Atualização da publicação sobre o "Anarquismo em Portugal, (1796-2024)" de Carlos Fontes
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Assinalou-se ontem a passagem de mais um aniversário do 25 de Novembro, a data que marcou o golpe de direita que, em Portugal, em 1975, pôs fim ao chamado PREC (processo revolucionário em curso). Esquerda e direita engalfinharam-se por causa da data: para uns foi a correção do caminho aberto pelo 25 de Abril de 1974 (sectores de direita e alguns sectores do PS); para outros foi o fim do próprio 25 de Abril (extrema-direita); para outros ainda foi o fim do processo revolucionário (PC e BE) ou apenas mais um momento, como outros, posteriores ao 25 de Abril, sem grande significado só por si (alguns sectores do PS). Uns glorificam a data como se a partir dela tudo se tivesse alterado, outros maldizem-na, como se antes a situação de quem trabalha e vive do seu trabalho tivesse sido muito diferente. Uns e outros mentem.
Para os anarquistas foi mais uma luta entre os vários sectores políticos que se começaram a digladiar logo a partir do dia 25 de Abril de 1974, mesmo quando a revolução popular, saída do golpe de estado, estava no seu auge e que cronologicamente podemos situar entre os últimos dias de Abril de 1974 e o chamado golpe da maioria silenciosa, a 28 de setembro do mesmo ano. A partir daí o controlo partidário do movimento popular, por parte de alguns grupos de esquerda, tornou-se evidente, matando a espontaneidade popular, a autoorganização e a realização criativa que tinham animado os primeiros meses da revolução, e cristalizando-se a partir do 11 de março de 1975, momento a partir do qual, com Vasco Gonçalves como primeiro ministro, o PCP e a CGTP “normalizaram” a contestação com um conjunto de medidas legais e administrativas, como a Lei da Unicidade Sindical, que mataram definitivamente o movimento popular.
O 25 de Novembro de 1975 surgiu, assim, como uma resposta da direita politica e militar à ocupação das estruturas do Estado por parte da esquerda, sobretudo por militantes afetos ao PCP e ao movimento sindical por ele controlado, embora em nenhum momento tenha existido o risco de retorno á situação anterior ao 25 de Abril de 1974.
O assunto foi tratado na revista anarquista “Acção Directa”, de janeiro de 1976, num longo artigo de abertura intitulado “Carta Aberta aos Senhores Políticos de Esquerda”, acusados de deturparem “a emancipação dos trabalhadores arranjando-lhes novos capatazes, novos dirigentes e novos polícias”, em vez de os ajudarem a libertarem-se de “todas as tutelas, politicas inclusive”.
Na parte final do artigo pode ler-se:
“(…) Tal como o capitalista, também o político profissional (criação leninista) é parasita do trabalho socialmente útil. O político profissional não só vive à custa dos contribuintes do partido, isto é, recebe a côngrua dos fiéis, como também é um obstáculo à emancipação dos dirigidos, tanto em relação à estrutura do partido como do Estado. Mas aqui não nos ocupamos apenas dos profissionalizados. E como para se ser político não é necessário apresentar diploma ou dar provas seja do que for, ao contrário de qualquer actividade profissional, muita gente se habilita a pôr a pata em cima dos outros ainda que para tal tenha que suportar o peso de alguns.
Neste jogo de poder e submissão, arrogância e subserviência (se não masoquismo), tendes deturpado, senhores da esquerda, a emancipação dos trabalhadores arranjando-lhes novos capatazes, novos dirigentes e novos polícias.
E os que trabalham, em lugar de repetir, começassem a pensar em algumas das vossas frases, senhores políticos profissionais, como por exemplo: “quem não trabalha não come?”
Infelizmente ainda não tendes motivo para sustos. A emancipação dos homens concretos de todas as tutelas, politicas inclusive, é de facto um trabalho longo e difícil e requer dos próprios revolucionários a abdicação de tendências paternalistas, que não são mais do que o reflexo da vaidade do chefe rodeado de súbditos obedientes. A submissão é o contrário da emancipação, como a manipulação é sempre um processo reaccionário.
Mas vós tendes escolhido sempre o caminho mais fácil ao vos tornardes chefes verborosos de rebanhos submissos e ao mirardes a razão da vossa vaidade do alto das tribunas políticas, como quem confirma que estamos num país de Marialvas.
Aquilo que verificámos antes de 25 de Novembro não foram acções revolucionárias de trabalhadores, mas processos de massificação, em que as “massas” se concentravam em manifestações ou faziam greves simplesmente para mudarem de dono. E como quem apregoa o sabonete PALMOLIVE, porque disseram ser o melhor, assim se repetiram publicitariamente alguns nomes ilustres em certas concentrações. As práticas irracionais, como as massificações, foram utilizadas por todos os demagogos e no Congresso de Roma de 1921, Mussolini contava já com 310.000 operários inscritos. Desligados duma luta concreta, os massificados aceitam passivamente que os conduzam. Assim, com todo um fraseado ideo-religioso se preparava, contra um pretenso fascismo de direita, um fascismo de esquerda, de tipo peronista, com sindicalistas armados. Faltou apenas uma figura carismática, um duce, um Estaline ou um Perón.
Não, senhores políticos de esquerda, não é isto que nós, anarquistas, entendemos por revolução."
Desde sempre, mesmo na clandestinidade, os meios libertários portugueses assinalaram o início da revolução espanhola de 1936, fosse na imprensa clandestina, fosse em encontros de militantes. Essa evocação acentuou-se após o 25 de abril de 1974, realizando-se logo nesse ano, a 19 de julho, um comício na Voz do Operário, em Lisboa, com a presença de militantes espanhóis, ainda na clandestinidade. Em 1975, a data foi mais uma vez assinalada em Lisboa com um comício no Pavilhão do Estádio Universitário. Aqui fica a convocatória para este comicio que reuniu muitas centenas de pessoas e contou com diversas intervenções, algumas delas de companheiros espanhóis.
Gabriel Morato foi uma das figuras marcantes do anarquismo em Portugal após o 25 de Abril de 1974. Embora polémico e controverso, teve um papel relevante nas organizações, debates e publicações que marcaram o anarquismo português nas últimas décadas do século XX.
João Gabriel de Oliveira Morato Pereira (1940-2005) foi um activista e militante anti-fascista e anti-capitalista muito activo a partir do início dos anos 60 do século passado e até à sua morte. Filiado no PCP desde muito novo, foi preso em 1965 durante 15 meses (21/1/1965-16/4/66) “por actividades contra a segurança do Estado” . Passou pelas cadeias do Aljube, Caxias e Peniche (1), tendo sido torturado durante a fase dos interrogatórios e obrigado a manter-se na “posição de estátua” durante horas a fio, alternando com a tortura do sono durante onze dias. À medida que o interrogavam, os agentes da PIDE troçavam dele por ser coxo e se meter em altas cavalarias. E quando, no último dia de tortura, desfaleceu e caiu na quase total inconsciência, foi rodeado pelos esbirros que se “divertiam” a atirá-lo de uns para os outros.
Aquando da prisão, era estudante do Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras (ISCEF) e integrava o cargo de secretário-geral da Reunião Inter-Associações (RIA) de Lisboa. Saiu em liberdade já em 1966 tendo-se, pouco depois, desvinculado do PCP e aproximado de outros grupos de estudantes dissidentes, na sua maioria maoistas, que surgiram em força, depois da cisão sino-soviética, nas universidades portuguesas. Informado no final da década de que a polícia o procurava e que tinha contra si um mandado de captura, exila-se em Paris onde conhece e contacta com as ideias e a militância anarquista.
Regressa a Portugal logo a seguir ao 25 de abril de 1974 e, com alguns companheiros que também tinham estado exilados em Paris, como António Mota e Júlio Carrapato, estreita relações com os grupos libertários existentes em torno dos jornais A Batalha e Voz Anarquista. Está intimamente ligado à criação da Associação de Grupos Autónomos Anarquistas, ao grupo “Os Revoltados” e à revista Acção Directa. Participa em inúmeras convocatórias para acções de rua (manifestação e comicio de solidariedade com os trabalhadores espanhóis a 3 de março e 19 de julho de 1975, manifestação do 1º de maio de 1977, na Praça da Figueira, etc.), múltiplos encontros anarquistas e nas mais variadas acções de divulgação dos ideais libertários. Manterá sempre fortes contactos internacionais com o movimento anarquista sobretudo em Espanha e em França. Participa em reuniões da Internacional de Federações Anarquistas (IFA) e da Federação Anarquista Ibérica (FAI) e é um dos fundadores da Secção Portuguesa da Associação Internacional de Trabalhadores (AIT-SP) em finais dos anos 90.
Morre em Lisboa, devido a problemas de saúde, a 19 de Julho de 2005, a escassos dias de completar os 65 anos.
