitimas. E bom seria que das lutas como esta não saisse apenas uma obstinada irredutibilidade. Essa leva apenas, como se está vendo, á miseria negra, aos prejuizos incalculaveis e á ruina economica das regiões onde se dá. Mais crianças se esperam por estes dias, pois parece que tão cedo o conflito não terá solução.

 (jornal O Século – 29.10.1922)

diariod do alentejo

O longo inverno dos mineiros de Aljustrel

Na passagem de 1922 para 1923, os mineiros da minha terra – Aljustrel – estiveram quatro meses em greve. Quatro meses que figuram na história do movimento anarcossindicalista como uma das mais longas paralisações de sempre, que colheu solidariedade em todo o País e, inclusivamente, além-fronteiras, junto do operariado do mundo industrializado de então. Muitos se identificaram com a causa dos mineiros de Aljustrel, documentada diariamente no jornal “A Batalha”, destacando-se um episódio, em particular, que me entusiasma e comove sempre que o evoco.
Tendo-se a greve arrastado por tanto tempo, a CGT (Confederação Geral do Trabalho) apelou ao proletariado nacional para que apoiasse os mineiros, ajudando os filhos dos grevistas. Assim, durante a greve dos mineiros de Aljustrel, mais de 200 crianças foram colocadas em comboios para serem recebidas e alimentadas pelos operários de Lisboa. A cargo do operariado de Beja ficaram 25 crianças e no Barreiro mais 50. Imagine-se um cortejo de centenas e centenas de pessoas em sofrimentos profundo, percorrendo o percurso que separa Aljustrel da estação de comboios do Carregueiro, para expedir voluntariamente os filhos da terra para as mãos de estranhos. Afigure-se o desespero que levou esta gente a tomar medidas tão extremas para proteger as suas crianças da miséria que a greve pressupunha. Invoque-se o medo que esta gente foi obrigada a dominar, tratando-se de tempos em que as greves eram reprimidas através do despedimento sumário e, não poucas vezes, pela violência e prisão.
Como é possível correr assim o risco de perder o pouco que se tem? Quem eram estas pessoas anónimas que afrontaram a todo–poderosa empresa mineira estrangeira? Mas o que moveu os meus conterrâneos para este gesto de afirmação social que envolveu tantos perigos? A resposta é complexa e ao mesmo tempo muito simples – a desesperança! Foi a desesperança perante as horríveis condições de trabalho e os baixos salários que levou esta gente simples a agir de forma tão radical. Em Aljustrel, no inverno de 1922/1923, da desesperança, nasceram heróis que, vencida a luta contra a prepotência do patrão estrangeiro, foram aclamados em todo o mundo industrializado como um exemplo a seguir.
Hoje, em Portugal, o desânimo é generalizado, ao ponto de alguns confundirem a “paz podre” que vivemos com a aceitação social das indignidades que nos são impostas. Não, não estamos em paz, estamos em torpor, incapazes de reagir a quem nos agride. Não, não estamos satisfeitos, estamos em apatia, observando, distantes, a forma como o País se carcome a si mesmo. Não, não estamos felizes, estamos em desesperança profunda, simplesmente ainda não conseguimos ter, nem por um momento, a mesma valentia dos mineiros de Aljustrel daquele longo inverno de há 90 anos.

Marcos Aguiar, Licenciado em Psicologia
 
(Diário do Alentejo – 19-05-2012)
 

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