(1) Gabriel Morato esteve preso em Peniche apenas na fase final da pena e por pouco mais de um mês – entre 11/3/66 e a sua libertação a 16/4/66, como refere a lista de presos da Fortaleza de Peniche (http://www.urap.pt/attachments/article/530/ListaPresosPoliticosFortalezaPeniche_16MAR2014.pdf). Estranhamente o nome que figura no Memorial aos Presos de Peniche é o de João Morato Pereira, ocultando o nome porque sempre foi conhecido: Gabriel (conf. http://www.museunacionalresistencialiberdade-peniche.gov.pt/pt/memorial-4/)
* Maioria dos dados extraídos da biografia de Gabriel Morato escrita por Júlio Carrapato: https://colectivolibertarioevora.wordpress.com/2016/06/23/sejamos-optimistas-deixemos-o-pessimismo-para-melhores-tempos-texto-de-julio-carrapato-sobre-gabriel-morato/
(fotos cedidas pela Sofia, filha do Gabriel.)
biografia de Rui Vaz de Carvalho.pdf
Neste dia 5 de Maio, há 20 anos, o movimento libertário português perdia um dos mais destacados e influentes militantes libertários da geração do pós-25 de Abril de 1974, que o “apanhou” na força da idade. Aos 61 anos, morria no Hospital Amadora-Sintra, Rui Vaz de Carvalho (de nome completo Rui Antonino Pombares Vaz de Carvalho), homem ligado às artes, professor do ensino preparatório, integrou desde sempre diversas publicações e associações anarquistas.
Nascido em Luanda, em 1941, Rui Vaz de Carvalho tinha uma sólida bagagem teórica, e esteve sempre ligado aos mais diversos projectos editoriais, servindo também de elo entre os militantes mais velhos e os mais novos. Integrou projectos como os de A Batalha, a Merda, Voz Anarquista, Acção Directa, Antítese e Utopia, bem como vários outros direccionados para o ensino e para o teatro. Pouco tempo depois da sua morte, José Maria Carvalho Ferreira traçava a sua biografia na revista Utopia, nº 16, de 2003, revista de cuja equipa redactorial fazia parte quando se deu o seu desaparecimento.
https://colectivolibertarioevora.wordpress. com/2016/09/14/biografia-rui-vaz-decarvalho-1941-2003
No dia 29 de Abril de 2006 abria as portas, no Porto, a CasaViva, uma experiência temporária de um espaço alternativo, libertário e autogestionado que durante 10 anos serviu de porto de abrigo para centenas de projectos e iniciativas de índole cultural e anti-autoritária. A CasaViva era o espaço da liberdade no Porto.
Num dos primeiros textos publicados no blogue da CasaViva definia-se assim o que ela pretendia vir a ser. E foi:
Durante os 10 em que esteve a funcionar ficaram memoráveis muitas outras iniciativas. A Casa fechou as portas, como combinado com os proprietários, a 1 de Maio de 2015, também com a organização de uma iniciativa e a divulgação de um texto, onde se podia ler:
"Morro a 1 de Maio. Se me tens algum carinho, não me evoques. Não me chores. Não me metas na gaveta do lembras-te quando. Se nostalgia for o sentimento que fica depois de mim, esta viagem de 9 anos não valeu a pena.
Preferia deixar-te o sabor amargo de algo inacabado. Não para que me continues. Antes para que te dê asas à vontade de experimentar. Para que te anime a levantares-te contra quem te oprime, a inventar formas de estar e viver livres de poder, a remar contra a corrente do capital, a criar, enfim, a tua própria utopia.
Só assim, só se a minha morte te elevar os níveis de raiva e de sonho, só se mil novas experiências de liberdade se erguerem, só assim, repito, terá valido a pena. Se a cidade arde por falta de espaços de partilha, que se criem esses espaços. E que se veja a cidade a arder.
Despeço-me. Até nunca. O colectivo que me gere diz até já."
Famosas ficaram também muitas faixas que, por diversas vezes, "decoraram" a frente do prédio ocupado pela CasaViva e que, por várias vezes também, desencadearam a ira da Câmara Municipal e da polícia que os retiravam motivando novos protestos do colectivo que geria este "ESPAÇO TEMPORÁRIO*MULTICULTURAL*INTERVENTIVO*GRATUITO*SEM FRONTEIRAS*SEM ROSTO*EXPERIMENTAL*REVOLTADO*APARTIDÁRIO ", como o definiam os membros do colectivo que o geria.
relacionado: https://colectivolibertarioevora.wordpress.com/2014/05/06/porto-comunicado-da-casa-viva-sobre-a-retirada-da-faixa/
O golpe de estado militar do 25 de Abril e o levantamento popular que se lhe seguiu, nos bairros, nos campos, nas empresas, um pouco por todo o lado, embora não tenha transformado Portugal num país, como muitos de nós desejaríamos, sem exploração nem opressão, fez com que a guerra colonial terminasse, os presos políticos da altura fossem libertados, e começou a haver uma maior liberdade politica, de associação e de comunicação sem a censura prévia.
Apesar de todos os constrangimentos, o fim do fascismo após 48 anos de um regime autoritário e sanguinário, contra o qual o movimento anarquista e operário se opôs e confrontou desde a primeira hora, fez com que, para muitos anarquistas, o 25 de Abril fosse um dia de celebração, incorporando muitos de nós as manifestações que desde sempre se realizaram.
No entanto, a pouco e pouco estas manifestações perderam a sua espontaneidade e tornaram-se momentos oficiosos, tomados pelos partidos de esquerda, sem qualquer capacidade reivindicativa para além dos estereótipos do momento político.
Contudo, em todos estes anos houve manifestações do 25 de Abril, em que a participação libertária contou e que foram mais além do que uma mera efeméride que é necessário assinalar.
A 25 de Abril de 2007 foi convocada uma manifestação anti-autoritária contra o capitalismo e o fascismo, violentamente reprimida pela policia, com confrontos, e a detenção de 11 manifestante, tendo vários deles sido agredidos.
Ficou aqui registada a memória da violência policial desse dia: https://pt.slideshare.net/Moriae/folheto25abril2007
O jornal Público dá noticia dos confrontos e, alguns dias depois, reportou assim esta manifestação anti-autoritária de 25 de Abril de 2007:
"O protesto no Chiado no 25 de Abril foi um dos maiores agrupamentos de anarquistas dos últimos anos em Portugal. Acreditam numa sociedade sem chefes, mas convivem com as inevitáveis contradições. Histórias de dez anarquistas de todos as idades
No último 25 de Abril, no Chiado, em Lisboa, surgiram de bandeiras pretas, panos com letras "A" circuladas e foram entoando palavras de ordem contra o Estado, o fascismo e o capital, numa manifestação que terminou com uma polémica carga policial.São na sua maioria jovens, mas também os há em plena idade adulta. São anarquistas: acreditam numa sociedade sem Estado nem chefes, mas convivem diariamente com as contradições de quem vive num mundo oposto ao que imaginam.
É o caso de José Silva, nome fictício, que pede o anonimato por receio de represálias por parte dos militantes da extrema-direita. Tem 20 anos, vive em Lisboa e é estudante universitário. A actual maior visibilidade da extrema-direita portuguesa foi um dos factores que o levou a participar no protesto: "estão a crescer" e "andam saídos da casca".
A manifestação do 25 de Abril "serviu de ponto de encontro de diversos movimentos", não apenas anarquistas, contra um inimigo comum - o fascismo. "Foi uma concentração bastante grande. Foi bastante surpreendente ver tantas pessoas." E José Silva define os contornos do protesto: foi uma "manifestação anti-autoritária contra o capitalismo e o fascismo". Terá juntado cerca de 300 pessoas (150 na versão policial), sendo porventura o maior protesto a envolver anarquistas dos últimos anos.
José Silva, que se queixa de ter levado três bastonadas de um polícia sem justificação, foi um dos criadores do Cravado no Carmo, um site que reúne testemunhos e informação sobre o que os manifestantes consideram ser a acção "despropositada" e "injustificada" da PSP no Chiado. A polícia justificou a intervenção com um alegado comportamento agressivo e actos de vandalismo dos participantes do protesto. Onze pessoas com idades entre os 20 e os 30 anos foram detidas.
António Sousa é outro dos manifestantes, de 28 anos, também anarquista. Invoca o mesmo receio de represálias para usar um nome fictício na conversa com o P2. "Durante dois anos tive a minha foto na net. Vi amigos terem "nazis" à porta de casa", justifica este lisboeta, que andou pela "okupa" da Praça de Espanha, nos anos 90 e já foi detido por participar em manifestações ilegais. "Por posição ideológica não pedimos autorização ao governo civil", refere.
Com 22 anos, João (pediu para não ser identificado pelo apelido), de Évora, secretário e membro da banda anarco-punk Inconformidade Anti-Constitucional, participou no protesto para "mostrar às pessoas que existe uma alternativa", "numa altura em que o sistema tem legalizado um partido político assumidamente "nazionalista" [o PNR]", conta por e-mail. À semelhança dos outros manifestantes ouvidos pelo P2, ficou "espantado" com as dimensões da manifestação e conclui que "o movimento está a crescer".
Diogo Duarte, de 22 anos, anarquista e estudante de Antropologia Social no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), não concorda com esta análise. "Não considero que haja um movimento anarquista em Portugal. Mesmo os que se manifestaram são agrupamentos de indivíduos muito dispersos", contrapõe. O estudante acredita que "há terreno" para que "características anarquistas" tenham aplicação no dia-dia e cita como exemplos o software de código aberto e as licenças flexíveis de propriedade intelectual Creative Commons.
Viver em contradição
Mas no desfile pelo Chiado não havia só jovens. Júlio Conceição, 43 anos, gritou "contra o Estado e o capital". Pertence a uma "associação de ecologia social anti-autoritária", a Planeta Azul, que nasceu há 15 anos no Porto. Dá aulas de português a cerca de 50 imigrantes e dinamiza grupos de escuteiros livres, sem chefes e com uma postura crítica.
Também a Terra Viva, do Porto, desenvolve trabalho no âmbito da ecologia social e com escuteiros livres. José Paiva, membro da associação, refere duas ideias-chave da ecologia social: o capitalismo e o respeito pela natureza são incompatíveis e o ambientalismo é muitas vezes sinónimo de "capitalismo verde".
José Paiva tornou-se anarquista depois da revolução de 1974, quando percebeu que os partidos de extrema-esquerda, onde militou, não levariam a uma sociedade igualitária. Hoje, com 56 anos, põe a tónica na intervenção social. O anarquista deve intervir na sociedade, "não como vanguarda, mas ao lado, ombro a ombro, com pessoas não anarquistas", defende. "Se não hoje somos poucos e amanhã seremos ainda menos". Diogo Duarte, o estudante de antropologia, concorda. O anarquismo não é uma "utopia", diz. "Por uma razão: não pretende ser perfeito", explica o estudante, que chegou à ideologia no início desta década através de um livro de Noam Chomsky.
Anarquista dos sete costados, José Paiva recebe o subsídio de desemprego, concedido pelo Estado que ele próprio rejeita. Contradição? Ele diz que não: "O Estado não nos dá nada; devolve-nos um pouco do que lhes demos."
Ser vegetariano
"Qualquer anarquismo que se queira puro é reaccionário. A vida é feita de cambalhotas, mestiçagens e contradições", refere António Silva, de 48 anos, professor numa escola de Espinho. Admite que o "sistema escolar faz das pessoas não tanto indivíduos livres como cidadãos obedientes", mas acredita que só através da "educação e da intervenção global" é que "o capitalismo e o poder dominante, cada vez mais global, se vão minando". É o que procura fazer nas suas aulas, no blogue Pimenta Negra, e no movimento ecologista GAIA.
"É quase viver em contradição", nota Diogo. Mesmo assim, tenta "questionar todo o tipo de autoridade". "Na faculdade, em que há um sistema altamente hierárquico, nunca me resignei ao espírito competitivo, quase de guerrilha", exemplifica. "Escolher aquilo que compro" e ser vegetariano são outras das pequenas vitórias do dia-a-dia para este libertário.
"Tento limitar o impacto da minha vida", aponta José Silva. Também é vegetariano e rejeita o tabaco, o álcool e as drogas para "estar o mais lúcido possível e consciente" de tudo o que o rodeia. A "autocrítica e o auto-controlo" são essenciais a este estudante que se diz "incapaz de tomar uma atitude autoritária". "Tendo a encarar isto mais como uma filosofia de vida do que como uma meta concreta que se tenta atingir. É um ideal lá ao fundo, vislumbrável aqui e ali."
( https://www.publico.pt/2007/05/15/jornal/anarquistas-apesar-de-tudo-214800)
Um ano depois, em resposta e em solidariedade com os detidos na manifestação do ano anterior, é convocada nova manifestação anti-autoritária, com inicio na Praça da Figueira e que acabou no Terreiro do Paço, sem incidentes.
Um dos manifestantes relatou o que aconteceu nesse 25 de Abril de 2008:
“Quando a manifestação partiu da Praça da Figueira havia, notoriamente, alguma tensão no ar. Houve mesmo uma conversa mais acesa com um jornalista que apesar dos avisos estava a insistir na captação de fotos aos manifestantes.
A polícia andava sempre nas redondezas e sabíamos que estavam à espera de um deslize nosso para poder intervir. A dianteira da manifestação estava a avançar rapidamente o que fez com que o corpo da mesma ficasse um pouco disperso. Circulava a informação (ou boato) de que a polícia poderia tentar partir a manifestação ao meio. Por essa razão o pessoal que seguía na frente começou a andar mais lentamente para assim o grupo fosse mais compacto e por conseguinte mais difícil de dividir.Ao chegar ao Rossio houve alguns atritos com o pessoal da Associação 25 de Abril como é aqui relatado:
_A concentração saiu da Praça da Figueira, passou pelo Largo de São Domingos e fez-se notar ao entrar no Rossio, com os tambores, buzinas e coros a inquietarem os membros da Associação 25 de Abril, que fazia naquela altura as suas intervenções num palco montado frente ao Teatro Nacional Dona Maria II."Vieram provocar uma manifestação organizada e a polícia sem fazer nada. Eu já fiz um 25 de Abril, agora tenho que fazer outro?", queixou-se um dos elementos da associação, que preferiu não se identificar.
_De referir que nós não estávamos ali para provocar os senhores... Nem estávamos ali para festejar o 25 de Abril... Estávamos na rua para protestar contra o estado deste nosso mundo (falando de maneira generalista), contra o capitalismo, fascismo, e contra o cada vez mais enervante comodismo das pessoas...Ouvimos algumas bocas, mas enfim, a manifestação continuou...Ao chegar à Rua Augusta andámos muito devagar devido às esplanadas dos cafés. De referir o episódio do "homem-estátua" que, muito bem disposto, interrompeu a sua actuação para dar passagem ao grupo, a ele obrigado!Depois, circulou outro aviso (ou boato) de que a polícia estaria pronta a intervir e que essa intervenção seria feita pelos lados para assim poder dividir o pessoal. O lado que estava mais exposto era o direito, mas tendo em conta a união do pessoal é bastante provável que se tivesse conseguído resistir em caso de ataque. Mas felizmente, isso não se verificou e a manifestação chegou pacificamente ao Terreiro do Paço onde foram queimadas as notas de 500 e foi lido mais um comunicado. De referir que os senhores jornalistas só conseguíram perceber algumas palavras dos dois comunicados que foram lidos que foram: "Chibos infames", "Sangue nas ruas", "continuamos e continuaremos nas ruas"... Mais uma vez é uma mensagem violenta que passam, mas já vamos estando habituados...Depois de algum tempo no Terreiro do Paço a manifestação começou a desmobilizar e de referir que os vários grupos que se iam retirando eram seguídos pela polícia que aproveitava para tirar fotos a quem já estava de cara destapada. Mesmo depois de desmobilizada houve agentes à paisana que tentaram criar confusão para justificar uma intervenção dos seus colegas robocops. felizmente toda a gente percebeu o que se passava e ninguém perdeu a compostura.Foi talvez um dia perdido para os repórteres sedentos de sangue e de lojas partidas e de gente assaltada... Mas para nós foi um dia em cheio. Paz Saúde e Anarquia"
Aqui: http://redelibertaria.blogspot.com/2008/04/manifestao-antiautoritria-25-de-abril.html
Também em 2010, enquanto decorria ainda o processo dos 11 detidos na manifestação anti-autoritária de 2007, e depois de um concerto anarko-punk ter sido proibido no dia 24 de Abril, os anarquistas sairam para a rua, em bloco, no 25 de Abril.
A noticia dessa manifestação:
“Nos comunicados distribuídos à população intitulado “Chamada Anarquista - apelo à solidariedade com os que sofreram a repressão do Estado e à resistência”, podia se ler “não esquecemos não perdoamos" e “em solidariedade com todos os que lutam pela destruição do Estado, fonte primária de todo o terrorismo. Continuamos na rua... Sem medo nem lei!".
Já no fundo da Rua do Carmo/Rossio - local onde há três anos uma manifestação anti-autoritária e anti-capitalista foi alvo de intensa repressão, com a prisão de 11 manifestantes, a correr julgamento atualmente no Tribunal - partiram, ao som dos batuques, numa passeata pela baixa lisboeta que terminou, simbolicamente, na antiga Praça do Império, local atualmente freqüentado por muitos imigrantes e que constitui essa amálgama de povos que sonhamos ser, cidadãos do mundo já hoje.
...Repressão ao festival "Imune Fest”
...Mas, se desta vez a repressão do Estado não atingiu o grau de violência e brutalidade policial de 2007, não deixou de se verificar de forma insidiosa a sua presença nefasta, exercendo coação sobre uma associação popular com o intuito de impedir a realização do festival "Imune Fest", que foi cancelado em Lisboa por pressão da polícia exatamente na véspera do 25 de abril.O festival "Imune Fest" surgiu porque, segundo um comunicado distribuído, "somos imunes à opressão, imunes à apatia, imunes ao vosso controle da música", contando com a participação das bandas: Kostranostra (Anarcopunk de Valência), Gatos Pingados (Punk Hardcore de Almada), The Skrotes (Skate Punk de Lisboa), Massey Ferguson (Crust de Beja), Steven Seagal (Hardcore Oldschool de Lisboa), Ventas de Exterco (Punk Hardcore de Beja), Pussy Hole Treatment (Punk Trasher de Lisboa), Desobediência Geral (Anarcopunk de Lisboa). Na sexta-feira, dia 23 - um dia antes do festival - os organizadores foram informados pela Associação Boa União, local acordado para o concerto, que este não se realizaria ali, fazendo exigências despropositadas como alternativa, porque a polícia tinha ido lá e lhes tinha dito que não era aconselhável realizar naquele lugar o concerto porque "é coisa de anarquistas" e que eles "são piores que os nazis e integrantes dos “no name boys” e poderiam causar distúrbios". No final o concerto acabou por realizar-se na Ocupa Kylacancra, às 17h, em Palmela, Setúbal, com as bandas já anunciadas, disponibilizando-se, solidariamente, transporte para o novo local, menos acessível.”
(aqui: https://redelibertaria.blogspot.com/2010/04/portugal-sementes-da-resistencia-no_28.html)
Em 2012, no dia 25 de Abril, numa acção memorável, é reocupada simbolicamente no Porto, por centenas de pessoas a Es.Col.A da Fontinha que seria alvo de desocupação policial definitiva, no dia seguinte. (aqui: http://escoladafontinha.blogspot.com/2012/04/escola-e-nossa.html https://www.tsf.pt/vida/antiga-escola-do-bairro-da-fontinha-voltou-a-ser-entaipada-2441933.html )
Um ano depois, no dia 25 de abril de 2013 foi ocupado também simbolicamente o Palácio Silva Amado no nº 1 do Campo Mártires da Pátria, que seria alvo de desocupação poucas horas depois. (https://colectivolibertarioevora.wordpress.com/2013/04/26/leitura-do-manifesto-de-ocupacao-do-palacio-silva-amado-no-no-1-do-campo-martires-da-patria).
Noutros anos, Blocos libertários incorporaram-se também em manifestações do 25 de abril, quer em Lisboa, quer no Porto.
Também em vários outros anos anarquistas e organizações libertárias publicaram inúmeros manifestos e análises sobre o 25 de Abril. Dado o seu carácter sucinto e objectivo republicamos um comunicado da AIT/SP, de abril de 2014, em que esta organização considera que: “é preciso reavivar o verdadeiro Abril: o que não ficou em casa e recusou as ordens dos militares, o da ocupação de terras sem controlo partidário, o das cooperativas e assembleias populares espontâneas. Nenhum governo é capaz de resolver os problemas de quem trabalha e vive agrilhoado pelo capital. Este sistema moribundo, mantido apenas pela força e violência, serve os interesses de quem o comanda e não os do povo. Está apenas interessado em agarrar-se ao poder e em explorar a classe trabalhadora, para que os ricos continuem a enriquecer.”
(aqui; http://ait-sp.blogspot.com/2014/04/o-25-de-abril-e-intervencao-militar_24.html )
Há 10 anos realizou-se em Setúbal a “Conferência Libertária Sadina”, que decorreu nos dias 6 e 7 de abril, no Ateneu Setubalense e que reuniu cerca de 30 militantes libertários de todo o país. Nesta conferência foi também apresentado o projeto do jornal MAPA de que sairam, entretanto, os nº 0 e 1.
Presente na conferência, o Portal Anarquista reportou como decorreram os trabalhos no 1º e no 2º dia
Depois desta conferência teve lugar, três anos depois, a realização em Évora, por iniciativa do projeto MOSCA, da revista A Ideia e do Portal Anarquista, nos dias 28 e 29 de Maio de 2016, do Encontro Libertário de Évora, que reuniu mais de 60 militantes que discutiram, em vários painéis, temas estruturantes do anarquismo. E do qual foi elaborado um conjunto de conclusões.
Antes já se tinham realizado vários encontros libertários em Lisboa, no Porto, Coimbra e Setúbal, entre as quais a Conferência Libertária de Lisboa nos dias 9 e 10 de abril de 1983.
No entanto, nos últimos anos (e há já tantos anos!) - apesar de ultimamente diversos companheiros e espaços libertários (entre os quais o Portal Anarquista) tenham tentado levar para a frente a realização de um encontro nacional - , ainda não se encontrou a oportunidade para o fazer. E que necessário seria!
Artur Modesto em casa de Acácio Tomás Aquino, c. 1980
Artur Modesto, foi um militante anarcossindicalista do Baixo-Alentejo, sapateiro de profissão. Nasceu em Beja a 27 de maio de 1897 e morreu em Lisboa a 3 de abril de 1985.
Cunhado de Acácio Tomás de Aquino, um dos principais organizadores do 18 de janeiro de 1934, residiu em Lisboa, na Ajuda, a partir dos anos 30, colaborando com as organizações libertárias clandestinas, nomeadamente no âmbito da Federação de Solidariedade para com os Presos e Perseguidos por Questões Sociais. Depois de 1974 colaborou em várias tarefas para a edição do jornal “ A Batalha” e integrou o grupo anarquista Fanal, da zona de Belém-Ajuda.
Inicialmente esteve filiado no Sindicato dos Sapateiros de Beja, pertencendo a várias direções e comissões do sindicato. Foi um dos fundadores das Juventudes Sindicalistas de Beja, do seu órgão na imprensa (o jornal O Rebelde) e da União dos Sindicatos Operários de Beja.
Em 1928 veio para Lisboa, integrando o Sindicato Único da Indústria de Calçado, Couro e Peles até 1933, ano da sua destruição pela ditadura fascista.
Durante o fascismo exerceu funções clandestinas na FARP, Aliança Libertária de Lisboa e na CGT.
Conseguiu não ser preso após a sublevação do 18 de janeiro de 1934, contando no seu currículo de militante apenas uma prisão, em Novembro de 1918, ainda em Beja, aquando da greve geral decretada pela União Operária Nacional.
Apesar de ter apenas a 2º classe, Artur Modesto tinha uma grande cultura, mercê da leitura e do convívio com militantes com um nível superior de estudos e uma sensibilidade e gentileza marcantes.
Toda a vida escreveu poesia e no final da vida, após Abril de 1974, viu dois dos seus livros serem editados pela Editora Sementeira. "Páginas do meu Caderno", em 1978 e "Alfarrábio Poético", em 1984.
Manteve também até final da vida uma ligação constante ao jornal A Batalha, onde, até poder, foi uma presença assídua. Manteve também colaboração com a revista “A Ideia”.
Arnaldo Simões Januário nasceu em Coimbra a 6 de Junho de 1897 e faleceu a 27 de Março de 1938, no Campo de Morte do Tarrafal, vitimado por uma biliose anúrica, sem assistência médica, depois de vigorosos anos de combatividade e de sofrimento nos cárceres e nas deportações.
Barbeiro de profissão, foi o organizador em Coimbra dos Sindicatos Operários e estrénuo propagandista revolucionário anarquista. Foi correspondente em Coimbra do jornal “A Batalha”, órgão da C.G.T.. Em 18 de Março de 1923 tomou parte na Conferência de Alenquer como delegado do Grupo Anarquista de Coimbra de que fazia parte juntamente com João Vieira Alves, também delegado. A sua combatividade não esmoreceu com o advento do movimento do 28 de Maio antes recrudesceu. Antes porém a sua acção na propaganda tornou-se bem conhecida em sucessivos artigos em “A Batalha”, “A Comuna”, “O Anarquista”, a revista “Aurora” e muitos jornais dedicados à causa dos trabalhadores. Fez parte do Comité Nacional da União Anarquista Portuguesa (U.A.P.) formada a partir daquela célebre Conferência. Em 1927 sofreu a sua primeira prisão e seguiram-se-lhe intermináveis perseguições em todas as prisões e nos períodos de relativa liberdade que eram para ele outros tantos períodos de luta na clandestinidade. Sua ideologia acrata não lhe permitia subtilezas ou atitudes de meias tintas. Lutava em todos os escalões, pela palavra, pela escrita e pela acção.
O movimento revista de 18 de Janeiro de 1934 teve nele um dos principais organizadores. Preso pela Pide de Salazar, que num furacão de brutalidade, investe sobre os elementos operários de todo o país, declarou nobre e altivamente tomar inteira responsabilidade pro aquele movimento cujo fim era derrubar a Ditadura.
Entre 1927 e 1931 passou pelas cadeias do Governo Civil de Coimbra, Aljube e Trafaria seguidas de deportações em Angola, Açores e Cabo Verde e internamento no Campo de Concentração de Ué-Kussi ou Okussi em 22 de Novembro de 1931.
Para este campo foram crescendo em número os deportados idos da metrópole, e como o campo de Okussi não comportasse mais homens, os ditadores mandaram construir a toda a pressa outro na ilha de Ataúro ou Taúro.
Transcrevemos a seguir a descrição dos dois Campos, recolhida de apontamentos seus, escritos na prisão.
«O Campo de Concentração de Okussi funcionou de Outubro de 1931 a Maio de 1932 com uma população normal de 100 pessoas, excepto nos três primeiros meses em que essa população foi de, aproximadamente, 150 homens. O local do campo ficava, ao nível do mar e a sua construção era de palapa, material com que os indígenas faziam as suas habitações. A poucas dezenas de metros encontravam-se dois grandes pântanos onde manadas de búfalos nadavam e pastavam na maior tranquilidade. Após três meses de internamento 70% da população do campo estava gravemente impaludada. Na época das chuvas, a mais quente, o termómetro chega a acusar, 38º à sombra. O comandante militar do campo era o Tenente Óscar Ruas. Os locais escolhidos para a construção dos dois campos de concentração obedeceu a um pensamento homicida, covardemente premeditado o crime que haveria de arrancar a vida ou inutilizar a saúde a perto de quinhentos homens. Ataúro é uma ilha sem condições de vida para europeus. Sem saneamento de qualquer espécie, sem água potável, com uma temperatura excessivamente quente é justamente que se chama àquela ilha a Ilha da Morte. A alimentação dada aos confinados era má e insuficiente. Ao cabo de três meses começam a declarar-se os primeiros casos de tuberculose que se repetem duma forma alarmante. Serviços médicos não existem na ilha, quedando reduzidos à assistência dum enfermeiro militar. Quando desembarcavam em Dili os deportados de Ataúro, com destino ao hospital, deparava-se sempre com um espectáculo arrepiante que confrangia toda a gente que a ele assistia. Homens com as aspecto de cadáveres ambulantes, magros, esquálidos, os olhos luzentos de febre, esfarrapados e descalços no seu maior número. Em toda a população da cidade, mesmo naquela que é indiferente à questão política, correu m um frémito de indignação ante a hediondez nitidamente demonstrada pelo tratamento a que estavam sujeitos algumas centenas de homens. Foi necessário morrer um desgraçado e que outros fossem largando os pulmões pela boca para que o Governador, brigadeiro Justo, implorasse para Lisboa a extinção dos dois Campos de Concentração, o que vem a acontecer em fins de Janeiro e Maio de 1932».
Depois destes inauditos tormentos, Januário é posto em liberdade e regressa a Coimbra.
Após o malogro do movimento grevista de 18 de Janeiro de 1934, o operariado de todo o país sofre uma nova investida da PIDE, num furacão de brutalidade sem nome. Volta a ser encarcerado no Aljube e a seguir transferido para o Forte da Trafaria, onde é montada uma comédia-julgamento. Este improvisado julgamento condena-o a 20 anos de prisão, sendo enviado para o Forte de S. João Batista, na Ilha Terceira, nos Açores. Era director o famigerado Capitão Paz que ali cometeu toda a espécie de arbitrariedades. Mário Castelhano e Arnaldo Januário, émulos no heroísmo, foram metidos na POTERNA, horrendo cárcere, tão horroroso como os da velha Inquisição.
Depois destes sofrimentos, Salazar, o místico da crueldade, que, da casa onde se acoitava, guardado pela G.N.R., a S. Bento, providenciava em todo o regime penal, como um velho inquisidor de há 3 séculos, ainda veio a criar o Campo da Morte do Tarrafal.
Para ali, com muitos outros, foi atitado o Januário e é já suficientemente conhecido o regime de vida que ali levavam os presos.
Arnaldo Simões Januário, lutador incansável que a tudo resistira, destruído física que não ideologicamente, sucumbe, enfim, a 27 de Março de 1938, rodeado dos cuidados possíveis dos seus companheiros, mas sem os carinhos da família onde avultavam cinco filhos menores.
É assim que deixa de pulsar o coração generoso do Homem que tudo sacrificou ao seu ideal, ideal de fraternidade humana que não se compadecia com situações fascistas e nazis, tendo o seu corpo ficado sepultado na terra que tanto o viu sofrer.
(Publicado em "Voz Anarquista", nº 13, Abril de 1976)
Arnaldo Simões Januário, aquando da deportação para Timor. Em Dili, Agosto de 1932.
A notícia da morte do escritor e jornalista libertário Mário Domingues foi publicada na primeira página do jornal «Voz Anarquista», nº 21, de Abril de 1977, com uma pequena nota biográfica, julgamos que da autoria do próprio Francisco Quintal, o seu director , e por uma carta a ele dirigida por Mário Domingues aquando da publicação, dois anos antes, do primeiro número do jornal. A nota biográfica salienta e destaca o percurso libertário de Mário Domingues, dizendo que ele se recusou, no fascismo, a colaborar na imprensa do regime e fazendo da escrita o seu ganha-pão: "Mário Domingues nunca modificou as suas ideias, repudiou-se a si próprio como jornalista, saiu do meio que era nobre e se tornou antro ignóbil, e passou a viver da sua pena como um sapateiro da sua sovela. Trabalhando para comer, como o mais humilde proletário. Era e foi sempre um simples, um homem bom, incapaz de ofender fosse quem fosse." Eis a notícia e o texto da carta de Mário Domingues ao director da "Voz Anarquista", Francisco Quintal, que diz conhecer "há mais de 50 anos":
"Morreu Mário Domingues jornalista libertário
A notícia do falecimento do escritor e jornalista, Mário Domingues, no passado dia 24 de Março, que saltitou em paragonas de chavão profissional, por alguns diários da capital, pertence por direito natural à imprensa anarquista e anarco-sindicalista, de que o nosso falecido camarada foi estrénuo defensor e um dos mais distintos colaboradores, entre tantos que através dos anos honraram a verdadeira imprensa livre e a ideologia libertária. Não temos a intenção neste momento de criticarmos em globo, as atitudes, por vezes, infelizes e odiosas de certos jornais.
Há, porém, um aspecto em que todos esses jornais parecem estar de acordo – e parece que há uma ordem geral para que se estabeleça um silêncio no que diz respeito ao noticiário informativo sobre o movimento acrata. Silêncio feito desprezo, silêncio feito medo, silêncio que é uma exclusão. E quando noticiam uma sessão anarquista, não deixam nunca de a deturpar e de dar-se ares superiores como se se tratasse de um espectáculo infantil. Esse silêncio soturno leva à conclusão de que em Espanha o movimento anarquista já morreu há muito. Nada, absolutamente nada. O corte é manifesto. Em Portugal, também não há nada, além do movimento dos partidos em eterna degladiação ou sofismada harmonia. Pois, com a notícia da morte de Mário Domingues passa-se o mesmo fenómeno. Nem sequer notaram que o Mário se afastou desgostoso com a imprensa do tempo da ditadura fascista, é certo, mas, após o 25 de Abril, continuou afastado e, até ao dia da sua morte, não regressou ao redil em que a maioria se sente bem. Continuou na sombra, editando os seus livros de evocação histórica e pouco mais.
Mário Domingues apareceu aos 19 anos de idade, ainda estudante, nimbado pelas ideias de filosofia superior que se integram dentro do Anarquismo. Pomos de parte, por desnecessário e por ser de todos conhecida, a sua longa autoridade de repórter, de colaboração com Reinaldo Ferreira, o Repórter X, até ao «Detective», revista que ele próprio editou e dirigiu.
Desejamos neste jornal, consagrando um grande camarada, salientar a sua actividade no jornal anarco-sindicalista «A Batalha», em muitas e muitas campanhas, que deram brado, assim como a sua colaboração no jornal «A Comuna», e o concurso que sempre deu ao movimento acrata, formando um grupo libertário com Cristiano Lima, David Carvalho e outros. Além de «A Batalha» colaborou intensamente na revista «Renovação», de que saíram alguns números, e sobretudo no suplemento de «A Batalha».
Os acontecimentos precipitaram-se. Do 28 de Maio de 1926 em diante, a ditadura foi apertando o cerco, até que com o megalómeno Salazar, rodeado por uma clique de criminosos, os quais ainda hoje erguem as cabeças nesta estranha democracia sui-generis, os movimentos de luta pela liberdade foram-se extinguindo, e reinando em seu lugar uma clandestinidade nefasta causadora de grandes sacrifícios e de renúncias nem sempre as mais dignas. Mas, no meio das prisões, deportações, corrupções, Mário Domingues nunca modificou as suas ideias, repudiou-se a si próprio como jornalista, saiu do meio que era nobre e se tornou antro ignóbil, e passou a viver da sua pena como um sapateiro da sua sovela. Trabalhando para comer, como o mais humilde proletário. Era e foi sempre um simples, um homem bom, incapaz de ofender fosse quem fosse.
O regime caminhou inexoravelmente para a data segura do 25 de Abril de 1974. E, para além do que os militares golpistas previam, a liberdade, embora momentaneamente, eclodiu, e todo um povo conseguiu demonstrar, antes que os políticos agissem, que era maior. O anarquismo, de novo, saiu da clandestinidade, rompeu a crisálida imposta e a nossa organização, de propaganda e de combate, começou a actuar. De novo, a imprensa libertária surgiu com o primeiro peródico «Voz Anarquista». O seu primeiro número saiu em Janeiro. E Mário Domingues, logo em 19 de Fevereiro, recebido e lido com alvoroço o nosso primeiro número escreve-nos a seguinte carta, que com emoção rediviva, publicamos, demonstrativa da coerência de um jornalista que sempre honrou a Imprensa, considerada na sua mais elevada significação.
“Lisboa, 19 de Fevereiro de 1975
Meu caro Francisco Quintal:
Por amável devolução dos Correios da Costa da Caparica, onde resido quase todo o ano, recebi o primeiro número do «Voz Anarquista» que tu diriges com o mesmo entusiasmo e a mesma lucidez que te conheci há cinquenta anos.
Li-o com a alegria, a comoção e o alvoroço de quem encontra uma pessoa de família muito íntima de quem estivesse separado há muito tempo.
Vejo no cabeçalho que a iniciativa da publicação deste jornal libertário pertence ao Grupo Editor Aderente ao M.L.P., motivo por que o felicito vivamente por teu intermédio e, simultaneamente, envio-te, a ti, um grande abraço pelo esforço que estás realizando em prol da nossa causa tão carecida de divulgação e esclarecimento.
Agora, mais do que nunca, é preciso proclamar bem alto que o Anarquismo não é a desordem, a violência e o crime, como as forças reaccionárias têm querido qualifica-lo. Urge desfazer essa lenda tenebrosa e demonstrar ao grande público enganado por essas torpes mentiras, que o Anarquista ama e defende o ideal supremo de Ordem exercida numa Sociedade edificada na Liberdade, na Fraternidade e na Justiça Social. À «Voz Anarquista» cabe essa sublime tarefa, recordando o exemplo de homens superiormente lúcidos como o foram Proudhon, Eliseu Reclus, Sebastien Faure, Bakunine, Kropotkine, Neno Vasco, Pinto Quartin, Campos Lima, Cristiano Lima, Aurélio Quintanilha (felizmente ainda vivo) e tantos outros, propositadamente esquecidos, que abriram aos homens o caminho da Liberdade.
Apesar dos anos e da escassez de saúde (o médico recomenda-me repouso!) acompanho com entusiasmo a acção dos Libertários portugueses, nesta hora que o 25 de Abril parece tornar propícia a melhores dias.
Espero ter o feliz ensejo de poder falar-te na Costa da Caparica, onde conto regressar durante o mês de Março p.f..
Mais um abraço do teu camarada e amigo – Mário Domingues”
A 24 de março de 1977, a PSP fez uma rusga (mais uma!) na Comuna Cronstadt, às Janelas Verdes, identificando alguns dos seus ocupantes e apreendendo algum material, nomeadamente uma máquina de escrever, que posteriormente seria devolvida. A ocupação manteve-se inalterada, mas foi emitido um comunicado assinado por “um grupo de moradores dos Prazeres” onde se condenava a intervenção policial. (Arquivo Portal Anarquista)
Mário Domingues e Alexandre Vieira, em casa do primeiro (c.1954). (aqui)
Mário Domingues foi um escritor talentoso e prolixo, um jornalista muito activo e um militante libertário, desde muito cedo empenhado na denuncia do racismo que grassava na sociedade portuguesa e nas colónias ultramarinas, em que a cor da pele era uma das condições básicas para o sucesso social e económico. Jornalista do diário anarco-sindicalista, A Batalha, ficaram famosos alguns dos seus artigos e crónicas recentemente reunidos em livro (“Mário Domingues – A afirmação Negra e a Questão Colonial”, ensaio e selecção de José Luís Garcia, Edições Tinta da China, Lisboa 2022)
Mário Domingues nasceu na ilha do Príncipe, na roça Infante D. Henrique, propriedade da firma Casa Lima & Gama, com sede e escritório em Lisboa, filho de mãe angolana natural de Malanje, de nome Kongola ou Munga, que tinha ido para a ilha do Príncipe como contratada (à força) com quinze anos de idade, e de António Alexandre José Domingues, oriundo de famílias liberais de Lisboa. Com dezoito meses de idade foi enviado para Lisboa, sendo educado pela avó paterna.
Aos dezanove anos de idade aderiu ao ideário do anarquismo e iniciou colaboração no diário anarco-sindicalista A Batalha e, posteriormente, no jornal anarquista A Comuna, da cidade do Porto. Nesse período participou nas atividades de um grupo libertário que, entre outros, integrava Cristiano Lima e David de Carvalho. Fez parte da redação da revista Renovação (1925-1926) e colaborou na organização do congresso anarquista da União Anarquista Portuguesa (UAP).
Após o golpe fascista de 28 de Maio de 1926, e a proibição da imprensa anarquista e anarco-sindicalista, dedicou-se ao jornalismo e tornou-se escritor profissional. Voltou-se para a história e para os romances policiais, escrevendo mais de uma centena de livros, com os mais diversos pseudónimos..
Sem nunca abandonar o ideário anarquista, deixou a militância activa durante largos anos. Apesar disso quando em 1975 surgiu o jornal “ Voz Anarquista”, escreveu uma carta ao seu diretor e amigo, Francisco Quintal, onde dizia : “Agora, mais do que nunca, é preciso proclamar bem alto que o anarquismo não é a desordem, a violência e o crime, como as forças reacionárias têm querido qualificá-lo. Urge desfazer essa lenda tenebrosa e demonstrar ao grande público, enganado por essas torpes mentiras, que o anarquista ama e defende o ideal supremo da ordem, exercida numa Sociedade edificada na Liberdade, na Fraternidade e na Justiça Social. À Voz Anarquista cabe essa sublime tarefa, recordando o exemplo de homens superiormente lúcidos como foram Proudhon, Eliseu Reclus, Sébastien Faure, Bakunine, Kropotkine, Neno Vasco, Pinto Quartin, Campos Lima, Cristiano Lima, Aurélio Quintanilha e outros propositadamente esquecidos, que abriram aos homens o Caminho da Liberdade.”
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Num momento em que tanto se fala de sindicalismo alternativo, combativo, de base, convém referir uma das iniciativas que pretenderam, no campo libertário, furar o cerco que o sindicalismo partidarizado, hierárquico e reformista criou em torno do movimento dos trabalhadores.
Apesar do anarcosindicalismo, após o 25 de Abril, nunca se ter conseguido constituir como corrente alternativa, em Portugal, aos sindicatos oficiais, controlados pelo PCP, pelo PS ou pelo PSD, por várias vezes existiram tentativas para criar um movimento social de acção directa e um sindicalismo de base. Nas primeiras duas décadas do século XXI, foram criadas a secção portuguesa da AIT, formada por um pequeno núcleo de militantes, com especial incidência em Lisboa e no Porto, e um colectivo, mais centrado nas questões da educação, e que editou um pequeno boletim intitulado “Luta Social”, mantendo contactos com organizações de base assemblearia e libertária de vários países europeus.
Alguns dos seus membros integraram a secção portuguesa da Federação Europeia de Sindicalismo Alternativo – Educação, que reunia federações de ramo da CGT-Espanha (CGT-Enseñanza), UNICOBAS de Itália (UNICOBAS L'Altra Scuola), os sindicatos franceses SUD (Solidaires-Unitaires-Démocratiques) da Educação de Paris e de Grenoble; o sindicato SIP e o sindicato de estudantes (SISA), da Suiça Italiana, bem como outros colectivos (na Eslovénia, em Portugal, em Itália, em França).
A FESAL-E é apresentada em Abril de 2004 na sede de A Batalha e, posteriormente, realizam-se várias reuniões internacionais desta organização em Lisboa.
A mais importante terá sido na Guarda, em 2006, nos dias 4 e 5 de Março, com a realização do I FORUM IBÉRICO “SEM FRONTEIRAS SEM BANDEIRAS”, organizado pelo Núcleo Português da FESAL-E, com a colaboração do Coordenador Europeu da FESAL-E; e com a participação de colectivos da CGT-E; da CNT-AIT ; de “Ecologistas en Acción” e da Associação Ambientalista “Quercus”, conforme se pode ler nos materiais que publicitaram o encontro.
Há também uma descrição da forma como a reunião decorreu, feita por Davide Rossi, responsável das relações internacionais de UNICOBAS Itália, e publicada no nº 13 do boletim "Luta Social".
O colectivo era integrado por diversos companheiros de diversos pontos do pais e em Julho de 2006, realizou-se uma assembleia geral da secção portuguesa da FESAL-E em que foi criado um sindicato denominado Associação de Classe Interprofissional, que passou a ter o boletim “Luta Social”, como órgão informativo. Nesta mesma reunião foram aprovados os estatutos, regulamento interno e eleitos os corpos gerentes. (aqui)
No entanto, o processo de legalização posterior foi sabotado pelo próprio Estado: mal a associação foi legalizada, o ministério público recorreu, obrigando à sua dissolução, supostamente pelo referido sindicato violar a lei, nos seus próprios estatutos, que haviam sido registados meses antes sem quaisquer problemas. (aqui)
A militância destes companheiros manteve-se durante alguns anos, tendo mesmo dado origem aos Cadernos de "Luta Social", temáticos, de que terão saído quatro números, extinguindo-se por volta de 2009.
Boletim Luta Social (até ao 15) : https://colectivolibertarioevora.wordpress.com/imprensa-libertaria/
A 3 de março de 1975, vários grupos (uns anarquistas e outros afirmando-se apenas internacionalistas) de Lisboa organizaram uma manifestação de solidariedade para com os trabalhadores espanhóis ainda sob o jugo de Franco, aproveitando o aniversário do assassinato de Salvador Puig Antich, que tinha sido garrotado um ano antes, a 2 de março de 1974.
Foram várias centenas os manifestantes que desfilaram Avenida da Liberdade acima, provocando alguns estragos nas montras de companhias espanholas que ali tinham as suas delegações.
O comunicado que convocou a manifestação – para além de outro material publicado na altura – traduz o espírito da convocatória e a solidariedade que todo o movimento libertário português sempre prestou, neste período difícil, aos companheiros espanhóis.
Sobre esta manifestação, escreveu Júlio Carrapato, alguns anos depois, que "os jovens anarquistas e os velhos anarco-sindicalistas portugueses foram os únicos a organizar a manifestação de 3 de Março de 1975, contra o Pacto Ibérico e de solidariedade com os trabalhadores espanhóis, a única claramente antimilitarista que se fez no Portugal pós-fascista, na qual se gritou uma frase que os jornais servis nem se atreveram a transcrever na íntegra: “os soldados são filhos do povo; os generais são filhos da puta”. Coitados, com toda a boa vontade que os caracteriza em relação aos partidos do Governo ou aos da oposição legal democrática (sempre “a mudança”!), só ousavam citar a boutade até meio, o que, convenhamos, alterava “um pouquinho” o sentido da frase…”
Referindo-se a esta manifestação, Carlos Gordilho, escreve que: "A manifestação pública referida neste texto (...), foi planeada pela Associação de Grupos Autónomos Anarquistas. Na organização colectiva desse evento também participaram os companheiros espanhóis refugiados, que diáriamente conviveram connosco em Almada. Local onde estiveram alojados durante seis meses. A AGAA nessa época representava a única estrutura anarquista real, com capacidade de mobilização da juventude e com a força necessária de penetração em alguns sectores sociais. Na área indústrial da margem sul do Tejo (Lisnave, Oficinas do Arsenal do Alfeite, Companhia Nacional de Pescas, Siderurgia Nacional) a nossa propaganda era distribuida nos locais de trabalho, a partir de uma rede de jovens operários." (aqui)
Em baixo está a “notícia” do “insuspeito” Diário de Lisboa, então dominado pelo PCP e pela extrema-esquerda (a maioria hoje a militar em partidos de direita) que, num texto não assinado e demonstrativo daquilo que, na altura e agora, se chama “isenção jornalística”, tenta ironizar com a forma como decorreu o desfile de protesto. Quem lá esteve não se reconhece no tom faccioso e mentiroso da prosa! Mas fica como exemplo desses tempos, em que depois de 16 anos de repressão burguesa na 1ª República e de 48 anos de fascismo, o movimento anarquista ainda sofreu todo o tipo de silêncios, perseguições, mentiras e ocultações após o 25 de abril por parte de quem quis ocupar as primeiras filas de uma democracia de opereta.
http://casacomum.org/cc/visualizador?pasta=06822.172.27118#!4
Por Maria João Dias
Professor, filósofo e escritor, opositor à ditadura fascista do Estado Novo, viveu a violência da repressão. Passou por todas as prisões políticas até ser deportado para o Campo de Concentração do Tarrafal, onde esteve três anos e meio. É autor de diversas publicações, entre as quais “Tarrafal, aldeia da morte”, considerada um valioso testemunho sobre o sofrimento dos presos políticos.
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1. Manuel Francisco Rodrigues nasce em Lisboa, a 12 de Fevereiro de 1901, filho de Carlota da Conceição Vidal, natural de S. Domingues do Vale de Figueira (Santarém) e de António Guilherme Paula Rodrigues, carpinteiro, natural da freguesia de Santa Isabel, Lisboa, moradores na Estrada de Campolide. É inteligente, de espírito culto e inquieto. É assíduo frequentador da Biblioteca Nacional quando Jaime Cortesão é o Director. Torna-se partidário das ideias anarquistas e cristãs. A sua filosofia é libertária-ramo tolstoiano. Segue também doutrinas, crenças filosóficas e práticas de cariz místico. É defensor do vegetarianismo e particante do naturismo. Funda o "Grupo dos Filhos do Sol" com o enfermeiro Virgílio de Sousa, e colabora com a Liga- Anti-Alcoólica Operária". O seu idealismo cedo o levou às grades de uma prisão política, detido durante uma noite de contestação em Lisboa.
Com vinte e poucos anos, sai do país e, durante vinte anos, viaja 10.000 Km por toda a Europa. Vive na Noruega, Suécia, Estónia, Letônia , Lituânia, Alemanha...Na Bélgica, estuda e adquire um diploma em Filosofia, no Institut Philosophique de Bruxelles. Na Alemanha, vive na aldeia vegetariano-tolstoiana de Orienburg e participa na reunião da IV Internacional em Berlim.
Em 1936, está em Barcelona e, integrado no movimento anarquista, organiza na sua casa reuniões com outros membros de destaque do movimento. Casa com Aurora Reboredo, filha do anarquista José Rodrigues Reboredo (1891-1952). Em 1938 nasce a primeira filha do casal, Aurora. No eclodir da guerra civil espanhola, luta como voluntário contra os franquistas. É ferido e perde a visão do olho esquerdo. Refugia-se em França, atravessando os Pirenéus, e vive lá alguns anos com a família. Mas acaba por conhecer a dureza dos campos de concentração de Argelès-Sur-Mer; Saint-Cyprien e Gurs. Em dezembro de 1940, e já à espera do nascimento de mais uma filha, Maria, regressa a Portugal.
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2- Em Beirã (Marvão), a 15 de Dezembro de 1940, Manuel é detido com o sogro. Fica preso no posto da GNR até 20 de Dezembro, data em que é enviado para a cadeia do Aljube (Lisboa). Em Fevereiro de 1941, é transferido para a prisão de Caxias. Em Julho de 1941 dá entrada no Forte de Peniche, onde fica dois meses e, em 4 de Setembro de 1941, embarca para o Campo de Concentração do Tarrafal (Cabo Verde), com José Rodrigues Reboredo e outros antifascistas. Julga que é um engano, mas cedo as suas esperanças se desvanecem. Aí vai encontrar dois conhecidos: um antigo amigo dos tempos de juventude, o enfermeiro Virgílio de Sousa Coelho, que chegou ao Tarrafal a 12 de Junho de 1937 e de lá sairá apenas a 23 de Janeiro de 1946, e o operário metalúrgico José de Sousa Coelho, que deu entrada no Tarrafal a 29 de outubro de 1936 e sairá a 10 de Fevereiro de 1945. Conhece de nome apenas mais quatro ou cinco deportados. Considera que a sua prisão é um engano e uma injustiça, pois nem sequer foi julgado. Escreve cartas de apelo às autoridades civis e religiosas de então. Não obtém resposta. Apenas o castigo de conhecer durante vários dias a " frigideira".
Ao fim de 3 anos e meio de cativeiro, sem julgamento, regressa do “Campo da morte lenta” em 20 de Fevereiro de 1945 (1). Vai residir para o Porto e fica impedido de sair do país. Dedica-se à tradução e à docência. Em 1946, casa com Lucília Branca Dias, natural do Porto, professora de Educação Musical em vários liceus do Porto e Chaves. Em 1948, nasce a única filha do casal, Lucília Dias Rodrigues. Vive com a família em Matosinhos, durante alguns anos. Regressa ao Porto e vai residir para a Rua de Santa Catarina. Lecciona Filosofia e Línguas na Escola Comercial Oliveira Martins, no Liceu Nacional de Chaves, no Instituto Francês e em vários Colégios particulares. Liga-se a várias colectividades, entre as quais a Associação de Jornalistas e Homens do Porto, à Liga Portuguesa de Profilaxia Social , onde trabalhou com o Dr. António Emílio de Magalhães em vários projectos, um dos quais era acabar com o "hábito" de andar descalço. Em 1958, apoia a candidatura do General Humberto Delgado. Vai esperá-lo à estação de S.Bento, e é um dos que o carrega em ombros .
Nas décadas de 50 e 60, publica vários livros, em edição de autor, com o pseudónimo Oryam. Memórias (1950) e Cântico de Oryam contam experiências vividas por ele (3). Recebe um prémio literário pela União de Autores Latinos.
Em 1974, adoece e pouco usufrui do tempo em Liberdade. Organiza tudo o que tinha escrito, há muito, sobre o Tarrafal e a 3 de Julho, em edição de autor, finalmente pode publicar a sua obra mais importante e escondida durante décadas: "Tarrafal aldeia da morte | O diário da B5”. É um dos primeiros livros publicados sobre o campo de concentração. Trata-se de um relato na primeira pessoa, em 327 páginas, de uma obra ilustrada. Nesse ano, a obra tem mais duas edições, pela Brasília Editora (2) e recebe o Prémio Literário " 25 de Abril" para Ensaio Político, na Feira do Livro do Porto. Anuncia a publicação de mais três livros, que não chegarão ao prelo, devido ao seu estado de saúde. Mas publica ainda " Socialismo em Liberdade", em 1975.
Considerado um homem bondoso e simples, os últimos anos de vida passa-os doente e cego, mas “conservou sempre o aprumo que lhe tinham querido roubar nas prisões fascistas”. Morre no Porto, a 28 de setembro de 1977, tão anónimo e tão discreto como viveu (4).
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2 - Depoimentos:
Por Antónia Gato
«Manuel Francisco Rodrigues foi um homem extraordinário. A sua obra “Tarrafal Aldeia da Morte - o diário da B5”, é a melhor obra sobre o Campo do Tarrafal. Anarca-cristão tolstoiano, trabalhou como repórter, professor, tradutor de línguas estrangeiras e autor de várias obras literárias onde se apresenta ao público com o pseudónimo de Oryam. Integrado no movimento anarquista, casou em Espanha com a filha de José Rodrigues Reboredo e combateu como voluntário na guerra civil contra os franquistas.
Acompanhado pela família atravessou os Pirenéus e refugiou-se em França mas acabou por conhecer a dureza dos campos de concentração de Argelès-Sur-Mer; Saint-Cyprien e Gurs. Em dezembro de 1940 regressa a Portugal e, juntamente com o sogro, é detido e posteriormente deportado para o Tarrafal " -
In: Tese de Doutoramento de Antónia Maria Gato Pinto, TARRAFAL: RESISTIR COMO PROMESSA - O poder de transformar uma experiência de opressão numa história de grandeza. In: file:///C:/Users/Utilizador/Downloads/CCT.pdf
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Por Diana Cortez:
"Manuel Francisco Rodrigues era meu vizinho. Tinha uma sala cheia de livros, tantos que chegavam ao tecto. Estava cego, já não os lia... Passava os dias de sol no quintal, à sombra da japoneira e os restantes em casa a ouvir música clássica. Às vezes pedia-me que lhe lesse. Eu não entendia o que lhe lia, muito menos porque sorria quando me ouvia. Diziam ser muito inteligente mas eu não sabia porquê.
Hoje sei que era filósofo, poeta, professor e escritor, cujo pseudónimo era Oryam.
Foi perseguido por ser inteligente e ter ideais anti-fascistas, esteve detido em vários lugares, entre eles, o campo de concentração Tarrafal, onde terá vivido dias de terror."
3. Outras publicações
O Cântico de Oryam, Colecção Oryam (Nº 2) Editora: Edição do Autor, 1ª Edição, 1957, Porto – Imprensa Social Secção da Coop. do Povo Portuense.
A Ideia Venceu a Morte, Colecção Oryam (Nº 3). Edição do Autor, 1ª Edição, 1958, Porto – Tip. J. R. Gonçalves, Limitada.
Socialismo em Liberdade, 1ª ed ,1975
Notas:
(1) Chegaram ao Tarrafal sucessivas levas de presos. As primeiras ocorreram em 1936 (151 deportados) e em 1937 (57 deportados). Mais tarde, à medida que a II Guerra Mundial foi evoluindo favoravelmente para os Aliados, decresceram os números da deportação. Na sua maioria, esses presos ultrapassaram largamente as penas a que tinham sido condenados; e, por vezes, nem sequer eram julgados, funcionando o campo como um desterro sem lei, isto é, de acordo com as leis fascistas de Salazar. Em 1939 verificam-se as primeiras saídas do campo, esporádicas, mas só em 1944 se regista um movimento significativo de libertações, cerca de uma trintena. O campo, aberto em Outubro de 1936, seria fechado em 1954. Foram 36 os prisioneiros políticos que morreram no Tarrafal: 32 portugueses, 2 angolanos e 2 guineenses. Os restos mortais dos portugueses só depois do 25 de Abril puderam voltar à pátria: Em 1961, o Ministro do Ultramar Adriano Moreira reabre-o para nacionalistas africanos, com a designação de Campo de Trabalho de Chão Bom.
(2) Excertos da sua obra "Tarrafal aldeia da morte":
«Quando os primeiros deportados chegaram, encontraram pedregulhos, vento, calor e mosquitos. Então ainda não havia as casernas, nem o «Posto de Socorros», nem a cozinha, nem as oficinas. Tudo isso se fez depois. O que havia já era o arame farpado e a água do poço. Fizeram umas toscas barracas de lona e, passados alguns meses, morreram os primeiros oito reclusos... Só num dia morreram três... depois mais três... e mais dois... Os cadáveres foram transportados a pau e corda para o cemitério. Então ainda não havia o luxo da camioneta. (,,) Depois, abriu-se a pedreira e mandou-se fazer uma marreta que pesava uma arroba. Sob os raios quentíssimos do sol, os forçados arrancavam e transportavam a pedra e, em longa e interminável fileira custodiada por soldados negros, acarretavam a água do poço para as necessidades do povo da aldeia. Quando um escravo caía, vítima do paludismo mortífero, outro era imediatamente escolhido para o substituir. E, depois, como se tudo isso não bastasse, construíu-se a célebre «Frigideira»...isto é: -a antecâmara do cemitério. A «Frigideira» é um bloco de cimento, dentro do qual há um orifício onde emparedam os reclusos que caem na desgraça de não agradar aos que estabelecem as ordens.
(…) Sob a acção do sol, a temperatura vai subindo dentro do buraco... sobe... sobe... sobe!... O desgraçado ou desgraçados que lá estão vão suando... suando... até ficarem cozidos e depois assados. É claro que, submetidos a esse tratamento, morrem muito mais depressa, sobretudo quando o ingresso no buraco se faz ao som das chicotadas do cavalo- marinho rasgando as costas dos condenado, às quais se seguem os consagrados rigores do jejum periódico forçado.»
(3) Catalogado na Livraria Fernando Sanos em Filosofia, em 244 páginas e com a descrição: «10.000 kms através da Europa. – A aldeia vegetariano-tolstoiana de Orienburg. – A lição dos Três Profetas na maravilha nevada do Wildhorn sobre o Homem e o Universo. – O país do sol da meia-noite, o acampamento de Krishnamurti e o ocaso de Viena de Áustria. – Franz Korscnher e Stefan Zweig. – A Academia de Estudos filosóficos fundada por Anakreon no oásis grego de Zágora».
(4) «Quando o conheci era um velho no limite da resistência humana, deixara em vários cativeiros o vigor, a força e a vontade férrea que sempre o tinham animado. (…) Da vida que dedicou à Paz no mundo restam apenas, além dos seus livros, recordações mais ou menos vagas daqueles que o conheceram. (…) Se continuarmos assim, esquecendo ou minimizando, de ânimo leve, Homens de tal envergadura, o “dia em que soará na terra a hora da fraternidade, da Paz justa e sincera” estará cada vez mais longe e, em breve, estaremos de novo envoltos nessa paz podre e vergonhosa de que tão dificilmente nos libertámos» - Sílvia Barata Gonçalves da Silva (Rio Tinto) em “Tribuna Livre”, 27 Maio 1979.
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Fontes:
- ANTT Registo Geral dos Presos nº 12946
- https://www.livrariafernandosantos.com/.../memorias-de.../
- http://im-parcial.blogspot.com/.../tarrafal-aldeia-da...
- https://seculopassadolivros.com/.../a-ideia-venceu-a.../
- http://media.diariocoimbra.pt/.../55b02a81-e5dc-469e-9676...;
- https://digitarq.arquivos.pt/viewer?id=4820829
- Tribuna Livre (secção de jornal não identificado) – artigo de Sílvia Barata Gonçalves da Siva, em homenagem a Manuel Francisco Rodrigues
- Correspondência de MFR com leitores das suas obras.
Informações da filha, Lucília Dias Rodrigues, Diana Cortez e da investigadora Antónia Gato Pinto.
aqui: https://www.facebook.com/FascismoNuncaMais/photos/a.559109110865139/2332024566906909/
Há 7 anos, nos dias 25 e 26 de fevereiro de 2016, realizava-se em Coimbra um Encontro de Informação Alternativa promovido pela Rede de Informação Alternativa, constituída em Portugal em Outubro de 2015, num encontro realizado no Alentejo, e que juntava o Indymedia Portugal, o Jornal Mapa, o Portal Anarquista e a Guilhotina.info, e para o qual foram convidados os órgãos de informação alternativos do Estado Espanhol La Directa, Periódico Diagonal (agora El Salto) e Radio Vallekas.
O encontro teve o apoio de várias repúblicas estudantis ( Ninho dos Matulões, Solar dos Kapangas e Rosa Luxemburgo, bem como do Ateneu de Coimbra) e permitiu abordar diversas questões como a da arquitectura financeira destes canais de informação, a criação de uma rádio e a definição de formas de colaboração mais específicas do que até então.
A Rede Portuguesa de Informação Alternativa funcionou durante vários anos, existindo ainda hoje uma relação próxima entre estas plataformas informativas. O Indymedia cessou a partilha de informações há alguns anos e serve hoje de plataforma para a Radio Paralelo, que utiliza o seu endereço electrónico; a Guilhotina.info viu reduzida a sua actividade após o seu sítio no Facebook (com cerca de 30 mil seguidores) ter sido clonado e é hoje um sítio de jogos, obrigando a guilhotina a criar outra página; o jornal MAPA e o Portal Anarquista mantêm-se praticamente inalterados. Foi (é) uma experiência interessante de partilha de experiências e procura de novos paradigmas comunicacionais ao nível ibérico.
Reunião onde foi criada a Rede de Informação Alternativa (Alentejo, outubro de 2015)
No mês de Outubro de 2015 tinha-se realizado uma primeira reunião no Alentejo, em que participou uma companheira de Madrid que abordou a questão das ferramentas informáticas ao dispor dos projectos de informação alternativos, Nessa mesma reunião, foi decidido criar a Rede de Informação Alternativa – de que o Portal Anarquista faz parte desde a primeira hora – e realizar. meses depois, o encontro em Coimbra.
No verão de 2016 o Portal Anarquista entrevistou os diversos colectivos que integravam a Rede de Informação Alternativa. Eis as respostas:
guilhotina.info: https://colectivolibertarioevora.wordpress.com/2016/08/27/guilhotina-info-de-nada-vale-ser-um-puritano-conceptual-e-um-inutil-na-pratica/
portal anarquista: https://colectivolibertarioevora.wordpress.com/2016/08/29/portal-anarquistaa-desilusao-com-o-actual-sistema-politico-vai-trazer-mais-gente-para-o-campo-libertario/
Foi uma experiência interessante, em que estes projetos de informação alternativa colaboraram de forma diversa, mas empenhada, e em que a colaboração ainda hoje, em muitos casos, se mantém.
Último número de A Batalha clandestina, dezembro de 1949
Primeira edição de "A Batalha", após o 25 de abril de 1974
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